Mais um gostoso texto da amiga confreira e sommelier Raquel Santos sobre nosso último encontro em que provamos vinhos de Bordeaux:
Quando se fala da região de Bordeaux, logo pensamos nos grandes “Châteaux” como Petrus, Margaux, Mouton Rothschild, Lafite, Cheval Blanc, etc… rótulos que só de olhar, nos fazem suspirar! Talvez pelo peso da tradição que carregam, pelo preço altíssimo que custam ou pelo mito de perfeição em forma de vinho. Sonho de consumo para poucos, mas para nós, simples apreciadores de vinho que queremos conhecer essa região, há opções mais em conta que nos permitem mergulhar na imensa produção bordalesa, que certamente irão expressar o caráter deste terroir.
Em Bordeaux, é preciso saber que seus vinhos sempre são elaborados em corte. Basicamente com as castas Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot, (para os tintos) e Sauvignon Blanc e Semillon (para os brancos). Geograficamente a região localiza-se a oeste da França, próximo ao oceano Atlântico e é cortada pelo estuário formado pelos rios Gironde, Garonne e Dordogne. Daí a origem do nome: “au bord de l’eau”(a beira da água).Seu vinhos ganham identidade própria, dependendo da sua localização em relação aos rios: margem esquerda (onde está localizada a cidade de Bordeaux ), margem direita (onde está a cidade de St. Émilion) e Entre-deux-mers (região entre os rios Garonne e Dordogne). As regiões de maior destaque da margem esquerda são: Médoc, Graves e Sauternes. Na margem direita: Blaye, Bourg, Fronsac, Pomerol, Saint-Emilion, entre outras.
Diante de tanta tradição e nobreza, é comum sentirmos uma certa intimidação em relação a essa região. O termo “vinho complexo” é aplicado muitas vezes quando degustamos um Bordeaux. É uma sutileza que se revela aos poucos, sempre com elegância. São vinhos que exigem a nossa atenção. Mesmo aqueles mais simples, que nos acompanham em momentos de descontração, uma hora ou outra vão te alertar : “Oi! Eu sou um Bordeaux!”
Pensamos então em fazer um desafio entre a “margem direita” e a “margem esquerda”, passando pela região “entre-deux-mers”.Você quer saber quem ganhou essa batalha? Claro que fomos nós!!!!
Quando falamos de Bordeaux podemos ver com clareza o que significa cultura, tradição e refinamento. Começando pelo “estilo” da garrafa alta, com ombros retos. O rótulo, quase sempre em preto e branco, com a ilustração do “Château” do produtor e informações escritas com letras em estilo clássico. Esse padrão é seguido sempre. Dos vinhos mais simples até aos mais elaborados. A classificação dos níveis de qualidade é rígida e segue uma normatização local.
Quanto `as diferenças entre a margem direita e esquerda, sabemos que a casta Cabernet Sauvignon desenvolve-se melhor no lado esquerdo e a Merlot no lado direito. Mas o estilo da “assemblage” é mais importante como identidade dos Châteaux do que as características da uva em si. A mão do homem que cria o vinho tem um peso grande nesse caso. E é claro que em Bordeaux esse “peso” não permite criações ousadas, mas sim a busca incessante pela expressão mais límpida de sua cultura, tradição e refinamento com o máximo de elegância.O privilégio de degustar vinhos dessa região, nos ensina que estão aí para nos surpreender, sejam eles quais forem. E que não devemos nos acanhar diante dos ícones.
Foram estes os rótulos degustados, pela ordem:Como de costume, iniciamos a degustação com um espumante, brindando o reencontro dos amigos.
VEUVE ELISE Brut – um vin mousseaux, tipo blanc de blanc, produzido na Le Caves de Landiras, ao sul da região de Bordeaux.
Com boa vocação para acompanhar aperitivos, mostrou-se muito fresco na boca, com pérlage fina, boa acidez e aromas delicados de frutas brancas (maçã, pera) e panificação. Um corte inusitado das castas ugni blanc com airen.
CHARTRON LA FLEUR BLANC 2011 – Sauvignon Blanc . Produzido por Schroder & Schyler, na região Entre-deux-mers.
O único branco da degustação. Agradável, muito aromático e bem estruturado. Acidez que pede comida. Ficou ótimo com um queijo gorgonzola.
BELLEVUE DE LUGAGNAC 2010 – Bourdeaux Superieur – Merlot/Cab.Sauv produzido pelo Chateau de Lugagagnac na região Entre-deux-mers.
Bem leve, para momentos descontraídos.
CHATEAU GRAVES DU BERT 2006 – Grand Cru – Merlot/Cab. Franc.produzido pela família Lavigne-Poitevin em Saint Emilion (margem direita).
Na taça, já pode-se ver uma evolução pelo alo alaranjado. Aromas “complexos”, prometendo evolução. Frutas maduras, especiarias, e taninos finos com uma sensação aveludada na boca.
L’ORANGERIE DE FERRAN 2008 – Cab. Sauv./Merlot – Prod. : Beraud Sudreau em Pessac-Leógnan (margem esquerda)
Estruturado, equilibrado, muito suave na boca. Notas de especiarias, que prometem evoluir se lhe dermos tempo.
CHATEAU PEYMORIN VILLEGEORGE 2009 Cru Bourgeois – Cab. Sauv./Merlot Prod.: Marie-Laure Lurton no Haut-Médoc (margem esquerda)
Super equilibrado, macio, com ótimo corpo. Aromas que vão evoluindo com o tempo na taça e que se confirmam na boca. Esse foi o meu preferido. Para apreciar sozinho, mas com uma carne com molho denso deve ficar ótimo!
CHATEAU DE VIAUD-LALANDE 2009 –Merlot/Cab. Sauv. – Prod.: Gabart Laval em Lalande de Pomerol (margem direita)
Disseram que 2009 foi um bom ano em Bordeaux. Aqui podemos confirmar isso! Assim como o anterior, só que os aromas eram mais frutados e deixou uma sensação mais alcoólica na boca. Acho que estava pedindo mais tempo para degustá-lo. É…….como sempre digo: os vinhos falam e as vezes dão uma bronca na gente!
Mais um agradável encontro que só mostrou que regras no vinho não existem. Que mesmo a Merlot sendo a principal uva da margem direita, foram os vinhos desta região que apresentaram maior estrutura mostrando que a mão do enólogo faz muita diferença. Salute e kanimambo