Belos Brancos na Taça e na Frutos do Garimpo – Parte II

Como tinha prometido na Segunda, segue o segundo vinho que compôs o kit de Janeiro da Confraria Frutos do Garimpo, um branco italiano elaborado com a desconhecida uva Kerner, uma casta híbrida criada em KERNER1930 pelo cruzamento uma uva tinta e uma branca. Original de Schwaben (próximo a Munique e uma sub-região da Bavaria na Alemanha), é resultado do cruzamento das castas Riesling e Trollinger (Schiava na itália) uma uva tinta. Seu cultivo se iniciou nos anos 30 mas foi nos anos 70 que ganhou mais atenção. Foi batizada com o nome do poeta Justinius Kerner, tendo se tornado rapidamente muito popular na região chegando a ser a 3º casta mais plantada na Alemanha, tendo todavia reduzido sua participação nos últimos anos. Como a Riesling, é um vinho de boa guarda envelhecendo bem.

Abazzia di Novacella Kerner 2012 – Antes de qualquer coisa, vale dar uma fuçada no site do produtor e colocar uma visita em sua lista de Kernerdesejos > http://www.abbazianovacella.it/it/cantina-vini/cantina-vini.html ! O produtor está localizado no Alto Adige, nos alpes italianos, região em que a cultura alemã e italiana se mesclam e em que os vinhos brancos ditam o tom. Um grande achado da importadora Vínica e, no mínimo, um vinho diferenciado e marcante que, para quem ainda não fez a experiência vale conhecer, harmoniza muito bem com carnes de porco especialmente com joelho de porco e chucrute! Solo, o vinho remete ao Riesling porém com uma pegada algo mais encorpada sem perder o frescor, fruta intensa, aromático, um vinho que seduz facilmente os mais, ou menos, incautos. Vibrante, rico, longo com um final algo mineral.

Viificado tão somente em inox com um período de “afinamento” de seis meses antes de ser engarrafado e sair ao mercado. Preço sugerido pela importadora, R$118,00 a garrafa

Eis alguns comentários de terceiros:

Alexandra Corvo > a renomada sommelier, enófila e colunista de vinhos Alexandra Corvo descreveu este vinho, em artigo publicado no último dia 30 de Dezembro no caderno Comida do Jornal Folha de São Paulo, como ”Brilhante, com frutas frescas e um toque mineral, boca vivaz e frutada.”

Raquel Santos, enófila e sommelier em falando de Vinhos (Março de 2015) > “É sempre interessante comparar o mesmo vinho em contextos diferentes. Aqui neste caso estávamos buscando vinhos frescos que fossem agradáveis no verão. Já na outra degustação em que ele esteve presente, queríamos harmonizar vinhos Riesling com comida alemã (eisbein com chucrute). Ou seja, aquela comida pesada, com muita gordura, típica dos países frios. Em ambos os casos ele deu conta do recado com galhardia”

Appellation Nation (Inglaterra) > “Kerner is an aromatic white wine which has become a speciality of the region: pale straw yellow with green reflexes, apple and peach fruit on the nose with a hint of mango, ripe and full on the palate, its opulence cut by crisp acidity.” http://www.appellationnation.co.uk/abbazia-di-novacella-kerner-2014-1699-p.asp

Bem, mais dois brancos apresentados e espero que tenha a oportunidade de os provar. Cada um com seu estilo, cada um para uma ocasião, cada um para uma harmonização diferente, mostrando a diversidade dos vinhos brancos.

Saúde, kanimambo e seguimos nos encontrando por aqui e no próximo post começarei contando da viagem aos Vinhos de Altitude de Santa Catarina com um grupo de 14 abnegados e desbravadores enófilos.

Riesling e Joelho de Porco (Eisbein)

Eisbein 2Uma dupla alemã de respeito em mais um encontro da Confraria Saca Rolhas na Vino & Sapore. Já testei essa mesma harmonização e o resultado foi igual, sozinho o alsaciano se destaca porém ao chegar o prato o alemão mostra suas garras e essa foi a sensação da maioria. O Eisbein pelas mãos do chef e cozinheiro de mão cheia Ney Laux estava perfeito e o chucrute divino, porém como temos uma porta voz, deixemos a amiga e confreira Raquel Santos dar sua visão e compartilhar conosco suas emoções de mais este experimento.

Assim como todo vinho tem uma história, as parcerias que ele faz com as comidas, incluído como parte das refeições, coloca-o lado a lado na história da alimentação.

Esta experiência, com um Riesling, tão comum aos povos germânicos, pode parecer estranho para nós que temos alguns parâmetros pré estabelecidos, como aquela máxima que diz que vinhos brancos devem combinar com peixes ou comidas mais leves, ou mesmo que são vinhos para dias quentes de verão. Curiosamente, podemos constatar que toda as regiões nos arredores do Alpes, produzem principalmente vinhos elaborados com uvas brancas.

No nordeste da Itália (Trentino-Alto Adige e Friuli-Veneza Giulia) reinam Chardonnay, Pinot Grigio, Pinot Bianco, Sauvignon Blanc, Riesling e Gewürztraminer. Assim como na França (Alsacia), onde faz fronteira com a Alemanha, o Riesling do Reno disputam a maestria na elaboração desse vinho, cada um à sua moda. Além da Suíça e Áustria, com suas variedades locais, também dividem sua situação geográfica e o clima alpino.
A harmonização desses vinhos com as comidas típicas de países frios podem parecer à primeira vista algo inusitado. Quando pensamos nos queijos curados, de massa cremosa, ou nas fondues, nos salsichões e joelhos de porco (Eisbein), chucrute, carnes defumadas e condimentadas, o mais óbvio seria pensar num vinho potente, que ampare a gordura e os sabores marcantes. Pois acreditem: Esse vinho pode ser um Riesling! Neste caso a comida entra com o ataque potente e o vinho vem para apaziguar os ânimos mais exaltados. São leves, refrescantes e limpam o paladar, sem deixarem de ser marcantes.

Começamos o encontro bem dentro dos nossos propósitos:
Um espumante italiano da região de Franciacorta. Próximo à cidade de Bressia, as pés dos Alpes, esse DOCG se notabilizou por produzir os melhores espumantes do pais feito pelo método clássico, com a uva Chardonnay:
1. Lo Sparviere Brut 2007 – Gussali Beretta – 100% Chardonnay
Aromas de pão e biscoito amanteigado. Boa persistência, acidez e corpo. Perlage contínua, que se perde um pouco no final. Tinha uma lembrança de outras provas, tratar-se de um espumante com muita pérlage. Daí pode-se perceber que os vinhos não se comportam igualmente em todas as ocasiões.
Na sequencia seria servido o jantar:

Um eisbein suculento que pareceu ter sido cozido na própria gordura, que foi totalmente retirada depois. Acompanhado de batatas cozidas, chucrute e mostarda.
Para acompanhar o prato, dois vinhos:

2. Eugen Müller – Forst – Kirchenstück – 2012
Riesling alemão, da região do palatinado (Pfalz). No início os aromas são tímidos, mas vão evoluindo com o tempo na taça. Percebe-se a mineralidade do solo argiloso, com ótima acidez, corpo persistente e longo. No final, aparecem nuances cítricas e borracha. Muito elegante. Ficou muito bom com a carne que tinha sabores sutis, defumados e da gordura do cozimento.

3. Gustave Lorentz – Vin d’Alsace – Reserve Riesling – 2010
Riesling francês, da região da Alsacia de cor mais dourada, demonstrando alguma evolução. Denso e perfumado. Aromas florais frutas brancas (peras, maçãs e melão). Na boca parecia bem complexo e equilibrado. A mineralidade típica estava presente, com bom corpo e boa acidez. O envelhecimento tirou-lhe um pouco de frescor, sem comprometer, mas dando-lhe mais seriedade. Final com uma doçura que casou muito bem com o chucrute, feito com cebolas caramelizadas e bacon.

Riesling e eisbein 1

Chegou a hora de partir para a sobremesa, mas o que está se tornando tradição nesses nossos encontros novamente aconteceu! A vontade de abrir uma garrafa extra para tirarmos a “prova dos nove”. E a sugestão foi irrecusável: Que tal mais um vinho branco, italiano do Alto Adige, elaborado por uma uva desconhecida por nós? Já ouviram falar em Kerner? A vontade de conhecer foi unânime e igual a qualquer viagem, que quando passamos pertinho de algum lugar interessante, pensamos: Já que estamos aqui tão perto, não custa nada dar uma passadinha lá, não é mesmo?

4. Kerner 2012 – Stiftskellerei Neustift – Abbazia di Novacella
De vinhedos proveniente do Valle Isarco (DOCG), bem ao norte da Itália, quase na divisa com a Áustria, essa uva foi batizada com o nome do médico e poeta Justino Kerner. Plantada principalmente na Alemanha é um cruzamento da Trollinger (ou Schiava) com a Riesling e adaptou-se bem nesse clima dos Alpes. Muito aromático, como pêssegos em calda, maçãs e cítricos. Na boca é muito encorpado, cheio de frutas tropicais(manga). Sua opulência é quebrada pela acidez bem colocada. É daqueles vinhos que quase dá para mastigar! Comparando com o Riesling, o Kerner tem mais fruta, sem perder o mineral, o floral e as notas cítricas típicas da Riesling.

E para encerrar nosso jantar tivemos uma belíssima Tarte Tatin que harmonizou muito bem com mais um Riesling alemão, da região do Mosel, só que com um grau de doçura maior que os anteriores. Um Spätlese, ou seja, de colheita tardia. As uvas atingem um nível de maturação maior antes da colheita e Tartin e rieslingconsequentemente serão mais doces, e mais alcoólicos. Esse me chamou a atenção pela dosagem alcoólica baixa. Apenas 8%.

5. Grans-Fassian 2007 – Piersporter Goldtröpfchen – Spätlese Riesling
Cor âmbar dourado com aromas frutados e minerais. Na boca mostrou certa untuosidade, com bom corpo e refrescância, devido à boa acidez. Sabores cítricos e muita maçã verde. Equilibrado e elegante.

Como podemos ver, nem sempre um vinho feito com uvas brancas significa falta de estrutura para acompanhar pratos mais consistentes ou mesmo, aquela bebida que “quase” poderia substituir a água nos dias de calor. As combinações que podemos fazer entre vinhos e comidas são infinitas e nunca será uma equação matemática. Por isso eu gosto de humanizar essa minha relação com eles. Imaginem uma conversa entre duas pessoas com pontos de vista diferentes. Quando um entende a questão do outro fica mais fácil chegar a uma conciliação. Isso é harmonização!