Reflexões do Fundo do Copo – Causadores de Inveja
Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
Consta nos anais jurídicos e policiais* da cidade de Nancy, norte da França, que, em 1949, determinado empregado – responsável pelos cuidados da secreta e magnífica adega da nobre família de seus patrões, durante o período da ocupação nazista – matou a machadadas seu patrão, que insistia, desde a Libertação – 4 anos antes – servir os melhores da Borgonha e do Médoc em jantares regulares, deixando para ele e outros serviçais nunca nada mais do que garrafas vazias, jamais um pequeno gole sequer para experimentar. Compadecidos, apesar do crime ter sido flagrado e confessado, jurados e juiz imputaram-lhe pena extremamente branda, considerando que fora ele vítima de crueldade e tortura mental quase insuportável!
Todos nós queremos consumir aqueles vinhos de preços astronômicos, apesar de não termos o brilho dos reis, nem termos sido coroados presidentes desta nossa República ou até mesmo compartilharmos da amizade de gente como o Duda Mendonça ou o Maluf. Como escrevi em artigo publicado na revista Menu, nem tudo é tão duro assim na vida – O Martin Berasategui sensibilizou-se com a extrema contradição que existe entre a nossa vontade e o nosso bolso e criou o primeiro restaurante de comida contemporânea com assinatura nobre ao alcance de gente menos aquinhoada!
Por €60, um casal come maravilhosamente bem em seu MB Kursaal GastroPub em Donostia (San Sebastian), com direito a coquetel que lembra um Kir Royal e uma garrafa de um jovem vinho Rioja, muito bem escolhido (WWW.restaurantekursaal.com). Nesta linha de raciocínio, sugiro que o criador e proprietário do Chateau Ausone de St Emilion, dá uma dica meio involuntária neste fim de ano. Nem tão boa de preço, mas não deixa de haver um alento no ar.
É assim: o Chateau Ausone é o mais valorizado dos vinhos de St emilion, no nível do seu colega de rótulo, o Cheval Blanc – de acordo com a revista nº 12 – 2008/9 da WorldWine, o exemplar de 2004 custa R$8.883,00. Seu irmão imediatamente mais novo, o Chapelle Ausone, do mesmo ano 2004, custa €198 no negociante da cidade, o que faz com que ele chegue pelas importadoras a algo em torno de R$3000,00. O Moulin St George 2003, um chateau vizinho, que acaba de ser incorporado e leva agora a mesma marca do proprietário Ausone, custa € 82,77 para quem se aventurar a comprar direto da fonte! Ou seja, custa para nós algo em torno de R$1200,00 em nossas gôndolas… Nem pensar, não é?
Pois bem, estas reflexões iniciais, parecem justificar a entrevista que forjei e que se segue. A idéia nasceu quando experimentei um vinho espanhol, o Cuvée Palomar, que custa muitas vezes menos do que os tais R$1200,00 citados acima!
-Sr. Pascal, tomando o Cuvée Palomar 2004 Abadia Retuerta me veio a idéia de perguntar ao senhor – ao criar este vinho o senhor estava com muitas saudades de casa?
-Por que a pergunta?
-Sr. Pascal, este vinho que senhor criou é um clone de um importante vinho francês, o Chateau Ausone, o melhor vinho que jamais tomei!
-Ora, como alguém pode dizer isso?
-Sim eu sei, vinho é oportunidade é situação, é surpresa. Mas é também qualidade, nuances de paladar, firmeza e delicadeza etc. e tal
-Bom, eu criei o Cuvée Palomar, numa mistura de tempranillo e cabernet sauvignon, portanto, nada a ver com um Saint Emilion.
-Sr. Pascal, com todo respeito, por acaso um Supertoscano como o Tignanello não é um bordolês, apesar da presença marcante da Sangiovese, uva que mal-e-mal saiu da Itália Central?
-(longa pausa) Sim, é verdade, que o cabernet sauvignon em corte, cria uma lembrança característica, apresenta os tons que permeiam alguns bons vinhos de guarda de Bordeaux.
-Então?
– Foi porque criei o Chateaux Ausone, que o pessoal da Novartis me contratou para fazer os vinhos da Abadia Retuerta.
-Ah bom, parece que começamos a nos entender…
– Não quis falar de pronto, mas não por vergonha, muito pelo contrário, pois meus vinhos em Saint Emilion são muito respeitados.
-O Chateau Ausone é o único que se equivale ao Cheval Blanc em toda a região! E o Chateau Belair, parece que vai pelo mesmo caminho…
– Não posso dizer, mas, diga-me, fiz tantos outros na Espanha, por que o Cuvée?
-Fale-me sobre ele…
– Ele encalha. Alguma coisa não está certo, parece até que não atende o mercado… Em vários países do mundo, ele encalha. Enquanto os da linha Abadia vendem muito bem, enquanto os Pago são aclamados em todas as degustações, enquanto o Petit Verdot e o Syrah não páram de ganhar fila de admiradores, incluindo gente como o Robert Parker… os Cuvée ficam nas prateleiras.
-Talvez porque sejam menos modernos e modernosos, o que não se espera de uma Bodega como a Abadia Retuerta, sempre tão à frente do que se faz na região. Por isso pergunto de novo, era em Bordeaux que estava pensando?
-Não posso deixar de pensar na minha origem no meu Porto Seguro, em Saint Emilion. Você tem razão, ao menos em parte, porque estou seguro da nobreza da Tempranillo e já fizemos experiências suficientes com ela para saber que se dá perfeitamente bem junto a uvas como a Cabernet Sauvignon. Angel Anocibar me fez a cabeça, mas minha cabeça continua sendo Saint Emilion. Sou criativo, mas meu limite é minha origem!
Despedimo-nos em nossa entrevista imaginária. Vou pra casa decidido a fechar os olhos e pensar que numa ocasião muito especial poderei conter a minha inveja por muito menos!.
*Si non è vero è bem trovato!!!
Caro Breno,
O Cgateau Moulin St. George das safras 99 e 2000 foram vendidos pela Mistral ao preço de US$ 100,00. Pelo que você está falando foi uma verdadeira barganha.
Marcus, vou me informar melhor, mas não deixo de especular – fiquei com a impressão que a compra do Chateau vizinho ao Ausone foi realizada a menos tempo, acho que depois de 2005. Portanto, é possível imaginar muita coisa, desde que as safras anteriores não tinham mais todo o cuidado necessário, ou então que o contrato de compra exigiu a manutenção de um vinho que não honrava até então os padrões de qualidade da casa vizinha, não é?
Caro Breno,
O vinho em questão já era vinificado pelo pessoal do Ausone, usando os mesmos cuidados que são dispensados a este. Acho que o valor de R$ 1.200,00 que você falou pela garrafa do Ch.Moulin St. Georege está muito acima do valor correto. Mesmo lá fora eu comprei o da safra 2003 e foi um valor bem abaoixo dos 82,77 euros. Pode ser que o valor em questão seja para a safra de 2005, mas mesmo assim ainda acho que não chega aos 82,77.
Um abraço,
Marcus
Marcus, é muito provável que você esteja mais informado sobre os preços deste vinho, que, aliás, me serviu como “escada” para o comentário literário que pretendia fazer neste artigo.
Por conta de sua afirmação, aumentei meus conhecimentos sobre este produto, altamente recomendado por todos os negociantes internacionais que consultei.
Quanto aos preços, há disparates, o que deve justificar em parte esta nossa divergência.
De fato, no site http://www.maison-eyquard.com/vente-appellation-saint+emilion+grand+cru+2-page-11.asp encontra-se um preço não tão perto do seu nem tão longe do meu:
Château Moulin Saint-Georges 2003
Saint Emilion Grand Cru
Fiche technique 604 2003, 792 € TTC
Vendu par 12 blle(s) . 66 € TTC la blle de 75cl .
Aviso – não sou negociante, não entendo de Preço FOB etc., mas venho trabalhando – à guisa de compreender os preços praticados do Brasil – com uma equação que me faz crer que um vinho cujo preço ao consumidor final é de 7 Euros na França, nos custa algo em torno de R$100,00.
Foi esta equação que apliquei na hipótese levantada… 83 Euros = R$1200,00 aproximadamente…
abraços