Todo o grande momento enogastronomico tem seu “foreplay” que é o preparo do espirito e de nossas aptidões hedonísticas para algo maior que está por vir. Quanto maior for o êxtase a ser alcançado, melhor deve ser o foreplay! Pois desta feita os amigos desta confraria sem nome (ainda) chutaram o balde e mandaram ver legal tendo sido uma honra e um privilégio ter em minha casa, a Vino & Sapore, gente desta estirpe com seus néctares abençoados por Baco! Falarei deste momento em dois tempos, um agora com a preparação para o momento de maior gozo e um segundo quando me dedicarei a tentar transmitir algo da torrente de emoções que se apossaram de mim. Para começar a preparar a boca, depois de um rosé meio morto que dispensarei de apresentações, abrimos um vinho que descobri há um tempo atrás e segue sendo uma enorme surpresa quando o apresento, Tannat/Viognier da bodega Alto de la Ballena, um vinho diferenciado de uma região e bodega pouco conhecida dos seguidores de Baco tupiniquins e até algums do próprio Uruguai. A grande maioria das bodegas produz seus vinhos em Canelones, próximo a Montevideu, mas esta bodega está próximo a Punta, aliás uma região a ser olhada já que por ali perto também temos a Dominio Cassis que elabora um Tannat de primeira, o Abraxas. Neste caso o Tannat é cortado pelo Viognier que lhe aporta um perfil aromático mais floral e uma acidez muito legal enquanto também doma algo de seus taninos que aqui se apresentam muito finos e elegantes num corpo de boa estrutura. Um vinho que vale a pena conhecer e esta garrafa agradeço ao amigo Mario que me trouxe de Montevideu.
Para iniciar os trabalhos, um dos amigos nos trouxe um delicioso exemplar de Moet Chandon Brut Imperial 1995 que estava divino e se entrosou maravilhosamente bem com as caudas de lagosta gratinadas acompanhadas de um igualmente delicado risoto de limão siciliano e queijo brie! Minuto para enxugar a boca, espera aí! rs Voltei, mas continuo aguando!! Champagne safrada com idade ganha uma complexidade danada e este ainda se mostrou vibrante com uma acidez muito presente que encantou a todos e harmonizou á perfeição!
É de conhecimento geral da maioria, que 1984 não foi uma safra lá muito boa para vinhos, exceção feita à Califórnia, porém para pessoas tenho a certeza que sim, pelo menos para um que é o amigo César, um jovem aficionado por bons vinhos e bons pratos! Encontrar-lhe vinhos de 84, todavia, é trabalho árduo e não sabíamos o que esperar deste Chateau Palmer 84 que havia recém chegado ao Brasil. Tinha tudo para estar moribundo , mas…….não foi bem isso que encontramos na taça. Para acompanhar o vinho, um Filé Mignon na Mostarda e Foie Grass! Hoje está difícil escrever, espera aí que vou pegar uma toalha!! rs Voltei e agora, com a toalha, acho que não teremos mais interrupções não. Onde estávamos mesmo, ah, o vinho pseudamente moribundo e seu acompanhante da noite, o Filé. Madre de dios, que coisa!!! Primeiramente o vinho surpreendeu a todos, já que pela safra pouco prometia, porém mostrou-se ainda muito digno, um vinho de muita elegância e complexidade, com aquela classe que um vinho de fina estirpe só adquire com a idade e anos bem acomodados, lembrei-me do amigo Silvestre e sua paixão por vinhos velhos. Toques animais, alguma fruta ainda presente porém de forma muito sutil, mata molhada, algumas notas de torrefação, taninos extremamente elegantes e acidez ainda presentes formam um conjunto que, se não exuberante, demonstrou um equilíbrio bem presente num final de boca macio e algo curto que, no entanto, deixa claro que estamos diante de um digno representante de Margaux e que os bons produtores se conhecem mesmo é nestas safras adversas. Um vinho sedutor que poderia ser “só” isso caso não existisse um prato a lhe fazer companhia e aí o pato virou ganso mostrando que uma boa harmonização pode operar milagres especialmente quando a terceira e quarta partes dessa equação estão presentes; momento e pessoas certas! Como dizem os hermanos, maridaje perfeita e literalmente de lamber os beiços, momento de grande persistência que ficará na memória por muito tempo e não posso deixar de agradecer ao César por isso. A foto, tomados que estávamos pela emoção, não é aquelas coisas e não faz jus ao prato, mas não podia deixar de publicar.
Para finalizar veio para a mesa um Vega Sicilia Único 1999 e aí eu, que tinha separado uma outra garrafa surpresa para encerrarmos a noite, optei por guardar a viola no saco e sair de mansinho! Gente, há quem pense que só porque militamos nesse meio que temos acesso a tudo o que é grande vinho, ledo engano. Para alguns isso pode ser muito corriqueiro, porém para a maioria de nós isso é sempre um enorme privilégio! Mas espera aí, já falei demais por um post e minha toalha já encharcou, então deixemos esse Vega Sicilia Único para amanhã já que tenho causo para contar e o vinho merece vênia e um post só para ele! Antes de ir-me no entanto, tenho que tirar o chapéu para o mestre cuca da turma que junto com sua parceira fizeram deste encontro e degustação uma verdadeira explosão de sabores e sensações ímpares. Obrigado meu amigo Odair Marcelo, participante ativo e fomentador desta confraria, e Nega pelo verdadeiro show de cozinha que só veio comprovar minha tese de que, em qualquer atividade, só quem tem o dom consegue real destaque e que só suor, apesar de válido e essencial, não leva ninguém ao pódium! Agora precisam é montar vosso serviço de Chef in House, porque capacidade vocês têm e muita então este espaço está aberto para divulgar esse dom especial que vocês possuem.
Salute, kanimambo e amanhã tem mais um capítulo sobre essa odisseia que foi a semana retrasada. É nestas horas, não só, que me lembro do amigo Didu que sempre nos lembra que chato mesmo, com todo o respeito aos profissionais do ramo, deve ser vender parafusos! Fui.