Uvas & Vinhos – Tinta Roriz
Nesta segunda participação do amigo e enólogo Miguel Almeida em Uvas & Vinhos, ele se debruça sobre uma importante cepa no corte dos vinhos do Douro e Dão assim como do Alentejo. Já falamos aqui sobre a Tempranillo, um dos muitos nomes (eu conheço oito) desta cepa ícone da península Ibérica, porém não sob o prisma de um enólogo e tão pouco deste lado da fronteira onde o clima, cultura e terroir são outros. Vejamos o que o Miguel tem a nos dizer antes de ter que se ausentar pelos próximos três meses quando estará cuidando dos vinhos da Fortaleza do Seival e Almadén da safra de 2010 que nós só conheceremos bem mais lá para a frente. Prometo trazer as impressões dele sobre esta safra assim que der.
A difícil casta dos vinhos ícones da Ibéria – Tinta Roriz, Aragonez ou Tempranillo
A Tinta Roriz embora represente 25% da superfície vitícola portuguesa, a custo é tida como uma casta de excelência. Segundo opinião quase unânime juntos dos enólogos a trabalhar no Douro, produz muito, exige muitas intervenções em verde, a maturação processa-se irregularmente até no mesmo cacho, em suma, é uma casta difícil de trabalhar, principalmente em viticultura de montanha, onde existem muitas exposições solares e diferentes altitudes. Em Portugal é a base de suporte para um blend de vinho apto a envelhecer, lembro o Barca Velha 1999, com cerca de 50% de Tinta Roriz, 40% entre Touriga Nacional e Touriga Franca e 10% Tinto Cão, estagiado por 18 meses em meias-pipas novas de carvalho francês, e o Pêra-Manca 2003, 50% Aragonez e 50% Trincadeira, tradicionalmente estagiado por 18 meses em tonéis de 3.000 litros com mais de 50 anos.
Em Espanha o cenário é completamente diferente, na Rioja, considerada a sua origem, 57% das vinhas, mais de 27.500 hectares, estão ocupados com Tempranillo e nos vinhos da Ribera del Duero ela é quase sempre componente único. Da Rioja trago ao espírito o cultural e clássico Viña Tondonia Tinto Gran Reserva 1991, Tempranillo (75%), Garnacho (15%), Mazuelo e Graciano (10%), envelhecido 9 anos em barricas, com 2 trasfegas por ano, feitas à mão. Da Ribera del Duero o portentoso Pingus 2004, Tempranillo (100%) com supervisão biodinâmica e 100 pontos de Robert Parker.
Para ter elegância, acidez e fruta fresca num Tempranillo precisamos de um clima ameno. Mas para ter elevada concentração de açúcares fermentescíveis e cor intensa da sua casca espessa precisamos de calor. Na Ribera del Duero este aparente contraditório é possível devido ao clima continental e às médias altitudes de até 800 metros. Na Rioja as elevadas temperaturas e as baixas altitudes originam excesso de fruta em compota e baixo teor em ácidos, esta falta de frescor é agravada pela aparente predisposição genética da Tempranillo para absorver potássio, provocando o aumento do nível de sais de ácidos orgânicos, com a conseqüente subida do pH. Neste caso a solução passa pelo blend com uvas de maior teor em ácidos orgânicos.
Comportamento vitícola
A Tinta Roriz é uma variedade:
- com uma fertilidade apta em cachos grandes (como na foto abaixo das vinhas na Casa dos Gomes no Dão).
- de alta produtividade (8 a 18 ton/ha), variando muito com o tipo de solo, o clima e o clone.
- aneira, alterna com os anos, ou seja, em bons anos, produz vinhos encorpados, retintos, muito aromáticos, míticos e em anos maus produz apenas vinho.
- de muito fácil condução da copada.
- bastante sensível ao Oídio e exageradamente sensível ao Míldio.
- de mediana susceptibilidade ao stress térmico e hídrico (em anos quentes e secos é necessário reduzir de modo drástico a área foliar das videiras e o número de cachos, por forma a baixar o consumo de água).
- precoce com curto ciclo de maturação.
- prefere solos profundos, bem drenados e com reduzida disponibilidade hídrica, uma vez que elevado teor de água provoca atrasos no pintor e redução da qualidade.
Como curiosidade, em 1988 e no berço riojano, fruto de uma mutação natural por factores ambientais desconhecidos, surgiu a variedade Tempranillo Blanco numa videira de Tempranillo onde todas as varas originaram cachos de casca escura, excepto uma que produziu cachos de pequenas bagas esverdeadas. A Tempranillo Blanco viu aumentada o número de indivíduos por multiplicação vegetativa daquela única vara.
Comportamento enológico
Quando originários de vinhas de baixo rendimento, 6 a 8 ton/ha, os vinhos de Tinta Roriz são sempre de cor vermelha intensa, nariz de ameixa e frutos silvestres, tais como, groselha, framboesa, mirtilo, amora, que se tornam mais complexos com a evolução em barrica e/ou garrafa. As principais características em boca são a textura envolvente, macia, sedosa e aveludada, apoiada em firmes taninos, e o bom equilíbrio de acidez e álcool. Quando o vinho estagia em carvalho novos aromas surgem: baunilha, coco (típicos do carvalho americano), especiarias, anis, charuto (típicos do carvalho francês).
Com rendimentos de 10 ton/ha para mais, os vinhos adquirem uma coloração menos intensa, mais aberta, o nariz simplifica, quando jovem, o vinho vive muito dos básicos e muito etéreos aromas fermentativos frutados, tornam-se menos encorpados, mais ligeiros e de estrutura média, geralmente, estes são vinhos fáceis, próprios para o consumo diário. Nestes vinhos a opção por madeira para nada mais serve do que complementar a estrutura e, por vezes, melhorar a plausível deficiência aromática.
Varietal ou blend? A decisão terá que ser tomada com base na vinha e no vinho. Para ser um varietal harmonioso e prazeroso terá de ser obtido de uva sã irrepreensivelmente madura, quer ao nível aromático, quer fenólico, e com um óptimo equilíbrio de açúcares e ácidos. Como isto das UVAS & VINHOS não é tão fácil como escrever, quando não acontece, a Tinta Roriz, ou melhor, os seus espessos taninos são os alicerces e os pilares fundamentais da estrutura de um lote de vinho preparado para viver por vários anos.
Se a Touriga Nacional é o nariz, a Tinta Roriz é a boca do vinho. A alta carga tânica influencia também a estabilidade corante do vinho, normalmente, a cor deste vinho mantém-se bem ao longo do envelhecimento. Em resumo, a Tinta Roriz é uma casta polemica, capaz do pior, isto é, produzir vinhos bastante fracos, de cor insuficiente, taninos agressivos e sabores herbáceos, devido à sua exagerada capacidade produtiva. Mas capaz do superlativo, ou seja, produzir vinhos únicos, memoráveis quando controlados todos os fatores que interferem na produção: escolha do solo, do porta-enxerto, fertilização equilibrada, adequada condução da sebe vegetativa e monda de cachos ao pintor, se necessário. O resto o enólogo orienta!
Harmonização – eis o que o Álvaro Galvão (Divino Guia) disse sobre a harmonização do tempranillo e que resolvi repicar aqui já que, a principio, falamos da mesma cepa: ” Tem uma versatilidade enorme, pois se fazem vinhos com ela sem madeira, com madeira, em cortes, e todos muito gastronômicos, devido à sua acidez balanceada e taninos quase sempre domados. Carne de mamíferos e aves, de preferência as mais rústicas como caças, galinha d’angola e faisão, em geral vão bem com ela. Coelho à caçadora e lebre assada também se harmonizam. Experimente uma morcella assada, que seja levemente apimentada e muito aromática, vai ficar muito bom.” A essas sugestões do Álvaro, eu adicionaria um prato de vitela assada com batatas, prato tipico da região do Dão ou arroz de pato, uma iguaria portuguesa!
Rótulos a Provar – Não provei vinhos varietais desta cepa em Portugal, falha que tenho que corrigir este ano, porém os blends são inúmeros para serem aqui listados. Dos varietais que não provei, sugiro conferir; Têmpera 2001 da Quinta do Monte d’Oiro em Alenquer, do Alentejo (Aragonês) os vinhos da João Portugal Ramos, Cortes de Cima e Esporão / do Dão o Quinta dos Roques Roriz e do Douro o Quinta de la Rosa e Quinta do Vale da Raposa dueto em que a Roriz é protagonista. Esbalde-se nos blends com Roriz, são muitos e muito bons. Começe por rótulos mais econômicos como o Quinta de Cabriz Colheita (Winebrands) do Dão ou Loios (Casa Flora) com preços abaixo de R$30,00 que são uma ótima opção de gama de entrada e vá subindo a escada degrau a degrau. Eis uma curta listinha para você curtir;
Altano (Mistral) do Douro, em especial o Biológico, Herdade do Peso Colheita (Zahil) outro do Alentejo e o Quinta de Cabriz Reserva (Winebrands) mais o Duque de Viseu (Zahil) todos na faixa entre R$50 e 60,00 valendo cada centavo e sobra troco em satisfação, muita! Altas Quintas Crescendo (Decanter) do Alentejo, Quinta Mendes Pereira Garrafeira (Malbec do Brasil) e Casa de Santar Reserva (Winebrands) do Dão, Post Sriptum (Mistral) do Douro e muitos mais, inclusive os vinhos do porto, para você não se cansar nunca. Diversos estilos e sabores com muita satisfação e não esqueça do Quinta do Seival Castas Portuguesas (com a mão do Miguel) o solitário representante brasileiro.
Os prazeres serão imensos, eu garanto.
Salute e kanimambo.
Olá, eu gostaria de saber qual a uva do pêra manca tinto e a uva do branco.
ATT: Oswaldo.
Olá Oswaldo, essa eu não sei não. Sugiro entrar no site do produtor (Fundação Eugenio de Almeida) e pesquisar lá.
Abs
Pêra manca tinto: Aragonês e trincadeira.
Pêra manca branco:Arinto e Antão
gostaria de saber qual a melhor comida brasileira para o pêra-manca tinto. já que temos da feijoada ao bacalhau português,e outra tantas receitas com frutas e boas carnes,castanhas patos e peixes, lagosta,camarões e muitas mais.
Olá Manuel, primeiramente é importante saber a idade desse Pêra-Manca já que os mais jovens se apresentam tradicionalmente mais encorpados. Acho que carne, guisados e comidas mais estruturadas devem ser parceiros legais. Nada da peixes e quaisquer frutos do mar.
O Pera Manca tinto também tem um grande percentagem de Tinta Roriz