Já que ando na fase das harmonizações me lembrei desta, publicada há quase sete anos, que foi surpreendente para dizer o mínimo! Saudades daqueles encontros, daquela gente, mas os caminhos que traçamos nem sempre são os que a vida nos permite seguir! Enfim, como de lá para cá muita água, digo vinho (rs), correu por debaixo dessa ponte e muitos dos amigos ainda não eram seguidores deste escriba do vinho, achei por bem compartilhar novamente o post, kanimambo e espero que curtam. Bom fim de semana.
Sei, era para publicar hoje a matéria sobre o Desafio de Petit Verdot, porém não consegui terminar a tempo (estará aqui Quarta que vem, prometo) e, por outro lado, estava ansioso para compartilhar essa deliciosa experiência com vocês. O papo nasceu em uma degustação e surgiu da paixão da Cris Couto (pena que seu ótimo blog sejabemvinho esteja agora disponível só para assinantes da Folha!) por Barreado, um prato tradicional do litoral paranaense tornado famoso em Morretes.
Para quem não conhece Barreado, eis o que a Wikipédia tem a nos dizer sobre isso: “Sua origem é açoriana de um ritual de 300 anos ainda seguido no preparo do prato. A origem atribuída aos portugueses que vieram para o litoral do Paraná no século XVIII. Os registros antigos indicam a Ilha de Guaraqueçaba como a disseminadora da receita. O tempero do prato seguiu junto com outras manifestações culturais para o continente, entre elas o fandango, dança de tamancos ao som da rabeca. A simplicidade na preparação do prato garantiu que a receita fosse mantida com os mesmos ingredientes e características. Uma das suas características é que mesmo requentado mantém o seu sabor. Durante os dias de festa do fandango, o prato era reaquecido a cada refeição. O sabor não se perde, pois o caldo grosso que se forma é que mantém o sabor da carne.
O prato consiste em uma carne cozida, servida com arroz (nem todos) e farinha de mandioca. O segredo na preparação é o tempo de cozimento na panela de barro – cerca de vinte horas – o suficiente para desfiar toda a carne. Depois de cozida, as fibras da carne se soltam resultando em um caldo grosso e saboroso. Para manter o sabor da carne, é preciso vedar a panela com uma massa de farinha e água, um barro preparado para manter o vapor dentro da panela. Tradicionalmente o prato é acompanhado de frutas: bananas (com banana o gosto se completa) e laranjas. A cachaça de banana pode ser servida como aperitivo. Como entrada ao prato principal, pode ser servido o bolinho de barreado (bolinho frito recheado com banana amassada e a carne do barreado).” quem andar lá para os lados de Morrentes, minha dica é comer o verdadeiro Barreado, não aquele para turistas, no Restaurante Armazém Romanus, um lugar muito agradável que fica no centro da cidade na Rua Visconde do Rio Branco. já faz dois anos que por lá andei, mas acredito que deva manter a forma!
Em São Paulo, Cris recomendou o Tordesilhas, restaurante muito agradável e aconchegante capitaneado por Ivo Ribeiro e especializado em comida brasileira, para quem não conhece vale a pena colocar o lugar na lista. O Barreado, numa versão mais light (sem arroz e laranja) estava excelente, sem contar a incrível Marinada de Abobrinha Brasileira elaborada com um toque especial de pimenta de cheiro do Pará. Cada um dos convivas foi instigado a trazer consigo um vinho preferencialmente brasileiro que, a seu ver, melhor combinaria com este exótico e pouco conhecido prato. Juntos para esta deliciosa aventura, um grupo de gente há muito envolvida com nossa vinosfera e mundo gastronômico; Cris Couto, a organizadora do encontro, Jeriel da Costa / Álvaro Galvão / Beto Duarte e eu os blogueiros de plantão, Walter Tommasi (editor da revista Freetime, degustador e palestrante) Agilson Gavioli (enófilo experiente e idealizador do “Vamos à Montanha” que está em sua décima-primeira edição e segunda em Campos de Jordão) e o próprio Ivo (Restauranteur). Dizem os experts e livros, que o ideal seria acompanhar este prato com um tinto de certo volume de boca a taninos médios para encorpados, intensos nos aromas e com um toque de rusticidade, talvez algumas notas herbáceas com bom nível alcoólico e tânico para enxugar a untuosidade e suculência do prato, sendo essa diretriz que a maioria de nós seguiu, porém como há que se experimentar coisas diferentes, o Álvaro se aventurou pela linda Praia do Rosa (litoral catarinense) para nos trazer um Riesling diferenciado elaborado pela Dominio Vicari, eu achei que um Alvarinho português um pouco mais encorpado poderia dar conta do recado e o Walter não resistiu e trouxe um Albariño de Rias Baixas para desafiar meu representante luso. Vejam a lista de vinhos colocados à prova, lembrando que o que estava em jogo aqui não eram os vinhos, mas a Harmonização.
- Dominio Vicari Riesling 08 – Brasil/ Dominio Vicari
- Pazo Pondal Rias Baixas Albariño 06 – Espanha/Pazo Pondal – World Wine
- Muros de Melgaço Alvarinho 2008 – Portugal/Anselmo Mendes – Decanter
- Terranoble Reserva Pinot Noir 08 – Chile/Terranoble – Decanter
- Dadivas Pinot Noir – Brasil/Lidio Carraro
- Barbera d’Asti ” l’Orme” 06 – Itália/Michele Chiarlo – Zahil
- Pizzato Merlot Reserva 05 – Brasil/ Pizzato
- Vallontano Tannat 05 – Brasil/ Vallontano
- Álem Mar 08 – Brasil/Villagio Grando – Eivin
- Dom Laurindo Estilo 08 – Brasil/Dom Laurindo
- Lidio Carraro Merlot Grande Vindima 04 – Brasil/Lidio Carraro
Todos vinhos de boa qualidade que reagiram de forma diferenciada ao Barreado e, importante, à banana da terra. Como já disse, no entanto, não eram os vinhos o foco principal da experiência, então nos concentramos em analisar a harmonização, ou seja, o conjunto da obra dando-lhes uma nota até dez. A soma das notas dadas pela “banca degustadora” resultou na Melhor Harmonização, e na hora apuramos nossos TOP 5.
- Barreado e Muros de Melgaço 08, uma harmonização quase perfeita e a preferida entre cinco dos participantes, sendo que em dois dos casos empatado com outra harmonização. Um vinho branco de maior volume de boca e complexidade com um aporte delicado de madeira e exuberante frescor decorrente da ótima acidez que balanceava a untuosidade do prato fazendo com que, após cada gole, implorássemos (pelo menos eu) pela próxima garfada, produzindo aquele fenômeno matemático em que o resultado é muito superior à soma dos dois, mostrando-se um grande companheiro para o Barreado. Pessoalmente, adorei e fica claro que “regras”, na enogastronomia, existem para ser checadas e disputadas pois, como aprendi há muito tempo, por aqui não existem verdades absolutas! O gostoso é quebrar os famosos paradigmas e descobrir novos sabores. Média de 8,44 pontos.
- Barreado e Pinot Noir Terranoble 08, uma agradável surpresa. O vinho por si só já é muito bom, porém cresceu muito na harmonização. Bom volume de boca com taninos finos e um final especiado que se deu muito bem com o prato. Foi a preferência de dois dos degustadores, um deles empatado com o Muros de Melgaço, e entre os TOP 5 é o mais barato deles o que faz com que esta harmonização seja a “Best Value” do encontro. Média de 8,06 pontos.
- Barreado e Além Mar 08, achava que este vinho ia dar samba e deu. Amostra de barrica em garrafa ainda por ser etiquetada, deve estar no mercado dentro de alguns meses, é um vinho que vai crescer muito por si só, mas já se mostrou muito gastronômico. Muito rico, equilibrado e elegante apesar de ainda um pouco fechado, casou muito bem com o prato. Para mim a melhor opção entre os tintos e um vinho que quando chegar ao mercado deverá dar o que falar. Média de 7,94 pontos.
- Barreado e Lidio Carraro Merlot Grande Vindima 04 – com exceção da Cris que não se entusiasmou muito com esta combinação, foi uma harmonização bastante apreciada pelos demais. Equilibrado, corpo médio, taninos aveludados e um leve toque herbáceo que combinou bem com o prato. Uma parelha muito interessante. Média de 7,50 pontos.
- Barreado e Pazo Pondal 06 – uma mostra que bons alvarinhos, oops, Albariño envelhecem bem devido á exuberante acidez e, neste caso, uma boa passagem por madeira. Um ótimo vinho, páreo para o Muros de Melgaço, mas que na harmonização perdeu pontos pois a madeira apareceu demais dando-lhe um certo amargor final. Mesmo assim, o casamento com o prato foi bastante agaradável mostrando a versatilidade de harmonização desta interessante cepa. Média de 7,19 pontos.
Para o Walter, os dois brancos foram a melhor harmonização, o que demonstra claramente que esta escolha por brancos foi uma agradável surpresa, até porque o Barreado do Tordesilhas não se mostrou um prato assim tão untuoso. Um resultado geral que certamente deixará muitos amigos curiosos e interessados em conferir estes resultados. Não sei quais destes vinhos o Ivo tem em sua carta, mas se tiver interesse basta ligar para o Tordesilhas e negociar com ele. Ah, antes do Barreado, não deixe de pedir essa marinada de abobrinha, bom demais da conta sô!
Salute e kanimambo
ps. Imagem de Morretes publicada com autorização de Pertra Viagens.
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