Bacalhau e Vinhos – Harmonizando a Páscoa

              Como dizem meus compatriotas, pelo menos é o que rege a lenda, “bacalhau não é peixe, é bacalhau” e estamos falados! Uns gostam com vinho branco, outros não abrem mão de um tinto, mas quem conhece do riscado sabe que é essencial saber o tipo de bacalhau que será servido. Bacalhau com natas, à Lagareiro, à Braz, à Zé do Pipo, à Gomes de Sá, à Espanhola, ao Forno, à Marialva, à Fenomenal, à Portuguesa cozido com batatas e grelos (tipo de couve), à Espanhola, Arroz de bacalhau com brócolis, à Narcisa enfim existem inúmeras formas de preparar bacalhau e outras de tanto de o harmonizar, até porque isto não é uma ciência exata e o gosto junto com a litragem de cada um é que determina o melhor casamento entre os dois. Para melhor demonstrar toda essa subjetividade, enviei um e-mail para diversos e experientes amigos de nossa vinosfera e fiz-lhes a seguinte pergunta. Lhe dou 100 Reais (30 Euros) para comprar vinho, ou vinhos, que harmonizem com seu bacalhau da Páscoa, quais seriam? Uma ressalva, os produtores não poderiam listar seus próprios vinhos. A maioria me respondeu, outros deixaram-me na mão, mas deu uma coletânea bastante interessante e diversificada de sugestões para você avaliar e, eventualmente, achar seu caminho.

  panorama-bacalhau1                                              Álvaro Galvão (Divino Guia) – Como gosto de fazer harmonizações não mito óbvias, indico o rosado maravilhoso da Miguel Torres Chilena, o Santa Digna, que é da Reloco, e deve girar na faixa de R$50,00.Como sobra a metade, indico o Prelúdio, um corte bordalês brasileiro do projeto Vinha Solo do Marco Daniele R$ 40,00. Deixo claro também que estou pensando em um bacalhau às natas para o primeiro e para o corte bordalês, uma bacalhoada, com pimentões e cebolas em abundância de azeite. Ainda sobra para a sobremesa!

         Arthur de Azevedo (Revista Wine Style e ABS) – Prefiro o bacalhau preparado de modo bem simples para valorizar o peixe propriamente dito. Sempre gosto de combinar bacalhau com vinhos brancos, como os Rieslings da Alsácia e da Alemanha, secos ou no máximo com uma leve insinuação de doçura. De Portugal ficaria com os vinhos brancos da Bairrada, como o Filipa Pato Ensaios Branco, ou com o Luis Pato Vinhas Velhas Branco, ou com um belo Arinto ou Antão Vaz do Alentejo, como os ótimos vinhos do Paulo Laureano. Se quiser mudar para a Espanha, use um ótimo Verdejo como o Emina Rueda.

         Didu Russo (Gula/Revista RSVP/Blog/Celebre) – Eu iria de tinto da Bairrada, um Luis Pato de uva baga. Aprendi isso em Portugal e adotei. Não concordo com os brancos, barricados ou não, bacalhau tem untuosidade que pede tanino e tanino seco nada de vinho madeirado tipo Malbec do Rolland não heim… Fica um horror. Também é uma ilusão os verdes frescos que os portuguêses com calor aqui no Brasil passaram a adotar, nada a ver “Secondo Me”. Com bolinhos fritos é diferente, iria de verdes claro para limpar a boca da gordura com as agulhas dos verdes. É isso.

         Pingus Vinicius (Pingas no Copo) – Eu gosto de um bacalhau à lagareiro (azeite e alho e batatas). Com este prato metia um tinto do Dão. Não tinha dúvidas. Escolhia um Quinta do Corujão Grande Escolha 2004 que custa menos de 25€ em Portugal. Se o bacalhau fosse assado no forno e acompanhado com puré, provavelmente o acompanharia com um Douro Branco. Um Redoma ou um Encosta Longa fermentado em barrica. Se o Bacalhau for confeccionado em sopa, com poejo e pão avançaria para um branco do alentejo. Um Pera Manca ficava-lhe bem.

         José Luiz Pagliari (Wine Experts / Revista Freetime / SBAV / Consultor) – Lembro-me do Saul Galvão falando duma série de harmonizações de bacalhau e vinho, chegando na melhor com o Conde de Valdemar Fermentado em Barricas, da Mistral (US$36.90), mas não me lembro qual receita de bacalhau estava sendo provada. Para a escolha do que beber é importante a maneira como o bacalhau é preparado, o método de cocção, os ingredientes. Meu favorito, espécie de curinga, mas se dando muito bem com receitas mais cremosas como o “Bacalhau com Natas” é o Esporão Reserva Branco, a R$78. Esse branco tem a vantagem de ser longevo, bebendo-se bem com 6, 7 anos ou mais.

         João Pedro de Carvalho (Copo de 3) – OK desafio aceite , vamos lá ver então. Bacalhau para o Domingo de Páscoa, por tradição na minha zona não comemos carne sexta feira santa pelo que é nesse dia que comemos o bacalhau. Como sou do Alentejo manda a tradição que Domingo se coma borrego assado no forno. Mas vamos então ao bacalhau, que pode ser entre tantas, de duas maneiras:

Cozido com batata e couve, ou grelos salteados em fio de azeite:

Um prato onde penso que o vegetal e o salgado suave do bacalhau juntando ao gosto forte do mesmo liga bem com um vinho que tenha corpo, frescura, mineralidade e boa dose de fruta e vegetal fresco.

Sugeria em plano mais económico: Soalheiro Alvarinho 2007 ou 2008, um Covela Escolha 2007, Redoma 2007, subindo um pouco mais claramente um Soalheiro Primeiras Vinhas que é para mim um dos melhores brancos de Portugal neste momento, ou um Quinta dos Roques Encruzado 2007. Se fosse para fora, iria buscar ao Vale do Loire um Chenin Blanc por exemplo qualquer um da gama Baumard ou um Domaine du Collier, que são vinhos acentes numa belíssima mineralidade e frescura, capazes de ligar bem com o vegetal, o grosso da batata e o exigente bacalhau.

No forno com natas, batata e pão ralado:

Aqui procuro sempre vinhos onde a madeira confira alguma untuosidade ao vinho, vinhos um pouco mais gordos na boca, com toques de tosta leve. O Redoma Reserva é bom exemplo, o Soalheiro Primeiras Vinhas 2007 aqui também liga bem, Malhadinha 2007. Do Chile o Montes Alpha Chardonnay gosto muito com este tipo de prato, mas por outro lado gosto de alguns tintos, como o Quinta de Saes Estágio Prolongado, que tem a frescura suficiente para o prato mas ao mesmo tempo a madeira que mostra é suave e liga bastante bem.

         Breno Raigorodsky (Sommelier FISAR/ Colunista) – Meu bacalhau é uma receita meio minha, meio do resto do mundo! É francesa com ingrediente italiano. É a brandade com o arremate do azeite aromatizado com trufa branca. Vou para um Moulin a Vin para caber com folga na sua verba de R$100,00 ou vou para um Dolcetto ou um Barbera de grande qualidade. A trufa manda no bacalhau e no vinho…Mas estarei muito bem servido nesta minha Páscoa, no doubt.

         Hamilton Reis (Enólogo da Cortes de Cima) – uma ressalva, vinhos da casa não poderiam ser sugeridos. Eu até posso, eles não! Eheh “Bom esta para mim é bastante fácil porque aqui à dias comi um bacalhau na brasa que foi brilhantemente acompanhado por um vinho que eu adoro, Morgado de Santa Catarina branco 2005, é de Bucelas e é, na minha opinião, um dos melhores brancos Portugueses da actualidade (pelo menos um dos melhores que eu conheço). Este vinho é muito equilibrado e ao mesmo tempo muito completo, nariz com boa intensidade, muito fresco. Na boca é crocante e gordo ao mesmo tempo, bons traços de mineralidade e com uma madeira no final muito discreta que lhe fica muito bem.

         Helena Sardinha (Enóloga Assistente na Cortes de Cima) – concordo plenamente com a sugestão do Hamilton. Um branco gordo e com alguma estrutura é o ideal para o bacalhau! Contudo, o bacalhau, que é um peixe quase carne, também fica muito bem com um tinto mais suave e com boa acidez. No caso dos tintos, a minha sugestão seria um tinto do Dão, como o Quinta da Pellada Touriga Nacional 2004 (é muito bom, muito elegante e com aromas muito perfumados). Esta é a minha sugestão…um bom Touriga Nacional do Dão!

         Emilio Santoro (Portal dos Vinhos) – os vinhos que gosto para acompanhar bacalhaus são:

Os chardonnays do novo mundo fermentados em barricas de carvalho, entre eles Casa Valduga Gran Reserva, Caliterra Tribute, Angélica Chardonnay.

Dentre os brancos do velho mundo, também fermentados em barricas de carvalho, o Esporão Reserva, Vila dos Frades Reserva, Cartuxa, Vetiver Crianza.

Tintos evoluídos das seguintes regiões: Douro, Alentejo, Rioja, Borgonha.

         Walter Tommasi (Editor de Vinhos da revista Gowhere Gastronomia/Colunista/Degustador) – Como eu sou um cara que gosta da simplicidade e tradição ficaria com um bacalhau que tenha muito azeite , cebola, azeitonas batatas e um puco de tomate, que é o que todos acabam fazendo pela simplicidade e pelo resultado final. Neste tipo de prato certamente iria para um tinto e daria duas linhas :

Uma compatibilização por “Tradição” ou seja, com um bom exemplar português

por gosto pessoal escolheria um bom Douro, pelo prato tender para o salgado e ter bastante untuosidade preferiria escolher um Douro com maior acidez , mais  elegante, e menos tânico ; Com isto em mente escolheria um douro “Não Reserva “, como o Conversa Douro da Niepoort que certamente é uma boa pedida e está abaixo dos 100 e o Quinta das Caldas Douro do Domingos Alves de Souza também é uma boa pedida

Saindo da Tradição minha sugestão seria um Nebiolo e a sugestão seria o Pio Cesare que deve ser por volta dos 120 reais ou o Bruno Giacosa ai outra alternativa seria o Barbera  Santa Rosália que é mais acido e está abaixo dos 100.

         Simon Knittel (Kylix) – Para mim, é muito prazeroso falar desta harmonização, pois são as minhas duas paixões. Gosto do Bacalhau feito no forno, bem condimentado, com muito azeite. Meu preferido é o Bacalhau à Lagareiro.

Como dizem, bacalhau não é peixe é bacalhau, então para harmonizar eu escolheria um bom vinho tinto português, e mesmo se fosse peixe, eu sempre digo que o melhor vinho, ou neste caso, a melhor harmonização é a que a gente gosta e pronto!!! Este tinto poderia ser o Cortes de Cima que é feito das uvas Aragonês, Castelão, Syrah e Trincadeira. Juntando seu bom corpo, seu aroma e paladar  frutado e seu toque de chocolate, acredito que será um ótimo parceiro para o meu bacalhau, sem passar por cima do mesmo. Fiquei com água na boca…

         José Eduardo Silva (Relações Publicas e TI da Cortes de Cima) – este fim de semana fiz um “bacalhau fenomenal” e foi muito bem acompanhado por um Monte da Peceguina Tinto 2006 produção da Herdade da Malhadinha Nova.

         Luís Lourenço (proprietário da Quinta dos Roques no Dão) – Não é fácil a resposta até porque não sei que vinhos estão presentes no mercado Brasileiro e a que preços, no entanto vou dar algumas sugestões: Os vinhos têm de ter uma boa estrutura e algum volume para se baterem com o bacalhau mas também boa acidez (ou com vocês dizem – “frescor”) para cortar a gordura do azeite.

Bacalhau assado no forno

Vinho Branco – Vinha Formal do Luís Pato (Bairrada)

Vinho Tinto – Quinta da Vegia da Casa de Cello (Dão)

Bacalhau à Gomes de Sá

Vinho Branco – Quinta do Ameal Escolha da Quinta do Ameal (V. Verde)

Vinho Tinto – Vale da Raposa – Alves de Sousa (Douro)

Vinho Rosé – Covela da Quinta da Covela (Regional Minho)

       Deixei-vos bastantes tontos depois desta série de recomendações e sugestões, não? O propósito foi bem esse, mostrar a diversidade e subjetividade destas escolhas (vejam também o interessante comentário do Luiz Horta). Mesmo com pessoas de grande experiência na área e tanque transbordando de tanta litragem, rsrs, fica claro que apesar de haver uma certa semelhança de escolhas por estilos de vinho em alguns casos, em outros o gosto de cada um impera e caminha, até, em direções opostas. Em harmonização existem tendências, mas é o gosto pessoal de cada um que acaba se sobrepondo a qualquer regra. O que se deve procurar é o equilíbrio entre o prato, o vinho e o seu paladar.  Aí em cima estão diversas opções e, como não poderia negar fogo nesta hora, eis a minha harmonização para o almoço. Farei um pouquinho de batota (trapaça) no total de gastos que passarão um pouco do estipulado, talvez alcançando um total de 120 reais, mas vamos lá.

João Filipe Clemente (Falando de Vinhos), neste dia serei tradicional, abrirei servindo bolinhos de bacalhau, alheira frita e uma salada de feijão fradinho com bacalhau cru, dessalgado e desfiado que acompanharei com um refrescante Casa Paterna Alvarinho/Trajadura (Premium). Para o prato principal que será um bacalhau no forno com grão, batatas, pimentões e batata ao murro, nadando no azeite, vou de Casa da Passarela Dão Vinhas Velhas (Vinica). Pensei muito seriamente num delicioso Reguengos Garrafeira dos Sócios, mas achei que poderia eventualmente abafar o bacalhau então preferi ir pelo caminho mais seguro. Alguns dos vinhos tintos de bom preço que também poderiam ir muito bem aqui são; Casa da Passarela Descoberta, Altano Douro, Grandes Quintas Escolha, DFJ Touriga Nacional/Touriga Franca, Quinta de Nossa Sra. do Carmo Douro (sem madeira) ou um Don Rafael  entre muitos outros, como alguns dos já citados acima. Caso o prato fosse um bacalhau com natas ou à Zé do Pipo, até o meu querido bacalhau à Braz, aí iria de branco, talvez Quinta dos Roques Encruzado, Esporão Reserva ou vinhos que andam menos na mídia por aqui como, o Alvarinho Pouco Comum, Pomares Branco e o Covela Escolha uma lembrança do João Pedro. Pensando bem, poderia também ser um tinto do Douro, de poucos taninos, macio e maduro como o Vila Jusã ou um Travers de Marceau do Languedoc Francês, e ainda sobraria um troco. Eta decisão difícil!

Para finalizar, diz o ditado que existem 1001 maneiras de se preparar bacalhau; grelhados, assados, fritos, cozidos, com ou sem batatas ao murro (que adoro), em postas, desfiado, enfim um monte, entre as quais algumas das que mencionei logo no inicio, então a duvida pode ser cruel ou você já tem seu favorito e vai direto nele? Não sabe o que fazer ou quer variar? Visite estes sites, algumas centenas de receitas para você se esbaldar. http://www.1001receitas.com/ , http://www.livrodereceitas.com/bacalhau ou http://www.bacalhau.com.br/ . Bom apetit, salute e boa Páscoa a todos. Aproveitem o feriado e seguimos nos encontrando por aqui.