Crônicas do Breno

Reflexões do Fundo do Copo – Turismo Só Para Comer

breno1Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção Categorias

 

Você que faz viagens turísticas pensando no que vai comer e beber, está esperando o quê para conhecer Bolonha? Porque Bolonha é uma cidade maravilhosa muito antes de se sentar à mesa. É formada de uma classe de italianos que parecem terem nascidos todos na Inglaterra vitoriana, pois falam baixo, são extremamente solícitos e têm causas sociais a defender. Foi em Bolonha que se criou a primeira universidade do ocidente. É em Bolonha que se anda quilômetros de calçadas cobertas por arcos, que protegem o transeunte do sol escaldante do verão, das chuvas que caem entre estações, da neve e do vento frio cortante do inverno.

arcos-de-bolonhaÉ na Emilia Romagna, província do centro da Itália cuja capital é Bolonha, que por cinco décadas houve um experimento de gestão socialista, fruto da participação da sociedade emiliana na resistência ao fascismo. A gestão parecia eterna, tão bem sucedida era – com seus meios de transporte gratuitos para trabalhadores e estudantes em hora de rush, com seus sistemas de apoio ao agronegócio, ao pequeno estabelecimento produtivo, ao estudante sem posses  exemplo para todos os administradores da coisa pública no mundo inteiro. Sucumbiu à onda direitista que assola a Bota e o resto da Europa, mas não se apaga compromissos de tantos anos em pouco tempo. O povo de lá é mais vigilante do que o de acolá.

Ao sentar-se à mesa, até o seu vinho mais famoso e medíocre – o lambrusco – mostra as suas qualidades. À mesa, Bolonha La Grassa mostra porque foi chamada assim pelos italianos de outras partes. Em pesquisa informal sobre gastronomia, os italianos foram chamados a se pronunciar sobre um concurso para eleger a melhor comida italiana. Espertamente, a pergunta básica era “fora a comida de sua terra, qual é a melhor da Itália?” Resposta da esmagadora maioria – Bolonha. São especialidades reconhecidas como bolonhesas a mortadela, tortelini, a lasanha e o molho dito à bolonhesa, o ragu. Além da mortadela, o embutido cozido mais conhecido do mundo e um dos mais consumidos, com produção anual acima dos 18 bilhões de kg*, Bolonha é a capital da província mais famosa pelos seus embutidos, a Emilia Romagna. E lá que se produz o inigualável Culatello di Zibello, a copa piacentina, o salame de felino, presente em dicionários gastronômicos desde 1905, os presuntos de Modena e Parma, símbolo gastronômico da região, a medieval salama da sugo de Ferrara e os zampone e cotechinos de Modena. http://www.emmeti.it/Cucina/Emilia_Romagna/Prodotti/Emilia_Romagna.PRO.184.it.html

É possível especular sobre esta fama de boa de mesa, quando pensamos que a fartura opulenta saiu da mesa aristocrática e esteve acessível ao cidadão comum antes de qualquer lugar, como atesta uma carta dos últimos anos do século XVII, escrita por uma inglesa de nome Anne Miller Riggs, reproduzida num artigo de Angelo Varni “Bologna La ‘grassa’: uma storia tra mito e realtà” – http://www.storiaefuturo.com/it/numero_5/articoli/1_bologna-la-grassa~69.html, em 11 de Março de 2009 e traduzido livremente por bolonhamim: O almoço de hoje começou com uma sopa branca com macarrãozinho e parmesão finamente ralado na superfície, meia cabeça de porco bolonhês, muito bem assado e temperado, superior à qualquer carne de porco que tenha comido em nosso país; uma fritura muito bem feita, uma torta à moda francesa, um fricandè em navette, uma galinha deliciosa, a melhor que jamais comi, um quarto de carneiro assado, espinafre temperado à francesa, couve flor em trufa, temperado na manteiga e no aliche, um prato de mortadela; como sobremesa, a melhor uva branca que se pode imaginar, peras, nozes de tamanho e suavidade totalmente fora de costume.

Esta mesma especulação, nos leva a uma outra constatação: o ambiente universitário precoce, reunia estudantes e professores de muitos lugares da Europa, propiciando um caldeirão criativo inédito. Ele nos dá a pista de que a fama foi construída através de séculos de fartura e variedade, construída por elementos da agricultura, dos rebanhos e do mar. Localiza a fama por conta de acontecimentos que acompanham a história da cidade desde os primeiros anos do século XI. Como capital de uma região extremamente fértil desde então, já centralizava mercadorias de todo cinturão agrícola das margens do rio Pò, responsável por vasta produção de trigo, verdura, azeite, uva, ervas medicinais, e peixe que chegava à capital por Ferrara desde o Delta do Pò. Vinham marinados em vinho como a enguia ou fresco como o esturjão, os camarões e caranguejos, como as lulas e as ostras.

Diz ainda o autor que carnes bovinas e suínas freqüentavam com surpreendente freqüência até a mesa dos menos favorecidos, para não falar da quintessência da culinária bolonhesa – os embutidos, considerados os melhores – “linguicinhas cruas ou cozidas, melhores do que qualquer outra do mundo, aguçam o apetite a toda hora” comenta um viajante francês do século XV. Há comentários por toda parte nos séculos XVI e XVII, feitos por viajantes franceses, ingleses e alemães. Portanto, maravilhas embutidas, massas excelentes, frutos do mar especiais, frutas, verduras, queijos, recebem você de braços abertos.

Evidentemente, quem vai a Bolonha não é obrigado a ficar tomando Lambrusco só porque está lá. Em Bolonha, entre dezenas de osterias e enotecas, tem uma em funcionamento desde 1465, a Osteria Del Sole, onde você é lembrado por centenas de garrafas de vinho, que a Emilia faz fronteira com algumas ilustres regiões como o Piemonte, a Toscana, a Lombardia e o Veneto, com seus Barolo, Chianti, espumantes de Franciacorta, e Amarone respectivamente, alguns dos melhores vinhos do mundo.

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Enoteca Del Sole – Bolonha

 

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Turismo e as Uvas.

brenoMais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção Categorias

Já vou avisando, se você quer trazer um presente pra mim de sua viagem à Eslovenia, Grécia, Marrocos, Alto Adige, Languedoc, Portugal, Espanha e tantos outros lugares que produzem vinhos autóctones, não me traga um vinho feito das uvas ditas internacionais porque sou capaz de reagir mal, como fiz recentemente, apesar das excelentes intenções de quem me presenteou. Ora, não é prioritário saber se os produtores destes lugares inóspitos são capazes de imitar os varietais reproduzidos ad nauseam por todos que fazem vinho. Pode até ser legal comparar um cabernet sauvignon grego com um do Chile, mas é pouco, a não ser que seja um vinho tão surpreendentemente bem feito, que concorre em qualidade com os melhores do mundo feitos com esta uva. Afinal foi assim com o Grange australiano na década de 80, não é?

A Eslovenia produz um tal de Cvicek rosado e um tinto poderoso, o Modra Frankinja que gostaria imensamente de conhecer. A Grécia teve sua fama manchada por décadas pelo quase intragável Retsina, mas está recuperando uma posição mais digna no mundo do vinho, produzindo vinhos não resinados com a variedade própria para isso, a Savatiano, mas não apenas ela e nem exclusivamente as chardonnay e chenin blanc da vida. Do Marrocos, traga-me um vinho que lembre o cuscous do Magreb, aquele vinho que já foi importante antes que o mundo norte-africano se tornasse anti-alcoólico por razões de Estado, lá pelo fim da segunda guerra mundial. Um vinho à base de Grenache Noir de Meknes, que não é exatamente autóctone, uva francesa que a Grenache (aliás, espanhola, guernacha), mas se explica pela dominação colonial exercida pela França por séculos.

Falando em Grenache, não sabe o que me trazer do sul da França? Divirta-se com algum vinho Tolosan, um Ugni Blanc de qualidade, por exemplo, algo que custe em torno de 10€ e que por aqui sai um montão de dinheiro. Ah, mas você vai pra Itália e quer trazer um grande vinho, coisa que ninguém vende por aqui. Ué, a Enotria grega tem a oferecer coisas diferentes e boas em todas as partes, apesar de muitos dos nossos connaiseurs acharem que todo vinho italiano é igual. Por exemplo, no alto nordeste tem o Teroldego, uva que muitos produtores brasileiros estão cultivando com relativo sucesso. O Langhe Nebbiolo é vinho que eu tem me dado muitas surpresas agradáveis, porque tem menos da metade do tempo de guarda dos grandes nebbiolos e está se saindo muito bem. O Grignolino tantas vezes esquecido entre os nobres do Piemonte, um Dolcetto em ascensão no mercado mundial. Isso para não sair do norte, porque o centro e o sul reservam tantas aventuras já reconhecidas e outras nem tanto. Traga-se um sangiovese da Emilia Romagna, um que me surpreenda pela qualidade e pela elegância.

Por exemplo, se quiser me fazer sorrir de alegria, traga-me um Pinero do Cà Del Bosco da Franciacorta, um vinho que inexplicavelmente não mais chegou ao Brasil pela Mistral, como costumava acontecer. Traga-me um bom Aglianico, um Montepulciano D’Abruzzo que não seja esta água com açúcar que se importa para o Brasil. Mas se você vai para a Espanha, o pedido é simples, carregue consigo um Verdejo de Rueda, um branco que compete em frescor e acidez com o melhor Sauvignon Blanc e que as importadoras não conseguem impor no Brasil.

Já para Portugal, o pedido é bem de ignorante – quero um Baga cortado com um vinho mais perfumado, pode ser até um Shiraz, visto que os nossos ex-colonizadores andam fazendo maravilhas com tal cepa. Pode ser então um achado de uma garrafa perdida do já falido Douro CRF, o vinho que me fez história, como já tive oportunidade de contar, um vinho que tomei em 1978, colhido em 1948, engarrafado em 1952. Por ela, pagaria duas vezes o que custou. Traga-me então um Alfrocheiro, um Antão Vaz, mesmo um corte do Douro, uma garrafeira do Dão. E por favor, não me traga da Argentina o melhor Malbec nem do Chile o melhor Carmenèrre. Prefiro um Pinot Noir do Vale Casablanca (EQ do Matetic, por exemplo) e um bom corte de Mendoza (San Felician, Malbec+C.Sauvignon, por exemplo, um vinho que a Catena não exporta).

Da Califórnia, aceito com prazer um Zinfandel, da África do Sul um Pinotage, por que não? Da Austrália um Shiraz/Cabernet Sauvignon, vinho de referência deste corte que juntou o oeste (Shiraz) e o leste (Cabernet Sauvignon) da França, numa junção que os franceses jamais tentaram antes. Da Nova Zelândia pode ser o que você quiser, conheço tão pouco que qualquer um dos bons vinhos serve.

Estamos conversados?

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Madeira de Lei no Vinho.

breno3Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Participei de uma degustação, com vários jornalistas de prestigio, em que a Lidio Carraro apresentava uma segunda linha de vinhos que não tem o nome Lidio Carraro no rótulo. Entre eles o Elo, um vinho 20% malbec, 80% cabernet sauvignon. Gosto, pergunto para o enólogo se um vinho equilibrado como este não estava a merecer uma versão com passagem em madeira para lhe dar mais elegância, sei lá, mais guarda. Silêncio, mal estar, cochichos. Por acaso não sabe o interrogante que a Lidio não trabalha com madeira, respondem com os olhos os indignados presentes? Fiz a pergunta, mas deveria calar e ficar a pensar com os meus botões. Estava dando tratos à bola, com as denominações espanholas na cachola, que – ao modo de tantas outras européias – vão enobrecendo o rótulo de seus vinhos conforme o tempo de guarda – de Crianza para Reserva e depois para Gran Reserva.

Uma das maiores invenções do mundo do vinho depois da uva, do carvalho e do enxerto americano é a micro-oxigenação. A uva entra com o suco e com seu levedo Saccharomyces, responsável pelo milagre da transformação do suco de uva em vinho. O carvalho vem com toda aquela pompa e circunstância de quem nasceu em berço esplêndido dos bosques bordoleses e conviveu com praticamente todos os grandes vinhos que chegaram aos nossos tempos. O enxerto viabilizou o negócio agroindustrial do vinho moderno apesar da filoxera, uma praga que dizimou os pés de videira de tudo quanto é produtor longe do Pacífico. A micro-oxigenação substitui com rapidez o processo de amaciar taninos rebeldes sem recorrer a um recipiente caro e raro como é o barril de madeira. E mais, acrescente chips de compensado de madeira com essência de carvalho e pronto, temos um vinho com os aromas e a maturidade do vinho que todos esperamos.

Neste jogo de verdade e mentira, os vinicultores andam fazendo de tudo para acelerar o momento de engarrafar seus preciosos produtos. Também pudera, em menos de cinco anos vinhos como o Brunello de Montalcino toscano passou de vendas na ordem de 800mil garrafas ao ano para 5 milhões; em menos de 10 anos a Austrália passou a utilizar o dobro de hectares para o eno-negócio! Sem falar que o vinho reconquistou espaços por décadas abandonados para o plantio da uva e descobriu milhares de hectares novos para esta prática. No Brasil do Vale do São Francisco, de São Joaquim e da Campanha. Na Itália da Puglia e da Umbria, que sempre produziram, mas não de modo tão capitalizado. Na Eslovenia, em Israel, no Líbano, na Colombia etc.

Madeira e fruta trabalhada em geléia. Este foi o objetivo do negócio novomundista do vinho nos últimos tempos, dignas exceções feitas. Agora vemos um movimento para tirar o gosto de madeira do vinho, no típico exercício pendular que rege a moda. Primeiro muito madeira, agora não. Expulsar da garrafa os taninos da madeira, é o up to date do vinho! O carvalho domina os taninos do vinho desde que os celtas começaram a misturar o líquido e a madeira de lei, algo como 1500 a.c. Certamente eles não fizeram uma pesquisa científica para ver qual era a madeira que melhor servia para substituir a ânfora no acondicionar o vinho. Pegaram a que tinham em mãos sem qualquer preocupação com o ecossistema ou a finitude dos elementos e iniciaram este casamento consagrado por todas as adegas do mundo, um processo que só agora está sendo contestado. Contestado por abuso e mau uso, evidentemente.

barrisVinhos muito ariscos como os nebiollo, sangiovese e alguns outros, que mesmo depois de cinco anos de descanso entre madeira e garrafa precisam oxigenar algumas horas, estão sendo contestados sim. O modelo, mais uma vez, é o de Bordeaux, espécie de estrela-guia para o vinho. 18 meses de barrica, guarda infinita, de preferência mais de 10 anos. Mas quando pensei em voz alta sobre a madeira para aquele bom vinho, pensei numa madeira menos vibrante, nada oxidado como os velhos espanhóis que merecem ser esquecidos nem tão cheios deste enjoado gosto duvidoso como o que se tem neste Cabernet Sauvignon reserva do Robert Mondavi, ícone do vinho do Novo Mundo.

Clos Ouvert é o nome de uma pequena produtora chilena de um francês que compra as uvas e vinifica sempre a partir de tonéis de carvalho francês com 3 usos, seguindo uma tradição de vinhos caseiros, muito antiga. Os vinhos dele são bons, à vezes melhores do que a grande maioria dos vinhos badalados do Chile e da Argentina, porque a madeira e seu sabor só se percebem lá no fundo. Acho legal, eu aceito o argumento. O nebbiolo 2002 da família Bettù que não passa por madeira é prova concreta que os caminhos que levam ao paraíso do vinho não passam obrigatoriamente pela madeira. Todo Chablis cru não passa por madeira, é ótimo e é longevo pra danar. Mas como diria Paulinho da Vila, em dia de nevoeiro é bom levar o barco devagar.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Breno direto da FENAVINHO – O salto de qualidade

breno2Breno Raigorodsky, amigo e colaborador de todos os sábnados com suas deliciosas crônicas, nos escreve direto da Fenavinho. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Nesta semana de visitas à região do Vale Vinhedo, sob o patrocínio da Ibravin e por ocasião da Fenavinho, elejo homenagear com este artigo dois sujeitos entre todos que nos acolheram e nos agradaram com seus produtos, e suas personalidades. Um lembra o outro. Idalêncio Angheben lembra Mário Geisse.

Trabalharam juntos em projetos importantes na consolidação da imagem Chandon no Brasil, o primeiro desde o começo – e por muitos e muitos anos – e o segundo ao orientar a criação do momento mais bem sucedido em termos de qualidade da empresa francesa por aqui, em torno do início dos anos 90, incluindo o lançamento do Excelence da Chandon. Pensem que ousadia foi criar um produto que atingiria o mercado com o peso de um preço ao menos duas vezes superior a tudo que ele houvera absorvido até então! O Excelence foi sucesso puro e abriu o caminho para que Garibaldi ganhasse a fama de terra dos espumantes. O Idalêncio colocou seu conhecimento a serviço da Chandon, desde o inicio do processo de implantação da gigante francesa pela América, que, como um polvo atento, estendia seus tentáculos para o Brasil, Argentina e EUA simultaneamente. Idalêncio veio de família vinhateira, mas foi dos primeiros de sua geração a se livrar do rame-rame circular das famílias de antão, que viciava a produção brasileira com álcool indevido, vindo de uvas americanas. Foi pras cabeças, não conciliou sempre que houve brechas para lutar e se locupletou com conhecimentos modernos adquiridos não apenas nas salas de aulas, mas nos campos e bodegas.

espumantes-salton1O Mario veio para cá quando já tinha dados os primeiros passos no Chile em direção às modernas técnicas que faziam da qualidade o objetivo a ser atingido e não mais – quase tão somente – a quantidade produzida. Por esta razão, a Chandon o cooptou. O chileno ficou por aqui durante alguns anos, foi-se embora para a sua terra para sempre cá voltar, seja como consultor, seja como produtor proprietário de uma das mais charmosas e melhores casas vinícolas do Brasil. Sua especialidade agora, borbulha em garrafas que saem com o nome Casa Amadeu/Cave Geisse as melhores do país (não para mim, não para você, mas para toda a torcida do Corinthians). São borbulhas que nascem neste canto do Vale do Vinhedo, onde Pinot Noir e Chardonnay – na proporção de um para três – brotam das terras que ficam na chamada Linha Amadeo, terra cujo solo rochoso, poroso e com falhas estruturais importantes, permite rápida drenagem. E, com a cumplicidade indispensável de uma amplitude térmica excelente, cria as condições de plantio que procurava.

Sem deixar seu trabalho na Casa Silva chilena, Geisse está sonhando acordado, fazendo parcerias locais para produzir o seu projeto que, não por acaso, chama-se Soño, que é de produzir ele mesmo e em terra própria o que ele mais tem como referência. Ou seja, Mario comprou e produz atualmente champanhe em Champagne, Reims, França. Mario produz carmenèrre no Chile, com marca própria. E pretende fazer muito mais, é só esperar. Em artigo recente para a revista Isto É, o leitor fica sabendo que “um de seus tintos, o Bisquertt, foi eleito em 2002 o melhor merlot do mundo pela International Wine Spirit Competition, na Inglaterra. O mesmo concurso elegeu no ano passado outro de seus “filhos”, o Los Lingues Gran Reserva 2001, o melhor carmenère do planeta”. Mas o que a revista e ninguém mais fala é sua revolucionária decisão de optar por estas caixinhas com torneira para comercializar os vinhos que produz, além dos espumantes, com o nome Casa Amadeo. São vinhos de uvas de vinhateiros da Linha de Amadeo que ele fiscaliza e vinífica criando seus Reservas, um tinto – em caixas de 5 litros – e outro rosado – em caixas de 3 litros. É um projeto que pretende diminuir custos e popularizar o vinho, que pode chegar às taças dos restaurante a menos de R$5,00 com a qualidade Geisse, produto de excelência como já demonstrou com todos os outros que faz.

Mas o Mario continua lembrando o Idalêncio Angheben, depois de tudo isso. Eles se assemelham pela quantidade de coisas que fizeram para o vinho brasileiro ganhar qualidade. Pois não bastasse Idalêncio ter seu nome ligado à história da Chandon, foi ele o principal professor formador desta geração de enólogos que começam a aparecer atrás de todas as vinhas Brasil afora. Não bastasse sua ação acadêmica, foi o técnico explorador que com seu filho Eduardo – doutor em enologia, formado pela primeira turma do Brasil, com especialização em Bordeaux – descobriu para o vinho a Campanha, particularmente a Encruzilhada da Serra, onde mantém sua plantação, muito antes de Lidio Carraro sequer pensar em plantar por lá. Foi ele também responsável pela realização do Vale do Vinhedo, dando condições para que aquela produção passasse do vinho de mesa a vinho fino entrando para uma rota de qualidade. O cara é sério. Fora do meio, seus produtos são conhecidos apenas alguns de seus vinhos de muita qualidade, como estes Gewurtzraminer e  Touriga Nacional que tive oportunidade de provar e colocá-los entre as melhores surpresas que experimentei nesta semana (veja abaixo).

Geisse e Angheben. Uma dupla que merece um olhar atento, porque quando parece que eles estão deitando em berço esplêndido, mostram que se levantam, só para surpreender. 

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  • Palmas para um produtor como o Geisse, que decide comercializar seus vinhos tinto e rosado reservas, em caixinhas de papelão, incentivando o mercado para superar a pecha de produto de carregação colados às caixinhas, que não deixam o ar entrar conforme o vinho vai saindo, uma solução ideal para vender vinho em taça em restaurantes de bom movimento.
  • Palmas para a Angheben por estes Touriga Nacional e Gewurtzraminer, ambos traduções locais, sem muitas concessões aos modelos europeus.
  • Palmas dobradas ao elegante brinde que os jornalistas receberam do Juarez Valduga: uma grappa de chardonnay embalado como se fosse perfume com spray. Ótimo para pulverizar um embutido fatiado ou uma salada ou sei lá o quê, provando que a Valduga atingiu a maturidade em comunicação.
  • Palmas para os chardonnay tranqüilos da Guerini, Salton e da Valduga. Competem com outros grandes como os da Cordilheira de Sant’Ana, do Bettù e do Villa Francione. O Valduga tem quase tanta manteiga quanto o da Villa Francione e até arrisco dizer que pode ser mais equilibrado que o prestigiado concorrente. Palmas para os espumantes em geral, o que não é mais surpresa. Surpresa neste quesito é o da Dal Pizzol, finalmente um moscatel que não exagera no açúcar.
  • Palmas para o Elo da Lidio Carraro, que usa o malbec em 20% para equilibrar o cabernet sauvignon e fazer do vinho um retorno gastronômico à vocação autóctone em Cahor da uva ícone argentina. Finalmente, nada daquela gosma enjoativa de compota de açúcar que tanto caracteriza o ataque na boca.
  • Palmas (?!) para o Series: Cabernet Franc da Salton. Palmas pela qualidade, mas pena pela descontinuidade, pois o produto saiu da linha de produção.
  • Palmas para a propriedade do Dal Pizzol. Palmas para a sua adega de vinhos de mais de 30 anos. Palmas por nos conceder uma degustação com um deles, polêmico na avaliação, agradando mais um do que outros.
  • Palmas para aqueles que procuram sua identidade porque parece ter chegado a hora de não apenas servir o que se espera, mas surpreender e educar com a qualidade.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

 

Reflexões do Fundo do Copo – Salsicha, Linguiça, Cerveja e Vinho.

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

Para aqueles que pensam em cerveja no mesmo momento que pensam em salsichas, aviso: não há nada de estranho ou fora de lugar, pensar em vinho. Entre a França e a Alemanha, naquele lugar do mundo onde a cultura gastronômica saxônica se encontra em pororoca constante com a latina, produz-se vinhos brancos de primeira, vinhos cuja genética é voltada naturalmente para a charcutaria. Vinhos brancos conhecidos na fronteira, à base das nobres Riesling e Gewurzstraminer, mas também à base de Silvaner e Pinot Gris, freqüentam os bares dos dois lados do Reno, mesmo quando estes bares levam o nome de cervejaria.

Vinhos brancos, cervejas e espumantes, fazem rodízio no preparo do prato regional mais disputado, onde o chucrute se prepara com repolho refogado com carne de porco, umas dessas bebidas e zimbro, como tempero típico.Mas não dá para esquecer o vinho tinto, mesmo nesta disputa, pois o pinot noir alsaciano, pouco divulgado, entra na dança fazendo sucesso como poucos, vinho de primeira qualidade que é.

A não ser que se fale de um tipo de específico de salsicha, ah bom: a bierwurst da Baixa Saxônia, é exemplo de salsicha que leva cerveja em seu interior. Ponto para quem pensa em cerveja! Mas o vinho tem seus contrapontos, no interior de tantas lingüiças secas, de tantas origens peninsulares. A Grande Enciclopédia Ilustrada da Gastronomia do Reader’s Digest nos conta que é comum na culinária do norte da Itália, condimentar com vinho branco a lingüiça fresca, aquele tipo que se come nos churrascos e é feita para grelhar ou fritar. Ponto para o vinho!

No fim, quem sabe, a associação que fazemos naturalmente é a do embutido cozido com cerveja e a do embutido cru, fresco ou curado, com o vinho, certo? Errado, porque as posições se misturam muitas vezes pelo caminho da confecção e do uso, até porque estamos falando de produtos que o homem (e também a mulher, por que não?) bebem e comem, antes mesmo que a palavra “comemorar” tivesse sido criada para melhor justificar a comilança!

Nesta disputa, entra as mortadelas, nada mais que embutidos cozidos, como as salsichas e salsichões, consumidas historicamente com vinho, de preferência, em Bolonha – onde a mortadela foi consagrada com Denominação de Origem Controlada – com vinho Lambrusco tinto e seco. Meio ponto para o vinho, porque nem sempre é de bom alvitre aceitar que o Lambrusco seja coisa que se tome, apesar da grande massa de admiradores que este suco de uva fermentado tem ao redor do mundo, a ponto de colocá-lo entre os maiores produtos de exportação da Itália …

Em Portugal e na Espanha, brancos, tintos e cervejas disputam mesa-a-mesa a preferência, quando se trata de acompanhar seus excelentes embutidos. Na mesa da feijoada nossa de cada sábado, dificilmente o vinho entra, mais por tradição que por “mariaje”. Pois está provado que um bom vinho verde tinto acompanha o nosso prato nacional com muita galhardia, apesar de que estas provas sempre foram feitas com a “turma dos bebedores de vinho”, com nenhum grande bebedor de cerveja à mesa. Portanto ponto para esta última.

O que não se pode dizer sobre tantas outras tradições que misturam um ou mais vegetais com embutidos de carne. Os grandes cozidos italianos, espanhóis, portugueses, franceses etc. são comumente preparados com vinho e embutidos, como é o clássico molho à bolonhesa que em uma de suas receitas mais aceitável mistura carne de lingüiça moída com carne bovina e vinho. Ponto para o vinho, mas a contrapartida vem rápida, quando lembramos de vários embutidos ingleses, verdadeiras refeições completas – às vezes com queijo, aveia e frutas, misturadas com carnes moídas – que comumente levam cerveja no preparo. E eles lá sabem cozinhar, aqueles britânicos que cozinham carneiro na água para depois temperar na mesa com os molhos que roubaram das colônias, como o ketchup e chutney indianos?

 Injustiça com ingleses feita, de ponto pra cá e ponto pra lá, pergunto por fim: e alguém ainda se interessa por coisas desse tipo, salsichas, lingüiças, salames, vinho e cerveja? Pode ser bom, diz nosso paladar, mas tem muito médico nutricionista que diz – pode ser ruim. Ponto para todos!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Literatura e o Vinho

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         “O Vinho Mais Caro da História” de Benjamim Wallace (editora Zahar)foi meu livro de cabeceira, nos últimos dias. Apesar de ser chato, ele me pegou e só larguei depois que acabei de ler suas 252 páginas mal escritas. Por que fui até o fim, eu que sou conhecido como um impiedoso larga-livros, que jamais leio até o fim coisas que não me prendem a atenção? Perguntem para o Joyce se li seu Ulisses até o fim, perguntem para o Guimarães Rosa quantas vezes tentei ler sua história sobre Diadorim até finalmente conseguir…

Pois bem, li este Benjamim Wallace porque, talvez tenha sido a fonte mais precisa do porque vinho custa o que custa… Este absurdo disparatado que concorre diretamente com os preços das relíquias mais valiosas, quando – mesmo nos mais caros e cuidadosos processos – não custa sequer 1/20 do preço que tem nas prateleiras. Descubro pelo livro, que jamais um vinho tinha superado os US$500,00 até 1970 ou próximo disso.

Descubro então, que o vinho vira moda e que torna interessante a sua entrada no mundo dos leilões, o que vai alimentar uma espiral de preços que levou, em 1985, aos tais US$150.000,00, que justificam o título do livro. Em menos de 10 anos, mais de 30.000% de valorização, números que nem os bancos brasileiros conseguem atingir em termos de lucro! Os ricaços americanos e alemães, alguns até interessados em vinho e não apenas em aparecer, principiaram um processo de degustações infindável, consumindo, como se fosse água, vinhos da era pré-filoxera, ou seja, vinhos anteriores ao fim do século XIX, já que a praga exterminou praticamente toda produção mundial de uvas ditas apropriadas para o vinho, exceção feita às vinhas do Chile.

Gente importante como Jancis Robison e Robert Parker, entraram de bocós neste processo de valorização sem medidas e sem respaldo na realidade. O livro trata das dificuldades em determinar o falso, mas deixe entender que falso mesmo não são garrafas e conteúdo, mas as motivações, pois a relação que cria com Thomas Jeferson – embaixador da novíssima república americana em solo francês – nada mais faz do que conduzir o fio da meada, que leva à prova de falsificação de uma parte importante de vinhos neste período.

O que mais incomoda é que aquela gente esbaldou-se de beber os grandes vinhos anteriores à II Grande Guerra, mas quem paga a conta, até hoje, somos nós!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Tensão das Taças

breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

A bateria é composta de seis vinhos tintos, todos servidos em ordem desconhecida, de cepas desconhecidas,de processos desconhecidos, de origem desconhecida, tendo apenas como norte, o hemisfério sul. As taças são do tipo ISO, todas numeradas, do mesmo modo que as fichas respectivas. Os vinhos foram servidos cobertos por folha de alumínio, com dosador.

A água à disposição está em jarra, servindo em média, cada quatro degustadores. O pão cortado em cubinhos está acabando. As notas devem variar de um a cinco, sendo que os primeiros quatro pontos são referentes às avaliações sensoriais dos olhos, do nariz e da boca, sendo que o último ponto é livre para o nada técnico – mas decisivo – “gosto-não-gosto” absolutamente subjetivo.

A degustação vai se encaminhando para o fim.Treze pares de olhos, voltam-se famintos para o veredicto do mestre. Ele sabe mais, ele é o grande líder de grupo, com uma longa tradição em degustações. Além disso, ele conhece as fichas técnicas, foi ele que escolheu os vinhos que participaram da bateria.

 

A jovem funcionária da enoteca sabe que depende daquela avaliação para manter o seu emprego e o prestígio dentro do grupo.

 

O senhor, especialista em turismo de aventura, disfarça a ansiedade com tiradas de bom humor.

 

A grande maioria apenas espera, depois de entregar sua ficha de avaliação.

 

O mestre dá suas notas. A jovem abre um largo sorriso, o sommelier orgulhoso vira-se para o vizinho e arrisca um “eu não disse?”.

 

A senhora, proprietária de um bufê de festa de crianças acerta todas.

 

O grande sommelier erra a metade.

 

Dois dos degustadores discutem com o mestre, justificam suas notas divergentes.

Um deles, um vendedor de uma famosa importadora, sai da sala revoltado.

A jovem funcionária despede-se de todos, mantendo ainda aceso o seu largo sorriso.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Atenção, Batata Crua Estraga o Vinho!

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

 

             Sempre é melhor um vinho bom do que um vinho ruim, principalmente quando a comida não sai do jeito que você esperava. Porque nada harmoniza com um prato mal feito, bacalhau ao forno com batatas cruas, por exemplo. Evidentemente, esta é uma referência para vinhos que se toma em casamento com a comida, que, como em quase todo casamento, alguém desequilibra, apesar de ser ele, o equilíbrio, a melhor medida. Mas ele ou ela, sempre ou quase sempre, desequilibram, tendo que um carregar um pouco mais de peso do que o outro. O ideal é servir grandes vinhos com grandes refeições, vinhos médios em refeições medianas, vinhos simples em refeições despretensiosas, mas a vida não é assim tão equilibradinha.

Imagine-se abrindo o melhor vinho que jamais teve coragem de comprar, para servir seu chefe, que vem jantar com a mulher em sua casa pela primeira vez. É a sua oportunidade para finalmente pedir um novo equipamento, uma mesa com vista para o jardim, uma sexta feira livre por mês ou até – coisa antiquada – um aumentozinho no salário! De repente o prato de resistência, o bacalhau que você fez com tomates, batata e cebola não está de todo ruim, mas a batata está dura, tão dura que parece crua! Aí não dá, não há papo que esconda o erro, não há vinho que perdoe batata dura.

 

nunca-mais

 

Copos de cristal, talheres pesados e louça de qualidade podem atenuar. Atenuaria bastante se os convidados tiverem pouco gosto culinário a ponto de confundirem o prato mal feito com alguma novidade da Nova Cozinha, com seus vegetais crocantes e carnes mal passadas, argumento que definitivamente não se presta a dois elementos, no mínimo – frango e batata.

Servir o vinho logo que as pessoas chegam ajuda também, principalmente se ele for daqueles acima do bem e do mal, o que normalmente que dizer vinho acima de US50$00. Servir logo de entrada uma tábua de queijos salgados e gordurosos como parmesão, brie, camembert é pecorino é bastante usual, pois estes laticínios têm a incrível propriedade de esconder qualquer defeito do seu vinho!

Ao contrário, quando o prato de resistência sai do jeito – um bacalhau com batatas, cebola e tomate no forno, por exemplo, servido na temperatura certa, no ponto certo do sal, no balanço correto dos elementos – o peso sai do ombro do vinho! Significa que ele pode ser mais simples, como os que o João Felipe Clemente vem insistentemente listando neste Falando de Vinhos, pode ser um dos Best buys que a Wine Spectator e a Gamberosso elencam, como o imperdível Alamos ou pode até ser um vinho em oferta, daqueles que já apagaram as velinhas dos cinco anos e, por isso mesmo, tornam-se mais difíceis de vender restaurantes e entrepostos, mas nem por isso estão fadados a ir para a panela.

Às vezes são como o Praepositus Gewurzstraminer da Abazia de Novacella 1998 que me custou quase nada e estava absolutamente perfeito, sem saber que era fruto de uma produtora fundada em 1142 no Alto Adige italiano,presente no famoso catálogo “1001 vinhos para beber antes de morrer” editado por Neil Beckett e prefaciado por Hugh Johnson! Pensando bem, um vinho daquela qualidade, salva qualquer jantar, mesmo que este seja um bacalhau ao forno com batatas duras, quase cruas!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Aprendendo A Beber Com Quem Ensina

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Se o Saul Galvão passou com Bollinger e Vega Sicília eu não fiquei muito atrás, passei com Chandon e Cabernet Sauvignon Família Bettù.  Se o Jorge Carrara passou com Catena e Achaval Ferrer, o Jorge Lucki passou com um Supertoscano e um Franciacorta, e o João Filipe Clemente passou com um Pera Manca e um Alvarinho… Que bom para eles, o que mais posso dizer?

Sei por fontes fidedignas, que a Jancis Robison pretendia passar com um Grange 1978, enquanto que o R.Parker teria escolhido um Montrachet e um Chambolle. O Michel Roland parece ter ficado num Montes Alpha e num Casa Marin branco, não souberam especificar qual deles.

A Alexandra Corvo preferiu um Cava, que melhor acompanha sua formação acadêmica, enquanto que o Aguinaldo Záquia foi de Barbaresco e Soave, a mesma escolha tinta do Marcelo Copello, que ficou no Chardonnay do Pio Cesare, em matéria de branco. O Lilla pai exibiu-se entre os gregos em público, mas com os melhores de Pomerol, na privacidade. O Jacques Troigros, dizem, quis surpreender com um Cornas e um Chateauneuf du Pape branco, mas não foi tão longe quanto o Álvaro César que decidiu por um Ernie Els do começo ao fim, brindando apenas com o Moscato espumante da Chandon. O Pagliari estava inspirado, parece ter mantido sereno a pose brasilianista, e foi de Marson Brut e Cordilheira de Sant’Ana, mostrando a todos suas paixões pelos brancos.

O Luiz Horta pegou pesado e passou a noite entre rosados da Península Hispânica.  A Carina não quis saber de misturar, começou bebericando Sauternes, transgrediu na harmonização e foi até o fim. Quanto ao Archemboim, ao Didu, ao Quartim e tantos outros, não pude recolher a tempo suas impressões, portanto fico devendo. Borbulhantes ou não, todos seguiram o rumo da história e passaram o ano de copo na mão!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

 

PS.  nenhuma das afirmações acima foram confirmada, nem mesmo as que me dizem respeito, exceção feita á do Saul Galvão que afirmou suas escolhas em entrevista para a Rádio Eldorado e que me inspirou a escrever esta crônica!”

Reflexões do Fundo do Copo – Degustando Brasileiros

breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias. Oops, mas hoje não é Sábado! Não mesmo, só corrigindo uma falha de comunicação no ultimo Sábado em que o post não foi publicado e depois, coisa boa não tem hora nem dia!!

 

Na lousa ao lado da cozinha traço um quadriculado para avaliação de 20 vinhos, 6 de até R$50,00, 8 entre R$50,00 e R$90,00, 6 de mais de R$90,00. Somos 14 degustadores, pagamos nossa experiência de vida com calvície aparente ou cabelo agrisalhado entre o sal e a pimenta do reino; todos somos bebedores de vinho desde criancinha, todos com experiências de vida internacionais, sendo que o mais bobinho passou um ano nas européias, e os menos bobinhos viveram algo como 6 anos fora daqui. Todos se mantêm em contato com o mundo, seja por atividades comerciais, seja por atividades acadêmicas ou de consultoria. Apenas 3 mulheres estão presentes nesta maratona de copos, uma falha machista, deste que convocou a reunião. Pretendemos passar algumas horas decidindo, na taça, o rumo do vinho tinto brasileiro – se ele finalmente se acomoda na sua faixa que vai do totalmente medíocre até o bonzinho ou se ele pode pretender mais e atingir a superação desta percepção generalizada.

Faço as honras da casa, mostro que – no mínimo – muita coisa acontece nos últimos anos no mundo do vinho brasileiro. Começo por dizer que até pouco tempo compartilhava da mesma sensação de que o vinho brasileiro teria vocação para ser um produto de segunda, seja por causa das chuvas de Janeiro/Fevereiro, seja porque o bom vinho brasileiro é e sempre será o espumante, seja porque o Vale do Vinhedo está interessado mesmo em produzir suco de uva e destilado… Sei lá o porquê! Digo que a percepção está mudando e estamos começando a nos entusiasmar com nosso potencial. Formadores de opinião importantes como a Jancis Robison e outros começam a falar com simpatia deles. Aponto para uma lista de prêmios internacionais que estes vinhos brasileiros têm recebido em todas as partes do mundo, diante de todos os públicos, inclusive na França, Itália e Argentina.

Nosso vinho não é mais somente advindo de novas gerações das velhas vinhas de sempre, no Vale do Vinhedo. Aliás, estas já são formadas pelos netos e bisnetos dos primeiros imigrantes, gente formada em enologia, em engenharia agrícola, muito distante da romântica imagem dos colonos do Vale, apenas trabalhadores da terra em geral, imigrantes sem cultura. Chamo a atenção para o que acontece nas bordas do Vale, para os lados de Flores da Cunha e para outros cantos inesperados, como Garibaldi, tradicionalmente ligado aos espumantes. Apresento a diversificação do vinho tinto nacional, que pulula agora nas promissoras regiões da Campanha, em Sta. Catarina e Paraná, além do surpreendente Vale do São Francisco. Diversificação que começa pela origem de capital, nada a ver com o mundo do vinho… Origem esta que se mescla entre gente da construção civil, gente do negócio da distribuição de gasolina, enólogos que investem em novas dinâmicas produtiva; diversificação nos objetivos financeiros, mas igual procura pela excelência. Digo dos simpósios sobre o negócio do vinho no Estado de Santa Catarina, com a presença de gente formada em Bordeaux. Falo dos profissionais do defeito do vinho, que fiscalizam com mais rigor as falcatruas de antão. Digo que o vinho – a partir do crescimento de mercado entre a moçada urbana – vai se tornando o principal acompanhamento dos jantares em restaurantes, como é em tantos outros países e que isso incentiva demais o espírito de competição capitalista de quem está neste negócio, apesar dos custos ainda serem altos demais. Tudo muito distante do consumidor dos produtos de garrafão, nos tempos áureos das cepas americanas Santa Isabel e Bordô, quando o Sangue de Boi reinava.

Falo para incrédulos, a grande maioria do universo da degustação, gente acostumada a beber vinho de R$50,00 a garrafa para cima. Gente que sempre quer saber o que há de novo no mundo do vinho, mas que pouco olha para o que se faz aqui. A degustação nem começa e alguém contesta o método, diz que não vai conseguir chegar nos melhores e mais caros, ficará bêbado e sem critério, não é profissional. A choradeira então se espalha, todos querem menos para terem um melhor resultado. Decido sacrificar uns tantos pelos seguintes critérios – facilidades de mercado e distribuição e preço: os menos conhecidos e mais caros ficam.

Do primeiro grupo, dentre os mais baratos, o Fabian Assemblage ganha na boca e o Cordilheira de Sant’Ana Cabernet Sauvignon, ganha no buquê. Do segundo grupo, nenhum decepciona totalmente, mas nenhum empolga, talvez pela ansiedade de atacar os grandes reservas. Aqui, vale o comentário de que os incrédulos param de resistir na medida em que sirvo o “Castas Portuguesas” do Miolo, em parte porque a novidade em ver um vinho português feito (e bem feito) no Brasil surpreende muito. Em parte também – é possível notar – os apreciadores de vinho com uvas do tipo Touriga Nacional são muitos entre nós. Mas principalmente porque o desfile de Cabernets Sauvignons varietais ou no máximo cortados com merlots medianos é um pouco tedioso e a novidade nas uvas salta, cria destaque.

Lamento não ter trazido vinhos como o Tempranillo do Lidio Carraro, o Angheben com Teróldego, o Pinot Noir do Mauricio Ribeiro de Flores da Cunha, o Marselan do Bettù, o Nebbiolo dele e de outros, diversificações na pesquisa de produção e aceitação de mercado. Lamento não ter eleito os Tanat como o da Cordilheira de Sant’Ana, uma casa que foi extremamente bem avaliada, até porque, servi, antes de começar a degustação o seu surpreendente Gewurstraminer, vinho que foi comentado por muitos até as despedidas do fim do encontro. 

No grande final estão o Top do Boscato (enquanto ele não põe o seu Anima Vitis nas ruas), o Miolo Merlot de cepas escolhidas (que impressiona até pelo porte da garrafa), o orgulhoso Argenta Merlot, os cortes da Vila Francioni – o Francesco e o Família – para finalmente chegarmos no artesanal Bordalês C.

As opiniões se dividem, mas o ambiente, as honras do casal que nos acolhe maravilhosamente deixam qualquer debate atenuado e amistoso. O pesquisador da inovação prefere os cortados e vai embora impressionado com a qualidade dos vinhos que provou, convencido que há vinhos de qualidade no Brasil e que vale influenciar os mais influentes políticos que conhece para a causa do vinho tinto. O empresário da pesquisa, divide as atenções com o jogo São Paulo X Fluminense que desclassificaria o tricolor paulista para a “Libertadores da América”, mas sai bem impressionado com as novidades. O consultor fala entusiasmado do que experimentou e promete agir para contribuir com a melhora da imagem do vinho tinto nacional. Os três chefs de cozinha presentes, discutem a cepa que haverá de se tornar o nosso emblema de mercado. O empresário-músico profissional pergunta mais detalhes sobre os da primeira turma, surpreso pela relação custo-benefício que apresentou. O responsável pela telefonia digital de uma multinacional, está um pouco pasmo, sem conseguir finalizar uma impressão de qualidade, pois até o meio da degustação – como boa parte dos presentes – não trocaria seus bons argentinos por qualquer um daqueles que haviam sido provados. O ex-diretor financeiro de um dos maiores grupos de supermercado do país – talvez o mais experiente degustador de toda da turma – lamenta a ausência da uva mais significativa entre as mundiais, no seu entender, a Syrah.

No fim, uma salva de palmas pela minha iniciativa. No fim, uma salva de palmas para o vinho tinto nacional.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR