Este primeiro post do ano sobre as mais diversas castas de nossa vinosfera, traz a estréia de um novo parceiro que muito me honra e que tem tudo a ver, pois daremos enfoque ás uvas autóctones durante os próximos meses. Alguns poucos o conhecem, mas a grande maioria não, então deixem-me lhes apresentar o Miguel Ângelo Vicente Almeida , jovem enólogo português formado no instituto Superior de Agronomia em Lisboa, berço de alguns dos mais conceituados enólogos portugueses, com licenciatura Agro-industrial em Enologia. Antes de chegar ao Brasil e à Miolo, andou por terras germânicas, Douro e Alentejo, tendo assumido o projeto da Fortaleza do Seival em 2008 e agora também da Almadén. É uma grande honra para mim, e acredito que para os amigos leitores, ter o amigo Miguel a escrever sobre as uvas autóctones portuguesas, começando pela mais famosa delas. apresentação feita, fico por aqui. Deixemos quem sabe das coisas, quem elabora os vinhos falar sobre esta emblemática cepa portuguesa, a Touriga Nacional.
“Tanta parra para tão pouca uva” – A Touriga Nacional
Como enólogo, sempre achei nesta frase uma consequência técnica positiva, a tão moderna e famosa concentração. Mas se falar com o agrônomo, este já é capaz de lembrar a falta de equilíbrio entre parte vegetativa e parte produtiva, mais, avisa-nos do cuidado e assistência que é preciso entregar à gestão e manejo da copada. O viticultor tem a prima e primária tendência de se sentir burlado e foi este sentimento de fraude que levou a melhor casta tinta portuguesa e provavelmente a melhor do mundo – para o ser faltou-lhe a origem gaulesa – à quase extinção. Veio depois o seu massivo ressurgimento nos rótulos dos vinhos e só agora e em resultado de investigação massal e clonal é que muito tem aparecido nas vinhas.
Em Portugal é a casta mais difundida por todo o território continental, daí o termo Nacional como complemento democrático-geográfico a esta surpreendente Touriga. Estados Unidos da América, Austrália, África do Sul, Argentina, Chile, Brasil são países que a naturalizaram porque dupla-cidadania, como um Shiraz australiano, um Malbec argentino, um Carménère chileno, um Tannat uruguaio ou o mais recente Merlot brasileiro, ainda ninguém lhe conferiu.
Com natural singeleza, elegância, potência e monstra polivalência a Touriga Nacional pode aparecer na forma de:
- – vinho espumante, como por exemplo os Murganheira Blanc de Blancs Touriga Nacional e do Luis Pato na Bairrada;
- – vinho tinto seco fino, aqui prefiro a delicadeza dos Tourigas do Dão em detrimento dos Tourigas do Douro porque são fruto de solos de origem granítica e sedimentar e de amenas temperaturas bem típicas de um qualquer verão beirão;
- – vinho licoroso, seja qual for Vinho do Porto Vintage ou Late Bottled Vintage originário dos melhores patamares de um bardo da mais antiga Região Demarcada do Mundo.
Por característica, a Touriga Nacional é uma variedade muito fértil, isto é, todas as gemas deixadas à poda brotam e brotam também muitas feminelas que adensam a copada, embora seja pouco produtiva porque é propícia ao desavinho (acidente fisiológico em que não ocorre a transformação das flores em fruto) e à bagoinha (acidente fisiológico em que no mesmo cacho aparecem, além de bagas normais, bagas de dimensões reduzidas, bagas que não são bagas). Possui, no entanto, baixa produtividade geralmente decorrente do seu elevado vigor e do seu carácter retumbante que juntos dificultam o ótimo arejamento da flor, impedindo assim o correto desenvolvimento da fecundação, resultando menos cachos. Portanto, esta é uma casta muito exigente quanto à forma de ser conduzida.
Como virtudes ela revela:
– estar bem adaptada a uma grande diversidade de solos;
– ser satisfatoriamente rústica, suportando condições médias de stress hídrico;
– ser muito resistente às doenças e pragas habituais da vinha;
– ter uma maturação intermediária, originando cachos pequenos a médios, ligeiramente compactos, de baga pequena com película espessa e cor negro-azulada.
Comportamento enológico
A Touriga Nacional é uma casta muito consistente em termos de qualidade dos vinhos originados ao longo dos anos. Os mostos apresentam um teor alcoólico médio a elevado e uma acidez total titulável média a elevada, ou seja, gerando equilíbrio. Os vinhos têm cor retinta intensa, com forte presença de tonalidades violáceas. O aroma é igualmente intenso desde os frutos pretos maduros (amoras, framboesas) às perfumadas flores (violetas, rosas), lembrando por vezes também algo mais silvestre, rosmaninho, alfazema, esteva, etc. Muito rico em substâncias fenólicas, na boca é volumoso, estruturado e persistente, possuindo um elevado potencial para envelhecimentos prolongados.
Portanto, vinificada em varietal, por si, sem carvalho, a tendência é gerar vinhos intensamente corados, frescos, bem equilibrados em álcool e ácidos, de taninos macios. A passagem por barrica aumenta a sua complexidade aromática e tende a melhor estruturá-los. Quando usada em cortes, porta-se como o nariz, o perfume do vinho.
Em suma, que raio de casta tinta é esta que produz poucos cachos, cachos pequenos, de bagas pequenas, intensamente coradas, plenas de precursores aromáticos, espessas e bem resistentes a pragas e doenças e ótimas para suaves e longos processos de maceração?! A Touriga Nacional Portuguesa é com certeza uma grande casta a nível internacional. Para findar lembro e como bom português puxo a brasa à minha sardinha: quem tiver oportunidade não deixe de ser surpreendido pelo brasileiro Sesmarias 2008! E com isto não afirmo que a Touriga Nacional é uma das seis variedades deste lindo vinho. Mas posso estar enganado!
Harmonização
Agora é a vez do amigo Álvaro Galvão (Divino Guia) dar seus pitacos sobre a harmonização dos vinhos elaborados com esta cepa muito especial que é a Touriga Nacional, que ainda espero ver adotar seu nome de direito “Touriga Portuguesa” .
Falar da Touriga Nacional no quesito harmonização é muito fácil, pois ela abrange vários pratos, cocções e paladares. A ´Touriga Nacional, uva “símbolo” de Portugal, tem uma característica multifacetada em aromas e paladar, o que contribui muito para facilitar a harmonização.
Com seu toque frutado, me vejo degustando uma lebre(coelho) ao molho, e leitão assado, as partes mais gordas. Suas especiarias me seduzem a fazê-lo com comida Indiana, que leva coco, especiarias diversas, que ao contrário do que muitos possam imaginar, é uma gastronomia leve, complexa, mas leve. Caças em geral vão bem com a Touriga Nacional, em várias cocções, tanta assadas, como cozidas em molhos, e quando falo de caça penso também em aves, apesar destas não terem tanta gordura para amaciá-las, e fazerem contraponto com o bom nível de acidez desta uva.
Quem nunca experimentou um marreco ao molho de damascos e uma taça de Touriga, não sabe o que está perdendo. Carneiro fica ótimo, mas na minha preferência a paleta e pernil ficam melhor, o lombo e carré(com o ossinho), são mais delicados. Pelo seu tradicional toque floral de violetas, me vejo em plena ousadia, degustando uma entrada fria com figos maduros, alcachofras(não aquelas curtidas em azeite ou vinagre), e Cream Chese(esta entrada eu já testemunhei).
Saladas de palmito Pupunha, com tomates cereja e especiarias, também creio que a Touriga não faria feio. Se não for para ousar, basta ler o que os tradicionais manuais que falam das harmonizações descrevem, não acham?
Os Vinhos
Bem, agora chegamos na minha praia com a difícil tarefa, de enumerar alguns bons rótulos para vocês conhecerem, ou para quem já conhece eventualmente curtir um ou outro rótulo que provei e recomendo. Tenho uma predileção muito especial por vinhos elaborados com esta cepa e existem alguns grandes vinhos no mercado. Tenho que compartilhar uma curta estórinha com os amigos; no Desafio de merlots do Mundo, tinha um português entre os cerca de 14 rótulos degustados ás cegas. Um dos vinhos da taça, encantador por sinal, dava demonstrações aromáticas que nos transportavam aos Vinhos do Porto, tendo a maior parte da banca apontado esse vinho como o português. Ao descobrir as garrafas, a enorme surpresa de ver que era o Wente Merlot Crane Ridge, da Califórnia. Aí, pesquisamos e verificamos que a cada ano esse vinho passa por um corte diferente tendo nesse ano recebido um aporte de 2% de Touriga Nacional! A conclusão tire você.
Rótulos 100% Touriga Nacional de satisfação garantida
- Quinta da Cortezia/CVR Lisboa (Casa Flora)
- Adega de Borba/Alentejo (Adega Alentejana)
- Dal Pizzol/Brasil – Vale dos Vinhedos
- Angheben/Brasil – Encruzilhada
- Quinta do Cachão/Douro – (Casa Flora)
- Raquel Mendes Pereira/Dão (Malbec do Brasil)
- Quinta dos Roques/Dão (Decanter)
- Cortes de Cima/Alentejo (Adega Alentejana)
- Só Touriga Nacional (Portuscale)
- Quinta dos Carvalhais/Dão (Zahil)
- Quinta do Crasto/Douro (Qualimpor)
- Quinta do Vallado/Douro
Saindo fora dos primeiros cinco rótulos, dê tempo aos outros néctares que só desabrocham mesmo a partir do quarto ou quinto ano devido a sua complexidade. Por sinal, a Raquel Mendes Pereira tem um Rosé de Touriga que é uma delicia. Uma pena que a produção é muito pequena e não chega ao Brasil.
Cortes com Touriga Nacional – aqui a lista seria imensa, já que a maior parte dos vinhos do Douro, do Porto e cada vez mais do restante das regiões produtoras portuguesas, têm algum porcentual desta cepa. Do Brasil, um bom exemplo de um vinho desse estilo é o Quinta do Seival Castas Portuguesas 2005, vinho que destaquei em uma de minhas listas de Melhores do de 2009, elaborado pela Miolo sob a batuta do amigo Miguel de Almeida.
Quer mais? Então sugiro que tome alguns desses bons vinhos acima e tire suas próprias conclusões. Por hoje é só.
Salute e kanimambo