Aula de Bordeaux “deux”!
Na 1ª aula foram servidos 4 vinhos do noroeste de Bordeaux, Margaux, Pauillac, St Estephe. Na 2ª foram servidos vinhos do nordeste da região, St Emilion, Lalande Pomerol e Pomerol. Vinhos do mesmo patamar, com o preço sempre em torno de R$250,00 para o consumidor final.
Enquanto na 1ª aula, os vinhos de referência eram os grandes de Margaux e Pauillac, responsáveis por 4 dos líderes da classificação que vigora desde a Feira Mundial de Paris em 1855, aqui os monstros sagrados são Petrus de Pomerol, Cheval Blanc e Ausone de St Emilion. Vinhos onde o cabernet sauvignon não reina, ao contrário dos primeiros. Vinhos feitos a partir de merlot ou mistura com Cabernet Franc.
20 de setembro –
Fechei o cardápio não sem antes me inspirar em algumas referências bibliográficas, só para ver como esta coisa é errática, longe da pretensa cientificidade que se encontra nos sommeliers de plantão. Penso por mim, penso na trufa branca de San Miniato. Se o prato é perfumado por algo tão forte como a trufa, melhor é ninguém lhe fazer sombra. Um vinho discreto é a melhor medida, a não ser que o fausto seja essencial. Radicalmente falando, para o grande vinho serviria a neutralidade de uma massa temperada mas sem tanta personalidade; serviria um roti que não fosse muito mandão. Em casa, apenas com meus botões, radicalizaria – o grande vinho e uma bela batata com casca, grelhada ao forno, servida num banho de azeite e sal!
O cardápio: abobrinha e berinjelas grelhadas, bresaola com parmesão e rúcula, ravióli de ricota com manteiga e sálvia, cordeiro com feijões brancos, manga grelhada na calda de pitanga e sorvete de banana.
Penso no que vou dizer, tento me concentrar como fazia antes de cada apresentação de campanha publicitária para a diretoria da Colgate Palmolive, Mercedes Benz, Brastemp, Unibanco. E o que tenho a dizer é tão pouco, quem sabe eu não sirva para isso de dar aula, com coisa sistematizada demais. Funciono à base do entusiasmo e se desviar o foco, dificilmente retomo de imediato. Pode ser que eu finalmente seja desmascarado depois de tantos anos dando aula de criação publicitária, de taishi shuan, de vinho. É hoje que alguém vai virar pra mim e, na frente de todos dirá – você não é um professor. É hoje, então, que eu olharei em seus olhos e direi – você tem razão eu não passo de um enganador, eu não sei nada sobre este assunto.
Mas, felizmente para mim e para a paz dos meus alunos, todos estão infinitamente mais preocupados com os vinhos, a comida e bom papo do que com meus crônicos problemas existenciais. Aceitam as apostilas com dados sobre as 3 micro regiões, aceitam sem contestas as anotações genéricas sobre hectares plantados, produção em litros, idade média das vinhas e os 15 bilhões de euros que a região movimenta por ano com seus vinhos.
Aceitam informações perfumistas, pouco encontradas nas amostras, aliás, de que St Emilion deve apresentar mais morango e groselha; o Lalande Pomerol frutas vermelhas, animal (gibier) e couro, para evoluir em direção à ameixa e o cacau, enquanto que Pomerol será o único a florir com violeta, além de apresentar tantas similaridades com seus vizinhos. Aceitam que o fundamental é descobrir o corpo, a estrutura e não os perfumes, quando se fala de Bordeaux em geral, já que os vinhos têm tons herbáceos muito presentes, principalmente quando são vinificados no estilo “Velha Guarda”. Aceitam as informações que passo sobre a compra dos vinhos conforme o prometido; aprovam o cardápio, suficientemente harmonizado para que não atrapalhe as conclusões que queremos tirar daqui.
Os vinhos da aula são um Lalande de Pomerol, dois Pomerol e um St Emilion. Será uma degustação de onde reina o Merlot e o Cabernet Franc. A região contradiz um pouco o conhecimento mais elementar que se tem sobre o vinho de Bordeaux, sempre apresentado como o resultado de uma mistura entre Cabernet Sauvignon e Merlot, tendo alguns coadjuvantes a Franc, Petit Verdot, Tannat e Malbec. Perto de Libourne, ao leste da Aquitania isto quase uma mentira!
O Lalande é o Ch. Lafleur-Vauzelle. O St Emilion o Clos St Emilion Philipe. Os Pomerol Fayat-Thunevin e Ch. Grand Moulinet. O primeiro tem 70% de Merlot, 15% para cada cabernet; o Segundo é 70% Merlot, 30%C.Franc; o terceiro 100% Merlot e o último 90% Merlot, 10% C.Franc. Todos passam mais de 12 meses de barrica, sendo que o Fayat-Thunevin tem 18 meses. Todos são frutos de vinhas de mais de 30 anos, produzidos em aproximadamente 4 hectares, resultando algo em torno de 20 mil garrafas.
Apenas o Lalande esteve um ponto abaixo dos outros três, que disputaram palmo-a-palmo a preferência do grupo. A propósito, vale a pena comentar o erro didático que cometi – apresentei os vinhos e seus preços enquanto servia. Talvez não por coincidência, a preferência quase unânime recaiu sobre o mais caro, enquanto que o Lalande, de 30% a 60% mais barato que os outros, foi o menos preferido.
Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação mensal, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado
JF, o tempo anda também para mim e para esta coluna: já não apenas completei meus 60 anos como caminho célere em direção aos meus 61, enquanto que – estática – a apresentação que você faz de mim, descreve um indivíduo praticamente dois anos mais novo!
Breno,
Reconhecer erros está caindo em desuso !
Voce reconheceu ! Parabéns !!! Um pequeno erro didático, insignificante, bôbo, tolo, porem com aprendizado para o futuro, e acabou tornando com seu reconhecimento pessoal e público, um grande gesto !!!
Abs
Godoy
Aprendi coisas!
Abrs
Tom