Aromas no Vinho – Fruto do Imaginário, Enochatice?
Alguns enófilos quebram a cabeça, muitos se frustam, tentando encontrar nos vinhos os aromas descritos pelos enólogos nos contrarótulos ou criticos em suas colunas e blogueiros em seus posts. Para esses vai aqui meu recado, não esquentem e curtam a viagem sem preconceitos pois há vinhos que, de tão aromáticos, ficamos sem saber se os fungamos ou bebemos, já que o prazer é similar! Esse tema de aromas, no entanto, é algo bastante complexo, pois depende da capacidade e treinamento olfativo de cada um, ou seja, é algo pessoal assim como o gosto. No outro dia uma amiga decifrou o que estávamos tentando identificar no final de boca de um vinho verde rosé, Punt e Mes! Quem nunca provou jamais vai entender, mas ela acertou em cheio!!
A realidade é de que, tanto os aromas como os sabores percebidos são fruto de nossas experiências pessoais e das impressões que deixaram em nossa memória. O fruteiro vai sentir bem mais fácilmente os aromas de algumas frutas porque lida diariamente com isso, já o cara que nunca saiu do Mosel (Alemanha) dificilmente vai reconhecer aromas de jabuticaba ou carambola num vinho pelo simples fato de nunca ter visto ou cheirado uma dessas frutas na vida. Da mesma forma, ficar descrevendo num vinho aromas de alcaçuz ou caixa de charutos é uma viagem pelo imaginário para a maioria de nós pobres mortais e duvido que muitos que assim os descrevem por aqui em nossa vinosfera tupiniquim algum dia tenham cheirado um deles. Haja nariz e vivência para tanta e criativa descrição, porém, devaneios á parte, há razões para esses aromas e o Nelson Luiz Pereira, sommelier e diretor de degustação da ABS – São Paulo com quem já tive oportunidade de dividir banca degustadora, publicou ontem em seu blog “ Vinho sem Segredo” um posto muito legal a este respeito e tomei a liberdade de repicá-lo aqui para aqueles que ainda não leram. Aliás, seu blog é riquissímo e vale a pena perambular por lá até porque sua “bagagem” e experiência de mais de 25 anos assim o recomendam. Eis seu texto bem explicativo sobre os aromas e suas origens:
Muita gente acha que os aromas encontrados no vinho provêm de algo adicionado ao mesmo, antes ou depois da vinificação. Outros, ficam desapontados por não encontrarem esses aromas descritos com tanta emoção e diversidade. Não há dúvida que é um assunto bastante subjetivo e polêmico. Ao mesmo tempo, o vinho é algo para nos dar prazer, descontração e não, decepção ou tensão. De todo modo, para aqueles que tecnicamente desejam encarar a degustação de uma maneira lógica, vamos tentar elucidar o assunto.
Começando pelos varietais (vinhos elaborados com uma única uva), a literatura cataloga uma série de aromas possíveis para cada uva. Pelo menos para as mais importantes, há farta informação nos principais livros sobre vinhos. Isso não quer dizer que um determinado vinho varietal terá todos aqueles aromas descritos. Possivelmente, haverá com certeza uma parte deles. Portanto, quando alguém sério fala sobre aromas, ele deve basear-se na literatura, e não chutar aromas que não condizem com determinada uva. Por exemplo, não pode haver aroma de damasco em Cabernet Sauvignon, e sim cassis ou qualquer fruta escura do gênero. Portanto, o embasamento teórico é fator fundamental e seguro para procurarmos na prática determinados aromas, sobretudo com vinhos varietais.
Um fator complicador na busca de aromas pode ser a madeira. O vinho quando amadurece em barris de carvalho, absorve alguns aromas provenientes da barrica. Os mais comuns são a baunilha, as especiarias e os chamados toques empireumáticos (aromas relacionados ao fogo) que podem ser chocolate, caramelo ou torrefação (café).
Roda de Aromas
A roda de aromas acima nos dá uma ideia dos vários tipos de aromas encontrados nos vinhos, em grupos e subgrupos. Principalmente para os iniciantes, não é necessário estressar-se na busca específica de uma fruta como morango ou cereja. Basta saber que ela está no grupo das frutas vermelhas.
Outro fator importante a ser considerado é a evolução do vinho na garrafa, ou seja, em ambiente reduzido (ausência de oxigênio). O vinho é um organismo vivo, sujeito a constantes mudanças. De fato, à medida que o vinho envelhece, ocorre uma série de transformações aromáticas advindas de reações dos componentes do vinho: taninos, ácidos, ésteres, sais minerais, açúcares, entre outros. Deste fato, é perfeitamente normal que um vinho quando jovem, possa apresentar um aroma de fruta tropical, enquanto com o passar dos anos, esta fruta tropical possa dar lugar a aromas de frutas secas.
Outros fatores como a brotytisação (ataque do fungo Botrytis Cinerea nas uvas) provocam sensíveis mudanças na parte aromática dos vinhos. Quando um grão de uva é atacado pela Botrytis, uma série de reações é provocada na planta no intuito de combater esta invasão ou agressão. Portanto, nos chamados vinhos botrytisados prevalecem aromas típicos tais como: mel, esmalte de unha, curry, cogumelos, açúcar queimado, entre outros (favor verificar artigo anterior sobre o assunto). Nesta linha de raciocínio, temos métodos de vinificação específicos que acabam influenciando decisivamente na parte aromática do vinho. É o caso da maceração carbônica, provocando aroma de banana no Beaujolais, sobretudo no Beaujolais Nouveau. O método Champenoise empregado na espumatização dos champagnes, principalmente com contato sur lies (sobre as leveduras) prolongado, resultará em aromas de brioche, cogumelos, frutas secas e toques empireumáticos. A própria fermentação malolática, sobretudo nos vinhos brancos, conferem um aroma amanteigado. Essa fermentação nem sempre ocorre nos vinhos, ela pode ser induzida e transforma o ácido málico (mais agressivo) em ácido lático (mais brando).
Outra linha de raciocínio nos aromas dos vinhos está calcada em regiões clássicas européias, tais como: Bordeaux, Borgonha, Chianti, Ribera del Duero, Rioja, Alentejo, Douro, e tantas outras. Baseadas na noção de terroir que envolve uvas, clima, solo e homem, cada uma destas regiões geram vinhos com perfis aromáticos bem definidos, expressando toda sua tipicidade. Com isso, o aroma de tabaco nos grandes Bordeauxs, o aroma de caça nos grandes Borgonhas, o aroma de pedra de isqueiro nos grandes Pouilly-Fumé são clássicos e fartamente descritos na literatura.
Seja como for, os mais variados aromas encontrados nos vinhos são absolutamente naturais. O fato de encontrarmos um aroma de maçã num determinado vinho não significa que tenha sido colocada alguma essência de maçã no vinho. Significa sim, que por um processo natural ocorrido na vinificação e/ou amadurecimento do vinho, formou-se uma molécula aromática que quimicamente coincide com o aroma de maçã. Nada mais do que isso.
Salute, kanimambo e um ótimo fim de semana para todos.
Caro João Filipe,
Obrigado pela lembrança e por suas palavras. A admiração é recíproca.
Abraços
Caro,
Muito legal a postagem. só permita-me lembrá-lo que é “enochatice”, não “enochatisse”.
Saudações,
Leonel
oops Leonel, que coisa feia cara! Grato pelo toque e já corrigi. Abs
E nessa coisa de decifrar aromas, as mulheres são melhores que os homens…