Crônicas do Breno

Reflexões do Fundo do Copo – Causadores de Inveja

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Consta nos anais jurídicos e policiais* da cidade de Nancy, norte da França, que, em 1949, determinado empregado – responsável pelos cuidados da secreta e magnífica adega da nobre família de seus patrões, durante o período da ocupação nazista – matou a machadadas seu patrão, que insistia, desde a Libertação – 4 anos antes – servir os melhores da Borgonha e do Médoc em jantares regulares, deixando para ele e outros serviçais nunca nada mais do que garrafas vazias, jamais um pequeno gole sequer para experimentar. Compadecidos, apesar do crime ter sido flagrado e confessado, jurados e juiz imputaram-lhe pena extremamente branda, considerando que fora ele vítima de crueldade e tortura mental quase insuportável!

Todos nós queremos consumir aqueles vinhos de preços astronômicos, apesar de não termos o brilho dos reis, nem termos sido coroados presidentes desta nossa República ou até mesmo compartilharmos da amizade de gente como o Duda Mendonça ou o Maluf. Como escrevi em artigo publicado na revista Menu, nem tudo é tão duro assim na vida – O Martin Berasategui sensibilizou-se com a extrema contradição que existe entre a nossa vontade e o nosso bolso e criou o primeiro restaurante de comida contemporânea com assinatura nobre ao alcance de gente menos aquinhoada!

Por €60, um casal come maravilhosamente bem em seu MB Kursaal GastroPub em Donostia (San Sebastian), com direito a coquetel que lembra um Kir Royal e uma garrafa de um jovem vinho Rioja, muito bem escolhido (WWW.restaurantekursaal.com). Nesta linha de raciocínio, sugiro que o criador e proprietário do Chateau Ausone de St Emilion, dá uma dica meio involuntária neste fim de ano. Nem tão boa de preço, mas não deixa de haver um alento no ar.

É assim: o Chateau Ausone é o mais valorizado dos vinhos de St emilion, no nível do seu colega de rótulo, o Cheval Blanc – de acordo com a revista nº 12 – 2008/9 da WorldWine, o exemplar de 2004 custa R$8.883,00. Seu irmão imediatamente mais novo, o Chapelle Ausone, do mesmo ano 2004, custa €198 no negociante da cidade, o que faz com que ele chegue pelas importadoras a algo em torno de R$3000,00. O Moulin St George 2003, um chateau vizinho, que acaba de ser incorporado e leva agora a mesma marca do proprietário Ausone, custa € 82,77 para quem se aventurar a comprar direto da fonte! Ou seja, custa para nós algo em torno de R$1200,00 em nossas gôndolas… Nem pensar, não é?

Pois bem, estas reflexões iniciais, parecem justificar a entrevista que forjei e que se segue. A idéia nasceu quando experimentei um vinho espanhol, o Cuvée Palomar, que custa muitas vezes menos do que os tais R$1200,00 citados acima! 

-Sr. Pascal, tomando o Cuvée Palomar 2004 Abadia Retuerta me veio a idéia de perguntar ao senhor – ao criar este vinho o senhor estava com muitas saudades de casa?

-Por que a pergunta?

-Sr. Pascal, este vinho que senhor criou é um clone de um importante vinho francês, o Chateau Ausone, o melhor vinho que jamais tomei!

-Ora, como alguém pode dizer isso?

-Sim eu sei, vinho é oportunidade é situação, é surpresa. Mas é também qualidade, nuances de paladar, firmeza e delicadeza etc. e tal

-Bom, eu criei o Cuvée Palomar, numa mistura de tempranillo e cabernet sauvignon, portanto, nada a ver com um Saint Emilion.

-Sr. Pascal, com todo respeito, por acaso um Supertoscano como o Tignanello não é um bordolês, apesar da presença marcante da Sangiovese, uva que mal-e-mal saiu da Itália Central?

-(longa pausa) Sim, é verdade, que o cabernet sauvignon em corte, cria uma lembrança característica, apresenta os tons que permeiam alguns bons vinhos de guarda de Bordeaux.

-Então?

– Foi porque criei o Chateaux Ausone, que o pessoal da Novartis me contratou para fazer os vinhos da Abadia Retuerta.

-Ah bom, parece que começamos a nos entender…

– Não quis falar de pronto, mas não por vergonha, muito pelo contrário, pois meus vinhos em Saint Emilion são muito respeitados.

-O Chateau Ausone é o único que se equivale ao Cheval Blanc em toda a região! E o Chateau Belair, parece que vai pelo mesmo caminho…

– Não posso dizer, mas, diga-me, fiz tantos outros na Espanha, por que o Cuvée?

-Fale-me sobre ele…

– Ele encalha. Alguma coisa não está certo, parece até que não atende o mercado… Em vários países do mundo, ele encalha. Enquanto os da linha Abadia vendem muito bem, enquanto os Pago são aclamados em todas as degustações, enquanto o Petit Verdot e o Syrah não páram de ganhar fila de admiradores, incluindo gente como o Robert Parker… os Cuvée ficam nas prateleiras.

-Talvez porque sejam menos modernos e modernosos, o que não se espera de uma Bodega como a Abadia Retuerta, sempre tão à frente do que se faz na região. Por isso pergunto de novo, era em Bordeaux que estava pensando?

-Não posso deixar de pensar na minha origem no meu Porto Seguro, em Saint Emilion. Você tem razão, ao menos em parte, porque estou seguro da nobreza da Tempranillo e já fizemos experiências suficientes com ela para saber que se dá perfeitamente bem junto a uvas como a Cabernet Sauvignon. Angel Anocibar me fez a cabeça, mas minha cabeça continua sendo Saint Emilion. Sou criativo, mas meu limite é minha origem!

Despedimo-nos em nossa entrevista imaginária. Vou pra casa decidido a fechar os olhos e pensar que numa ocasião muito especial poderei conter a minha inveja por muito menos!.

*Si non è vero è bem trovato!!!

Reflexões do Fundo do Copo – Os Mal Amados

brenoMais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Suspeito ter uma queda pelos mal amados em geral. Gosto do peixe diabo, da passarinha – um órgão bovino meio que desprezado – gosto de jiló… Só falta agora dizer que gosto de Beaujolais!

No início do século, 7 anos atrás, Miolo e Cave de Pedra faziam Gamay que poderiam ser considerados de boa qualidade, com tipicidade no olhar e no nariz, muito agradáveis na boca. Por que será que os projetos com esta uva não se multiplicaram? Ingenuidade minha, por um momento pensei que ela seria a nossa Malbec, a nossa Tannat, o nosso ícone do futuro, nossa bandeira marqueteira no mercado internacional.

Assim como toda a torcida do Flamengo, na época, eu não apostaria um tostão na produção de grandes vinhos tintos feitos no Brasil, porque ainda pareciam eternas as dificuldades climáticas que insistiam em aguar as uvas na hora da colheita, assim como parecia eterna a baixa tecnologia empregada e o solo pouco conhecido. O todo produtivo, em suma, inibia grandes investimentos no quesito. Aqueles Gamay me fizeram esquecer as dificuldades e pensar grande, foram incentivos mais poderosos do que os Lote 43 da Miolo, o Don Laurindo Cabernet Sauvignon e os outros Valdugas feitos de uva internacional, porque desses havia uma pá de rótulos chilenos e argentinos para comparar e a produção nacional mal conseguia se equiparar a vinhos que chegavam ao mercado muito mais baratos.

Além disso, Gamay seria uma ótima alternativa para o consumo interno, para quem vive num país tropical e que resiste fortemente a migrar do consumo de outras bebidas para o vinho. Distante daquele tempo, o vinho tinto brasileiro vive um momento de afirmação internacional e está direcionado para outras cepas que não a Gamay. Parece se preocupar muito mais com aquelas mais aceitas pelo mercado, tendo como retribuição grande aceitação dos enófilos e sommeliers em todos os concursos internacionais em que participa, conquistando espaços importantes apesar de ainda conviver com forte desconfiança sobre sua capacidade. Argenta, Boscato, Cordilheira de Sant’Ana, Angheben, Villa Francioni, R.A.R. e Familia Bettù, Lydio Carraro entre outros, estão se afirmando com seus Merlot e Cabernet Sauvignon, além de uvas pouco conhecidas entre o consumidor brasileiro.  O Millèsime Cabernet Sauvignon da Aurora, o Storia da Valduga, os reservas Merlot e Cabernet Sauvignon da Casa Miolo, superam as barreiras de qualidade que pareciam intransponíveis para os tintos nacionais.

É evidente que nestes 7 anos o vinho tinto viveu uma surpreendente evolução, os capitalistas de outras áreas decidiram investir no negócio, as plantações se deram de modo muito mais objetivo, consolidando outros centros de produção vitivinícola, muito além do Vale do Vinhedo, o que não quer dizer que este não venha dando fortes sinais de vigor. Gamay ou outras uvas que podem render vinhos com as características que defendi ficaram para trás nos esforços das vinícolas, até onde vai minha limitada informação, exceção feita à Pinot Noir que continua sendo pesquisada por conta de sua presença em espumantes e que produz vinhos de qualidade como o recente e muito bem vindo Blanc de Noir da Aurora ou o quase secreto trabalho do Maurício Ribeiro, que vem sendo realizado em Flores da Cunha.

Com Gamay produz-se uma categoria de vinho extremamente gastronômico, feita para ser consumido a uma temperatura abaixo dos 16ºC. Vinhos bons e ruins, alguns dos quais excepcionais como os Borgonhas, outros de qualidade extremamente duvidosa como os Lambruscos. Sem serem excepcionais, mas longe de serem descartáveis, há uma plêiade interminável de vinhos e uvas como as Primitivo da Puglia e de Salento e seus netos californianos, Zinfandel; os Grignolinos piemonteses e os vinhos verdes tintos portugueses, inevitáveis quando se trata de comer bacalhau na terrinha; os vinhos do Loire produzidos com Cabernet Franc e que mereceram da Jancis Robison, no Atlas Mundial do Vinho que escreveu com Hugh Johnson, um comentário indignado contra o desprezo do mercado mundial com vinhos como estes, deliciosos, mas que “pecam” por serem feitos com “menos corpo e vigor”.

O Beaujolais do Bem e do Mal

gamay-grapeGamay é a cepa responsável tanto pelo Beaujolais Nouveau, quanto pelos Beaujolais genéricos, Beaujolais Village e finalmente pelos Cru Beaujolais. O primeiro é o mais conhecido e que lhe deu (má) fama internacional, e que se presta a uma bebemoração festiva global, de São Paulo e São Francisco a Tókio, no mesmo dia. É quase um “não vinho”, feito através de um processo de vinificação estrambólico, a partir de maceração semi-carbônica, onde os cachos inteiros são enfurnados em câmaras lacradas até que se dê a fermentação de parte desta uva, tendo como resultado um meio vinho, meio suco de uva, que, no fim da 2ª Guerra Mundial, fez fama e sucesso entre os sedentos soldados aliados que entraram em Lyon para libertar os franceses do jugo alemão e cair na merecida gandaia por alguns dias, ao menos. Conheceram e aprovaram a beberagem nos bistrôs da cidade libertada e fizeram seu nome internacionalmente.

Se o Vinho Fosse Coxinha

Este é o Beaujolais Nouveau, muito distante em pretensões da denominação “Cru Beaujolais”, a mais nobre da região, restrita à produção de apenas 10 comunas. Ambos são feitos das mesmas uvas, mas, se fossem coxinhas de frango em vez de um vinho, o primeiro seria aquela que você encontra ressecada no bar da esquina, feita de manhã com sobras de frango e consumida só no fim do dia; enquanto que aquele que leva o nome “Cru” é equivalente à coxinha premiada da Regina Preta, por exemplo, feita com os melhores ingredientes, frita e servida crocante e sem excessos de gordura, ainda cálida da primeira e única passagem por uma fonte de calor.

Se o Beaujolais Nouveau merece mesmo pouca consideração, os Beaujolais Village e Cru não têm escapado da ignorância deste mercado que privilegia a potência alcoólica, o ataque adocicado e o tanino da madeira; um mercado que parece ter medo da diversidade. São mal tratados pela mídia especializada, que confunde um determinado paladar com vinho mal feito. Como se, ao contrário, um vinho qualquer oriundo de uma uva nobre e reconhecida por todos como a Cabernet Sauvignon fosse – em si – um atestado de boa qualidade!

Abrir um vinho feito no Brasil, similar ao daqueles cujo rótulo vem registrado com o controle de qualidade regional Cru Beaujolais – Saint Amour, Fleury, Julienás, Chenás, Chiroubles, Morgon, Brouilly, Côtes de Broully e particularmente os Moulin a Vent –, tornou-se um desejo meu de consumo. Queria mesmo encontrar aquela boa complexidade, a presença de taninos sofisticados e até a perspectiva de envelhecimento como a que se dá com os grandes nomes citados neste parágrafo, que crescem dentro da garrafa e encontram seu ápice muitas vezes além dos dez anos! Não são geniais como os grandes da Borgonha, mas, em compensação, custam muitas vezes menos! Coloquei alguma dúvida no seu copo? Você promete dar mais uma chance para o jiló?

Reflexões do Fundo do Copo – Grande Mito, Grande Decepção!

 breno4Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

Descobri, na mesa, que meu comportamento tende a se alterar perante um mito. Atendi ao convite do amigo para jantar, levando um Haut Smith 92 debaixo do braço, meu passe para contrabalançar a presença anunciada de um La Lagune Grand Cru 96, o astro-mor da noite, Cinquième Grand Cru Classé. Todos estávamos lá para reverenciá-lo, inclusive a galinha d’Angola, escolhida a dedo para servir de contraponto sólido ao líquido, que deveria ser divino, por definição. Ele era o único sujeito da sala, nós, os provadores, modestos veículos de seus predicados. Nenhum de nós já o havíamos provado e a hora seria aquela. Eu, na humilde condição de um ser sempre meio fora de lugar (filósofo demais para ser publicitário, publicitário demais para ser militante de esquerda, militante demais para…), não quis dar vexame, principalmente porque estava cercado de acadêmicos da mesa, nobre estirpe que se forma e se desfaz desde os tempos de Robespierre.

Cumpri com perfeição e decoro todos os salamaleques rituais exigidos – cheirei a rolha, la-lagunereparei no seu leve vazamento, fiz o líquido circular pelas paredes baixas do copo de formato apropriado, medi sua coloração contra o branco da toalha, dei um gole mínimo, concentrei-me no que fazia e não abri a boca, a não ser para provar. A esta altura, servido ao lado de um Montesquieu 1999, meu réles Haut Smith já tinha sido dragado como mero cover de aquecimento e, para falar a verdade, nem o papel secundário lhe coube bem, visto que apresentou aquele vergonhoso gosto de pêlo de raposa, que determinados vinhos passam a carregar quando envelhecem mal; um bom rótulo, um cru intermediário, um vinho com pouco para mostrar… Pouco ou nada.

O que houve com o astro? Afinal não é todo dia que um Grand Cru Classé chega até nós. Seus taninos bordoleses se fizeram presentes na proporção de 55% Cabernet Sauvignon, 20% Merlot, 15% Cabernet Franc e10% Petit Verdot. Pensei comigo mesmo: são os 10% do Petit Verdot, maldita uva autóctone invejosa do sucesso que suas irmãs andam fazendo mundo afora… Não, ele deveria ser salvaguardado. Alguém merecia pagar o pato, a galinha, por exemplo. Ela decididamente não rendeu, civilizada demais para a ocasião, que exigia o seu lado mais caça, mais forte de gosto, mais selvagem. Parecia apenas uma bela e delicada ave destrinchada, impotente para contracenar com alguém de qualidades tão poderosas. Fulano preferiu defender a galinha e centrar o ataque nos queijos e nos vinhos brancos da entrada, muito saborosos demais; outros optaram por criticar nossa inépcia ao deixar faltar oxigenação necessária para que o grande e nobre francês nos desse tudo que tinha para dar. Todos foram dormir com uma sensação de frustração na boca.

Coitados de nós. Um bando de mitômanos procurando firmar às apalpadelas os velhos paradigmas, enquanto novos são criados aos borbotões pela mídia especializada norte-americana e pelos produtores do novo mundo. Sempre pretendo ser espontâneo quando manda o paladar, porque nada menos analítico, nada menos mediatizado pelo conhecimento intelectual do que o “gostei…hummm, não gostei”. O intelectual vem depois à moda do Gramsci, teorizando os predicados depois de tê-los conhecido na prática. Não sabemos mais qual é o principal objeto do desejo engarrafado. Será ainda o Romanée Conti, o Pétrus, o Lafitte. Ou é agora um australiano, um chileno, um californiano? A decadência de um mito faz isso com a gente, tira o rumo. Não liga não.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Vinho, um investimento líquido e certo

       breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Uma coisa que pouca gente sabe é que fui conselheiro para assuntos comerciais da rainha Vitória I, de acordo – ao menos – com as cartas jogadas por uma cigana. Teria sido minha a idéia revolucionária de comprar a burguesia industrial que se formava nos Países Baixos, vinte e tantas famílias responsáveis pela industria tecelã já florescente, além de tantas outras. Já nos anos de inflação sem freio em torno de 1990, tornei-me consultor informal dos meus amigos que ganhavam salários além do que podiam gastar, ajudando-os inclusive na árdua tarefa de garantir o futuro de suas adegas para as próximas gerações.

Era possível, na época recomendar investimentos nas grandes marcas, nos grandes de referência mundial. Com uma inflação galopante, o dólar era patrimônio estável e crescente, o que permitia sugerir Investimentos sem risco para grandes investidores como os grandes bordeaux (premier grand cru classée), os Tokay 5 pontos, os grandes Porto, e as champagnes mais longevas e reconhecidas. Hoje em dia, o mundo do vinho mudou. As grandes marcas, além de continuarem sua valorização constante, estão cercadas de falsificadores por todos os lados, particularmente chineses. Quem dita tendências do mercado são os compradores americanos, mais impositivos do que os respeitadores ingleses, japoneses e alemães que sempre estiveram liderando as importações da França e Itália, os principais produtores de ícones na área. Significa uma mudança de gosto, que influencia diretamente o olhar do mercado. Grandes nomes estão sendo contestados, muitas vezes. Vinhos de grande prestígio, como Vega Sicilia, Barca Velha, Barolos e Barbarescos e Brunellos saíram do primeiro grupo de preferências, talvez por não serem vinhos de restaurante… Afinal, não se abre um Barolo para tomar imediatamente, é preciso um descanso de uma hora no mínimo. Mesmo os mágicos vinhos tintos da Cote D’Or da Borgonha perdem mercado e não são tão desejados como já foram, apesar da recente alta que tiveram com o filminho “Sideways”.

Apesar disso, continuo recomendando vinhos de excelência para aqueles que querem sair da Petrobrás e investir numa adega climatizada. Não há investimentos mais seguros do que um lote de Grange australiano ou Amarone vêneto. São produtos quase tão consensuais quanto um Margaux ou Petrus, ninguém contesta, ninguém duvida da qualidade e da longevidade. Neste mesmo plano, recomendo Hermitage e Cornas, os dois maiores ícones da uva Syrah, igualmente acima do bem e do mal.

Não é bom negócio investir neste momento em Brunello di Montalcino, apesar de historicamente ser um vinho de grande prestigio, pois está sob judice DOCG, acusado de satisfazer a demanda crescente de modo não autorizado, ampliando a produção com a adição de uvas francesas em volumes não autorizados. Mas é sim, grande negócio comprar Supertoscanos, grandes vinhos do Duero, do Douro e do Priorato, mesmo sabendo que o dólar não está tão favorável, porque são investimentos sólidos de retorno garantido por mais de cinco anos.

Não recomendo os grandes americanos da histórica disputa de 1976, quando bateram – em blind test – os melhores de Bordeaux, porque estão supervalorizados, mantidos com preços astronômicos por eficiente trabalho de marketing. O Novo Mundo tem sua coleção de ícones a investir, começando pelo Opus One, Don Melchor, Almaviva e Catena Zapata, mas não me entusiasmo na recomendação, acho que fazem muito barulho por pouco, diria Shakespeare. Mas meu gosto não conta, conta o valor de mercado, não é?

Vinhos considerados ultrapassados no gosto atual, apesar de continuarem perfeitos em sua vinificação, de madeira excessiva para os padrões atuais, mas que se mantêm prestigiados com vários fãs-clubes ao redor do mundo – Barca Velha, Vega Sicilia, Barolos e mesmo Barbarescos encabeçam o grupo dos Investimentos que já foram totalmente seguros. Vão durar muito tempo, protegidos pelos taninos de carvalho, envolvidos numa aura de qualidade, mas desfavorecidos pelas tendências de mercado. Os investidores têm dúvidas quanto ao esforço de renovação que se nota em seus territórios, pois – como sempre acontece nesses casos – a mudança não é aclamada nem pelos conservadores nem pelos conjuntos dos inovadores…

Sou entusiasta dos Investimentos mais agressivos para grandes e médios investidores. São altamente recomendáveis os destaques dos vinhos do Piemonte que apesar de não serem classificados em DOC, são apostas dos produtores mais qualificados, como o Angelo Gaja, que reproduz, em parte, o movimento que culminou nos supertoscanos. O mesmo se pode afirmar para os grandes produtores de Franciacorta, não apenas restritos aos excepcionais espumantes, mas também aos tintos de uva francesa. Ainda na Italia, é possível apostar nos vinhos Farnese da Umbria, nos vinhos como o Graticciaia da Puglia e nos grandes da Sicilia como o Dona Fugatta. Os vinhos modernos de toda a Espanha estão em alta no mercado mundial; Ribera Del Duero como Abadia Retuerta e Pesus, Rioja como o 890 Rioja Alta, Priorato, Rueda, Navarra. O mesmo se pode dizer para os garrafeiras de Portugal inteira, a começar pelos tintos do Douro, com uvas autóctones de grande futuro além dos Touriga e Baga. Na Argentina, destaca-se a produção da Achaval Ferrer, no Chile a da Casa Carmen, ambos cotados para ícones nos próximos 3 anos.

Mas meus olhos brilham mais quando indico Investimentos mais agressivos para grandes, médios e pequenos investidores. Neste momento, é recomendável investir de olho no futuro muito promissor dos vinhos tintos brasileiros, que superaram os limites da chaptalização criminosa (adição de açúcar depois da vinificação concluída, para compensar o baixo teor alcoólico). Há produtores que trabalham de acordo com a mais alta tecnologia, com as melhores mudas vitiviníferas, com acompanhamento enológico que não deve nada às melhores produtoras californianas. Estão neste padrão, além das reconhecidas Miolo, Valduga, Salton e Aurora, vinícolas menores como Argenta, Boscato, Villa Francione, Lidio Carrara, Família Bettù, Cordilheira de Sant’Ana entre outras. Esta é a minha caravana. Do alto dela, observo sereno o latido desesperado dos cães pelo caminho.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Car Wash

breno1 Mais uma deliciosa crônica do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Está pronto?

– Prontinho, senhor

Saiu todo o cheiro?

– Saiu, senhor, o material antibacteriano que usamos é aprovado pela USP e copiado em toda América

– Falando em América, o senhor é americano?

– Estou no Brasil há mais de seis anos, mas o sotaque não me deixa mentir

Veio por quê?

– Briguei com meu pai, muito mandão, acha que tem o único nariz precioso do mundo

Como assim?

– Ele é degustador de vinho muito famoso, mas erra bastante e não tem coragem de admitir 

É, parece que o cheiro saiu mesmo… Por um momento, achei que ia ter que vender o carro

– Nossa, só por conta de um caldo derrubado?

É que cheiro de peixe vai impregnando, dominando o ar, conquistando todos os espaços por osmose, sabe como é?

– A propósito, senhor, desculpe a pergunta, foi o senhor que preparou?

Preparou o quê?

– O caldo derramado

Sim, fui eu

– Devia estar muito bom!

Ué, como é que o senhor pode saber?

– Não digo com toda certeza, mas a gente se acostuma com cheiros, não é? Achei muito bom fazer um caldo com dois ou três tipos de conchas, misturado com o caldo de polvo.

Como é que é? O senhor reconheceu a presença dos caldos do marisco de casca preta, do vôngole e do marisco de mangue?

– O senhor preparou com um vinho branco nada especial…E ainda completou com algum creme de leite… Era fresco ou de lata?

Não acredito que por conta do cheiro de algumas gotas de caldo derramados no porta-malas do carro, depositados no compartimento do estepe, o senhor tenha condições de identificar tudo isso! O senhor entende de qualquer cheiro?

– Acho que sim. Sou um especialista em identificar, de metabolizar perfumes e sabores.

Algo mais?

– Bom, não tenho certeza, mas acho que o senhor acabou usando uma mistura de azeite e manteiga, fritou um pouquinho com alho-porò, não foi?

Era manteiga.

Fui embora espantado, pensando em como usar o filho do Robert Parker nas minhas experiências enogastronômicas.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Trufa Branca e o Vinho

brenoNum Outubro de alguns anos atrás, escrevi que a trufa branca italiana é o investimento mais perigoso que alguém pode fazer na vida, mais perigoso do que caçar diamantes na África do Sul, mais ainda do que comercializar cocaína*. Tudo porque, a trufa branca vale em torno de €4000 o kg e se esvai em água, murchando, não apenas a aparência mas principalmente em perfume, 10% ao dia. Em cinco dias, não vale nem a diária do hotel em Alba ou em Volterra. Ou seja, quem joga na Bolsa de Valores nos dias de hoje, é muito mais conservador do que quem aposta suas fichas na trufa branca In Natura.

Diante de tal produto, valoroso e polêmico quanto o mais fino caviar, o mais delicado pistilo de açafrão, não dá medo indicar o vinho que o acompanha? Trufa branca fresca se come em lâminas com macarrão, polenta, ovo estalado na frigideira e não muito mais, pelo mesmo medo que dá ao escolher o vinho, pois um prato desses pode ser tão caro, que ai daquele molho que bancar o engraçadinho e desvirtuar a personalidade do dito cujo.

Em termos de harmonia conceitual, um elemento gastronômico desses é um perigo, adorado por uns tantos e odiado por multidões. Afirmo que não deve ser compartilhado por um vinho cinzento, sem personalidade. Mas não pode também ser daquele tipo de vinho que quer mandar no pedaço, jogar para escanteio todos os outros componentes presentes. Portanto, antes de considerar as características da trufa, noves fora, excluímos mais ou menos 80% dos vinhos do mercado; os pesados demais, que estão cheios de madeira para dar, os que estão cheios de fruta em compota para dominar, os onanísticos, que se bastam e os sem personalidade, aqueles que você não sabe nada sobre eles e jamais vai saber, porque eles são filhos de misturas solteiras e grandes produções.

O Juscelino do Piselli, no seu festival de trufas deste ano, faz o que muitos fazem – botou logo um Barolo no casamento, que é para garantir uma saraivada de expressões de admiração, no prato e na taça! A acreditar no site italiano www.vinoinrete.it , o cliente dele corre o risco de pagar um mico – aliás bem caro, por conta do preço do sólido e do líquido. Para este site, a sugestão de harmonização é clara e transparente, tem que ser um vinho que tenha buquê intenso e persistente, porém pouca estrutura, o que não é o caso.

Depois de passear por uns vinhos como um Rosso Conero, um Dolcetto delle Langhe, acaba caindo nos braços de um espumante seco da Franciacorta. Grandes vinhos tintos, estruturados e de guarda, vão bem apenas quando a trufa é acompanhada de um esconde-defeitos, como são os queijos de ralar…Os amigos Mauro Maia e Marcelo Copello, comprovaram isso, ao tentar harmonizar trufas no Supra, como relata artigo sobre o assunto, na revista Adega. 4 vinhos potentes e caros, Borgonha, Barbaresco, Rioja, e um excelente vinho andino para arrematar. Salvaram-se todos mas só na hora do queijo!

Minha ousadia cresce quando, no site http://www.nove.firenze.it,  leio o resultado de uma disputa que houve em San Giovani D’Asso, no ano de 2006, entre 7 DOCG toscanos para saber qual deles harmonizava melhor com o dito nobre tubérculo subterrâneo. Brunello de C.Banfi, Carmignano Tenuta di Capezzana, chianti Donatella Colombini, Podere Terreno, Vernaccia di San Gimignano… “A Dama Branca dá Xeque Mate na Rainha Tinta e chega ao trono da sua majestade, a trufa branca (que em italiano é tartufo – ou seja – masculino). É a Vernaccia o seu melhor acompanhamento.”

Quinze caras votaram, com certeza interessados em garantir a sempre presente supremacia dos tintos. E quem ganhou foi um branco gastronômico. E qual é a moral da história? É a mesma de sempre, siga a sua vontade, não tenha medo de errar e parta de qualquer lugar, menos daquele chamado “preconceito”.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo II – Presente Certo Na Hora Errada

              Foi na pizzaria Bráz. Que triste estar lá com o amigo aniversariante e sua mulher, mais os amigos do amigo e os amigos de sua mulher. Como fui infeliz… Levei um Chianti Clássico Giorgio I (Primo)1994, um vinho que adquiri ainda na época em que o Jorge Lucki era sócio de uma importadora, quando o Real havia emparelhado com o Dólar, num efêmero momento maravilhoso para quem gosta de vinho! Certamente uma prova de apreço e consideração pelo aniversariante e também orgulho para quem presenteia por saber escolher tão bem!

             Apesar de levar a fama de SuperToscano, o Giorgio I é um vinho que leva a tarja com o galinho preto exclusivo dos DOCG Chianti Classico*, um espécime com excelente pedigree**. Não se tratava de nenhum ilustre desconhecido, fazia parte daquele lote que a gente se entusiasma faz um esforço e divide a caixa com amigos, 3 garrafas para cada um. E uma das minhas 3, tinha me representado com muita classe em uma degustação de vinhos toscanos, cujo “pingo” era dispor de uma garrafa para participar. 20 comensais torcendo para seus 20 vinhos.

            Pois o tal Giorgio I chegou entre os melhores, concorrendo contra vinhos muito mais conhecidos no Brasil, como os chiantis das grandes importadoras, os SuperToscanos e até 3 Brunellos. O comandante em chefe daquela degustação, o Vincenzo Venitucci, proprietário do Familia Venitucci, polêmico restauraurador de consagrada competência (anos e anos com duas estrelas do Guia Quatro Rodas), um filho pródigo de Lucca, Toscana, vaticinou para que os 20 participantes bem ouvissem – Os melhores foram os chiantis, não foram? Grandes chiantis são previsíveis ano a ano… Quem sabe uma de suas principais características. Diferente dos seus irmãos de pele grossa e grossa pretensão, os instáveis Brunello di Montalcino!

           Presente dado, o presenteado não sabia da importância do vinho que acabava de ganhar, um produto 7 vezes “3 bichieri” para o Gamberorosso**. Agradeceu sem prestar muita atenção, e foi logo pedindo ao garçom que abrisse a tal garrafa que ele comemoraria lá mesmo, com aqueles 8 amigos, com aquela comida. Afinal, em sua memória tudo estava de acordo, nada melhor do que um chianti clássico numa pizzaria para comemorar! Tentei usar de toda a minha autoridade (?) de grande conhecedor (?) de vinhos, em vão, dizendo que em tese ele tinha toda a razão do mundo, mas que aqui estávamos falando de um vinho muito importante, exigente. Todos me chamaram de pretensioso, metido, enochato e outras coisas que o editor desta prestigiosa revista virtual não permite publicar. Apesar de não ter a típica e ultrapassada garrafa gorda revestida de palhinha, que por muitos e muitos anos foi marca registrada deste vinho tão aclamado pela colônia italiana ultramar, tratava-se mesmo de um chianti, vinho de cantina, vinho de pizzaria, vinho de mesa, melhor companhia líquida para a sólida macarronada da mama, aos domingos!

           O Giorgio I é um chianti, mas pouquíssimos chianti são como um Giorgio I. Balbuciei que não era vinho para ir se abrindo assim e tomando como se fosse Coca-Cola… Tarde demais. O mau resultado não se fez esperar. Fui ouvindo reclamações de todos, que de bocas cheias de pizza calabresa e mussarela, pediam para que eu fosse imediatamente destituído do cargo honorário de “Entendido em Vinhos” da turma! Envergonhado e ofendido com tanta imprecaução, mas tranqüilo – como devem permanecer os que são mártires das boas causas – mantive-me impávido colosso, bebericando quieto, não o grande vinho que trouxe, mas um outro que pedi, um vinho simples e camarada, um chianti jovem servido em taça, feito para acompanhar o pedaço de pizza quente. Ao meu lado mantive protegido o motivo desta reflexão numa outra taça, intacto, à espera do momento certo para ser devidamente apreciado, uma hora depois!

Por Breno Raigorodsky

* Não está entre os seguidores do Antinori que, com seu Tignanello abriu a porteira daqueles que querem usar o terroir toscano para fazer vinhos com uvas internacionais. O DOCG cedeu hoje em dia e até aceita 20% de uvas autóctones menos importantes ou Cabernet sauvignon e merlot, mas mantém 80% de uva Sangiovese, com um mínimo de 12,5º de álcool para o vinho reserva contra apenas 12º para o vinho jovem, com um descanso de 24 meses, dos quais ao menos 3 em madeira, com as vinhas no território delimitado entre Sangiminiano e Siena.

**um dos mais sérios certificadores de vinho da Itália, co-autor do Slowfood

 

 

 

 

 

Reflexões do Fundo do Copo – Harmonização

Este é o primeiro texto do amigo, Breno Raigorodsky, filósofo, publicitário, sommelier, juiz de vinho internacional FISAR e companheiro de degustações. A partir de hoje e todo o Sábado, caso ele não esqueça de enviar o texto a tempo, o Breno estará conosco neste projeto por decifrar e democratizar o vinho, compartilhando suas experiências conosco. A divulgação de eventos, noticias dos parceiros, etc. que normalmente apareciam neste dia, passam agora para Domingo, ok? Agora, porquê a ressalva do esquecimento? Pensem comigo; filósofo e publicitário com umas taças na cabeça ……..precisa falar mais?! Breno, bem-vindo mon ami e salute!

 

Amigos servem para nos colocar problemas. Alguns eu soube resolver, não saberia mais, como aquela amiga que me pediu, nos idos de 1967, para dançar agarradinho com ela, para que o noivo morresse de ciúmes e parasse de traí-la, o que me custou um belo olho roxo. Este tipo de problema não tento mais resolver. Mas quando me cobram uma harmonização com filet au poivre vert… faço o possível para ajudar.

Em primeiro lugar, digo steack au poivre e não filet, no máximo o rumsteack, porque francês que se preza, despreza o filé. Em segundo lugar sempre corto a pressa dos leitores de email que de tão apressados comem cru e começo dizendo que tem gente séria que acha esta história de harmonização quase uma besteira, por conta da dificuldade de dominar as ditas determinações.

Carne vai bem com tinto e vinagre? Peixe vai bem com branco e pimenta? Gordura vai bem com vinhos alcoólicos, mas você come a gordura que vem na carne? E queijo, queijo não costuma esconder os defeitos de cada vinho? Como faz com um macarrão polvilhado de parmesão fresco?

Nada diferente do vinho que acompanha os filés com pimenta preta quebrada, a mostarda e mistura de pimentas. As pimentas são sempre as mesmas, apenas num estágio diferente da “vida”, uma ainda verde, outra mais madura e a branca sem a casca. Pimenta sempre exige um vinho que não brigue com ela, principalmente os chamados vinhos de degustação do Novo Mundo, vinhos cujo sweet point é maior do que a maioria dos pontos G que se encontra por aí, uma aberração.

Não caia no conto dos marqueteiros do Malbec que insistem em dizer que esta uva produz vinhos especiais para servir com carne em geral, não é verdade. Harmonização não é apenas o prazer na mesa, é também – e talvez principalmente – o prazer depois da mesa! Vinho é saúde quando se contrapõe aos excessos de sua companhia. Um vinho muito untuoso com comida gordurosa demais? Estou fora, busco rapidamente algo que me dê prazer na mesa, mas que me facilite a digestão.

Muito melhor é seguir as determinações do sommelier bicampeão mundial, Roberto Rabachino, legítimo seguidor do decano Veronelli, que sugere a harmonização cautelosa, uma coisa de muita experimentação entre o responsável pela carta de vinho do restaurante e o chef deste mesmo local. Mas é legal apostar na harmonização escolhida pelo uso, quando você não tem nem o sommelier, nem o chef por perto para ajudar você. Digamos assim, o steack, por mais que tenha origem desconhecida, é um típico prato de bistrô parisiense, onde se consome prioritariamente com vinhos da vizinha Loire, vinhos à base da uva Cabernet Franc como o Chinon, legítimo troféu gaulês da luta de resistência contra as pretensões inglesas desde a Guerra dos 100 anos.

No caso do Steak au Poivre, tudo importa, além da carne. É carne mais ou menos salgada? Quanto de cognac para flambar? Quanto de manteiga para grelhar? É manteiga clareada? Em casa, servimos com ervilhas e batata frita…Mas é o creme de leite, que manda. Ele é capaz de brigar de frente com qualquer vinho com adstringência e madeira excessivas fazendo com que o vinho pareça estragado. Por exemplo um velho campeão como o Gran Coronas da casa Torres, que se mostrou Tempranillo demais para uma só garrafa.

Os livros da Academie de La Gastronomie Française ficam em cima do muro entre os dois grandes ícones do Hexágono, mas fica com o St Emillion ou Nuits de Saint Georges. Eu apostaria em vinhos menos importantes, vinhos com alguma juventude, um Beaujolais village, um Barbera, um Saint Amour… Um piemontês Grignolino 2006, um jovem Primitivo da Puglia, um Chinon, um rosado Tavel.

Aliás, falando em rosado, quanto maior for sua dúvida, mais caia nos braços de um belo rosado, seco, alcoólico, firme no sabor. Fuja dos preconceitos em nome do prazer.