Sacando Rolhas das Regiões Portuguesas
A pedidos de um confrade, neste mês que passou optamos por destrinchar algumas das regiões produtoras portuguesas e seus estilos de vinhos. Para efeitos didáticos duas regiões mais tradicionais (norte) com duas mais modernas (centro e sul) o que gera estilos bem diferentes. Sujeito a colher tempestades (rs), para efeitos comparativos, considerando-se estilos tão somente sem considerar as uvas envolvidas, penso que o Douro nos remete a Bordeaux e o Dão a Borgonha (ou vice versa! rs) e as regiões Lisboa e Alentejo como mais novo mundistas, de estilo mais moderno, havendo exceções obviamente porque os puristas existem em todos os lados. Nas regiões do Dão e Douro uvas somente “autóctones” onde as chamadas castas “internacionais” não têm vez e no Alentejo e Lisboa um blend de ambas. Simplista? Pode ser, mas a meu ver faz sentido e facilita a compreensão para quem tem dificuldade de entender a grande diversidade vinícola deste pequeno, porém tão rico país! (clique no mapa para ampliar) Agora, este espaço é de nossa porta voz Raquel Santos, amiga, confrade e sommelier que é a porta voz da Confraria, então vamos a seu relato:
Portugal é um pais relativamente pequeno em área, porém a enorme diversidade das suas regiões são evidentes. Quando se fala de clima, nunca podemos pensar em homogeneidade. Lá temos como referência os “micro climas”, que sofrem as influências do Atlântico, Mediterrâneo e climas continentais. O solo também é muito variado e além disso, cada região (DOC) tem suas castas autorizadas e oficialmente recomendadas.
Quando pensamos em conhecer a diversidade dos vinhos portugueses, queríamos aprender o quanto essas influências do terroir de cada região ou micro climas interferem nas características finais dos vinhos, ou seja, como podemos identificar os estilos regionais portugueses.
Começamos pela região do Dão, assim denominada em homenagem ao rio que atravessa todo o vale confinado entre as encostas da Serra do Caramulo e a Serra da Estrela. Há influências atlânticas e continentais, onde os invernos são muito frios e chuvosos (é a única região de Portugal que neva todo ano) e os verões são quentes e secos. A região é bem montanhosa onde o solo é predominantemente granito e as vinhas são espaçadas, com alguma altitude, variando entre 400/800 metros.
Somontes Colheita 2011 – Sub região Serra da Estrela.
Elaborado com as castas Touriga Nacional, Afrocheiro Preto, Jaén e Tinta Roriz. Bem aromático, frutado (frutas maduras) e elegante. Muito equilibrado, com boa acidez, que lhe dá muita vivacidade, taninos bem finos (quase imperceptíveis ), bom corpo e final longo.
Subindo mais ao norte chegamos na região do Douro. Essa foi a primeira região vinícola demarcada do mundo em 1756. Possui duas DO: Douro e Porto. A principal característica das suas plantações são os patamares de solo de xisto incrustados nas encostas inclinadas que margeiam o rio Douro. As vinhas possuem raízes muito profundas e lutam bravamente para alcançarem a água. O clima é diferente em cada sub região (cima corgo, baixo corgo e Douro superior).
Quinta do Vale da Raposa – Reserva Douro 2011 – Domingos Alves de Sousa. Elaborado com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão. A denominação “Reserva” indica amadurecimento em barrica de carvalho por 7 meses. A quinta esta localizada no sub região do Baixo Corgo que possui um clima fresco, com muita umidade do ar (influência Atlântica com alto índice pluviométrico). A primeira percepção no nariz é um floral bem intenso. Na boca mostra-se equilibrado com boa acidez, taninos presentes e bom corpo. Destacam-se notas minerais, evidenciando o solo xistoso, que contrastam com a doçura de frutas negras maduras. Um vinho intrigante.
Rumamos para a região de Lisboa. Essa região possui vinhedos tão antigos quanto o Douro, mas por razões do decorrer de sua história, não teve o mesmo desenvolvimento no que diz respeito a produção de vinhos. Se pensarmos em diversidade de estilos, essa região se destacou com os mais variados deles. A sub região de Colares, por exemplo, que fica localizada no extremo oeste do litoral, possui plantações em plena areia, que sobreviveram à filoxera (final sec. XIX), e hoje em dia ainda mantem uma mínima produção, onde as videiras lutam bravamente contra o clima hostil e acreditem, a especulação imobiliária!
Outra sub região importante, mas pouco conhecida é Carcavelos. Suas vinhas são plantadas desde o sec. XIV. Produz um vinho fortificado que sempre foi considerado o primo pobre dos mais famosos Moscatel, Madeira e Porto. Já obteve muita fama, incentivado pelo Marquês de Pombal, e exportavam sua produção para o Porto com a finalidade de “melhorar” os vinhos do Douro.
Atualmente, as sub regiões que se destacam são: Bucelas, onde a casta Arinto se desenvolve muito bem, e Alenquer. Sob influência marítima dos ventos de atlântico e solos argilosos, produzem vinhos modernos sem deixar de lado a tradição.
Quinta de Pancas – Selecção do Enólogo 2010. Elaborado com as castas Touriga Nacional(50%), Cabernet Sauvignon(30%) e Alicante Bouschet(20%). De Alenquer, mostra-se muito robusto e com boa concentração. Quando se fala em seleção do enólogo, fala-se em vinhos especiais, que refletem um estilo próprio. Nota-se um aroma mais austero, de couro, madeira e tabaco. Em boca torna-se mais jovial e vibrante, com boa acidez, taninos presentes e bem incorporados, corpo que evidencia frutas maduras. Eu diria que é um vinho de autor, que reflete toda tradição de uma maneira mais moderna.
Alentejo, a maior região de Portugal, ocupa praticamente um terço da sua área ao sul. Trata-se de uma grande planície coberta por plantações de oliveiras, sobreiros que convivem com os parreirais. Possui 8 sub regiões, com micro climas e solos que variam, mas no geral o clima é quente e seco no verão e ameno no inverno. Região de muita agricultura que se desenvolveu durante a revolução. A viticultura ficou esquecida por muito tempo. Com propriedades mais extensas do que no restante do pais, a cultura do vinho renasceu com o auxilio da tecnologia. A presença dos Romanos e cidades medievais convivem com os centros mais modernos. Vale destacar que é a única região portuguesa onde é permitida a irrigação. O uso de castas estrangeiras em cortes também é bem comum.
Herdade do Sobroso – vinho tinto 2012 – Vidigueira. Elaborado com as castas Afrocheiro Preto, Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira. Por ser uma região quente, seus vinhos tem um estilo mais caloroso, alcoólicos, potentes e encorpados. Aromas de frutas maduras com algumas notas animais. Em boca é frutado, e evolui bastante. Com tempo na taça aparecem compota de fruta e chocolate. Final longo com acidez média e taninos presentes mas suaves.
Foram 4 vinhos de regiões diferentes. Se fossemos fazer uma comparação de estilos, podemos observar que o clima frio das montanhas que circundam a região do Dão, favorecem vinhos vivazes, com boa acidez. Já no Douro, onde o calor é intenso ( eles dizem que o Douro tem três meses de inverno e nove meses de inferno!) os vinhos são exuberantes, alcoólicos. Na região de Lisboa, que recebe a influencia marítima os verões são frescos por causa dos ventos úmidos e os vinhos são mais frescos e elegantes também. E por fim, no Alentejo os verões são muito quentes e o inverno ameno, resultando em vinhos com menos acidez e muito frutados.
O tipo de clima e solo tem muita influência nos variados estilos dos vinhos, mas não devemos esquecer que o terroir é formado pelo clima, solo, a variedade da uva que se adaptou melhor a esse sítio e a mão do enólogo. É ele que decide desde o local do plantio, podas, dia de colheita e todo o processo de vinificação, maturação e por fim, quando o vinho estará pronto. Fazer um vinho é um processo longo que exige conhecimento e muito trabalho. Fazer um vinho de qualidade é uma arte. Identificar a qualidade e os estilos de cada um é sempre um desafio que nos ajuda a identificar também as nossas preferências.