Norton privado

Blends do Mundo na Saca Rolha

É “na” mesmo, afinal falamos de mais um agradável encontro da Confraria Saca Rolha que recém fez três aninhos de vida. Seguimos fazendo experiências e volta e meia nos esbaldamos com algumas preciosidades que este ano foram muitas. Para falar de mais este encontro, nossa porta voz, confreira e amiga Raquel Santos.

O que difere as pessoas, umas das outras? Sua personalidade? A nacionalidade? A idade? O lugar onde vivem? Sua educação ou o meio onde desenvolveram parâmetros para relacionar-se em sociedade? As perguntas são inúmeras e as respostas idem. Esse é um assunto a ser debatido (por especialistas) por horas, sem que tenhamos a resposta no final.Com os vinhos não é muito diferente! Foi pensando nisso que topamos enfrentar o desafio de uma degustação às cegas, tarefa nada fácil. Supostamente seria possível reconhecer a identidade de alguns vinhos, só pelo conhecimento de suas características peculiares, ou mesmo usando informações adquiridas em experiências anteriores, além dos nossos 5 sentidos.

Porém, não estávamos ali para nenhum concurso técnico de sommeliers e sim para mais um agradável encontro entre amigos, em que o vinho é apenas mais um convidado. Aquela “pessoa” diferente que ainda não conhecemos e como sempre, estamos curiosos em saber o que ele terá à nos dizer. Para começar, vamos ao brinde!

Blends do Mundo - EspumanteVillagio Grando Brut 2012
Sempre bom começar com um espumante, e este em especial nunca desaponta. Da região de Agua Doce em Santa Catarina (BR), foi feito com as três castas tradicionais da região de Champagne (Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier). Muito fresco, com aromas cítricos e florais. Na boca, percebe-se a pérlage fina, intensa, e sabores predominantes de maçãs.

Já em clima de festa, nossas garrafas devidamente cobertas, estava na hora de começar a brincadeira. Prêmios desafiadores foram propostos à quem acertasse pelo menos o país de origem dos vinhos! Ou então as uvas. Sabíamos apenas que em todos eles, duas castas estavam sempre presentes. No decorrer da apresentação, onde cada vinho degustado deixava claro que a possibilidade de reconhecer e afirmar alguma evidência seria praticamente impossível, seguimos apenas apreciando cada um, dentro de sua individualidade. A essa altura, já nos foi revelado que as uvas presentes em todos eles eram a Merlot e a Cabernet Sauvignon. O que não facilitou em nada, pois tratando-se de blends, as características mais fortes de um vinho ficam dissipadas, como nas pessoas, na miscigenação de etnias.

Foram 7 vinhos, 6 países diferentes. Ninguém acertou nada, além de uma pista ali, outra aqui. Mas o nosso encontro com cada um deles, foi uma experiência muito agradável tendo a sequência sido esta:

Blends do Mundo Clipboard (Falando de Vinhos)

Señorio de Sarria – Reserva 2005
De Navarra (ESP) , esse blend trocou a convencional Tempranillo pela Cabernet Sauvignon e Merlot. Aromas frutados (cerejas maduras) com madeira e couro, já dando pista do seu afinamento em barril. Na boca aparecem muitas especiarias (canela, alcaçuz, erva doce), com bom corpo, taninos macios e boa acidez. Bem equilibrado, com estrutura e notas amadeiradas presentes e bem integradas
Colinas Tinto 2007
Da região da Bairrada (PO), produzido pela Sociedade Agrícola Colinas de São Lourenço, onde as tintas principais são a Baga e a Touriga Nacional. Neste caso, combinaram a Touriga Nacional com Cabernet Sauvignon e Merlot. Nariz potente, mostrando aromas animais e frutas maduras. Na boca repete essa mesma percepção, com bom corpo, muita fruta, especiarias e ervas aromáticas, um mineral ferroso, e final longo.

Aliotto 2011
Em função das uvas usadas, poderia-se dizer tratar de um super toscano já que a Sangiovese local encontra-se aqui com as Cabernet Sauvignon e Merlot. Aromas frutados e sutis que evoluem para florais e vegetais. Bem encorpado, acidez típica dos vinhos italianos que nos fazem salivar.

Norton Privado 2007
Esse vinho já nos foi apresentado em outras degustações, também às cegas. (Confraria Saca Rolhas – 01/07/2013-Blends : Desafio às cegas-Argentina x Chile). Aqui podemos observar que o terroir mendocino (ARG) fica bem evidente. É um vinho opulento, com muita fruta madura, encorpado, com final longo e adocicado. Dá-lhe Malbec! Muito bem integrado com a Cabernet Sauvignon e Merlot.

Capaia 2009
Esse corte da Africa do Sul, é resultado da junção de cinco uvas diferentes (51% Merlot, 35% Cabernet Sauvignon, 10% Cabernet Franc, 3% Petit Verdot e 1% Shiraz). O resultado dessa alquimia resultou num vinho elegante, muito aromático e carnudo na boca. Taninos macios, bom equilíbrio entre a acidez e corpo com madeira muito bem colocada.

Chateau Peyremorin de Villegeorge 2010
Não poderia ficar de fora desta degustação um corte bordalê. Em Bordeaux (FRA), as castas principais são justamente a Cabernet Sauvignon e a Merlot tendo a Cabernet Franc como coadjuvante. Neste caso, temos um Haut Médoc, localizado na margem esquerda onde há o predomínio da Cabernet, com cerca de 80% de Cabernet Sauvignon e o restante de Merlot. Seco na boca, super equilibrado, com taninos macios e ótimo corpo. Evolui muito na taça com elegância e personalidade.

Señorio de Sarria – Reserva Especial 2004
Do mesmo produtor, região e uvas do 1º vinho degustado, Navarra, subimos um degrau na qualidade. Mais estruturado, sente-se a “crianza” em madeira que lhe aporta aromas florais e especiarias muito delicados. Em seguida vai mostrando aos poucos um grande leque de aromas e sabores, como cacau, baunilha, e um leve toque mineral que traz um frescor interessante. Um vinho para apreciar com calma e tempo.

Como havia dito anteriormente, nosso encontro com esses “seres” às cegas foi muito mais que agradável. Nós que temos sede de conhecer coisas novas e nos surpreender com elas, pudemos constatar que no mundo dos homens jamais conseguiremos saber de tudo. As infinitas possibilidades, combinações e arranjos entre elementos já conhecidos, não garante que saibamos o que resultará delas. Assim como nunca podemos prever como será um bebê que irá nascer, apenas conhecendo a família, seus pais, etc…..
Como diria Riobaldo, em Grande Sertão Veredas, de J. Guimarães Rosa: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

Blends: Desafio às Cegas – Argentina x Chile

               Mais um muito saboroso e agradável encontro da Confraria Saca Rolha reunida na Vino & Sapore. Não falei no post anterior que participo de diversas! Nossa porta-voz é a confreira e sommelier Raquel Santos que reproduz aqui sua visão dessas experiências que vivemos com bastante intensidade e alegria em nossos encontros mensais. Pois bem, embarquemos nos relatos dela, que já tem seus seguidores aqui no blog, e ao final dou meu pitaco.

Quando se fala em vinhos de corte (blends ou assemblage), há que se comparar com os varietais. Durante séculos, na produção de vinhos, poucas pessoas sabiam quais variedades de uvas existiam na bebida que consumida. Os principais produtores do velho mundo utilizavam as uvas que melhor se adaptavam à terra, misturando-as, como numa fórmula mágica e secreta, com a intenção de extrair o melhor resultado final possível. A melhor expressão da terra, clima e certamente a mão do homem, na produção de um vinho, chamou-se de “terroir”.

            Nessa época, ao se referir a algum vinho, falava-se em Bordeaux, Bourgogne, Barolo, Barbaresco, Rioja, Douro, etc. Era mais importante constar no rótulo a D.O.C. – denominação de origem controlada, junto com o nome do produtor, do que as castas utilizadas. Isso já estava implícito pela procedência e podiam variar de acordo com o clima daquele ano. Quando começou a produção de vinhos, no que chamamos hoje de “novo mundo”, optou-se por identificá-los pela variedade da uva como um fator de qualidade, já que eram mudas importadas das tradicionais e nobres castas europeias. Nós, consumidores, passamos a nos identificar com os estilos de cada uva, que por sua vez, definiria o estilo do vinho.

            No encontro da confraria de Julho, pensamos em confrontar duas regiões produtoras, muito bem conhecidos por nós : A Argentina, que se destacou principalmente pela Malbec, e o Chile, pela Carmenére. Só que, nesse desafio, optamos por vinhos de corte (blends), onde essas uvas aparecem associadas a outras. A ideia aí foi que mesmo com presença de outras castas, o resultado final não deixasse de evidenciar as características e o estilo dos vinhos dessas regiões.  

            Uma degustação às cegas, é sempre divertida, e fazia parte da brincadeira descobrir, dos vinhos degustados, quais eram argentinos e quais eram  chilenos. Para facilitar, foram servidos em pares (1 argentino e 1 chileno) por faixas de preços: (clique na imagem para aumentar)

Blends - Argentina - Chile

             1A. Estampa Gold 2009.

Muita fruta, madeira e especiarias(alcaçuz/cânfora…).Toque mineral, meio salgado que fazia contraponto com uma doçura alcoólica. Bem encorpado, boa acidez, com notas de tomate e pimentão.

Chile – Carmenére/Cabernet Sauvignon/Cabernet Franc/Petit Verdot.

            1B. Finca Agostino Família Gran Reserva 2008.

Suave no nariz, frutas maduras, ervas, eucalipto. Taninos suaves, mas presentes. Toque de menta, mate e amêndoas.

Argentina – Malbec/Petit Verdot/Cabernet Sauvignon/Syrah.

             2A. Aluvion Gran Reserva 2008.

Ataque floral no nariz(lavanda/violeta…), cânfora, noz moscada. Bem equilibrado, complexo e  bom corpo.

Chile – Syrah/Cabernet Sauvignon.

            2B. Norton Privado 2007.

Herbáceo com um leve mentolado. Muito potente em boca (acidez/taninos/álcool). Persistência longa, sobrando doçura. Pede comida.

Argentina – Malbec/Merlot/Cabernet Sauvignon.

             3A. Bressia Profundo 2007.

Muito suave no nariz. Com o tempo foi-se abrindo, demonstrando uma enorme gama de aromas: florais, vegetais, defumados, etc… Muito equilibrado na boca. Macio, encorpado e longo. Boa acidez o que denota um bom acompanhante gastronômico. Esse vinho levantou muitas ideias de harmonização!

Argentina – Malbec/Cabernet Sauvignon/Merlot/Syrah.

             3B. Caballo Loco Gran Crú Apalta 2010.

Esse é um vinho diferente. Produzido pela vinícola Valdivieso desde 1994. Muito potente e robusto, como o nome já diz, pode-se ver um cavalo selvagem de muita raça ali dentro da taça! Para domá-lo, dê o tempo que ele merece. É um desafio que sempre deixa um gostinho de “quero mais”, pela enorme gama de aromas,  sabores e sensações que vão se revelando pouco a pouco. 

Chile – Cabernet Sauvignon/Carmenére.

             No final da degustação, foi chegada a hora de revelar os rótulos provados e para surpresa do nosso anfitrião, tivemos quatro acertadores! Isso mostra que vinho argentino não é só Malbec e o chileno tampouco será só Carmenére. O estilo deles sempre estarão ali, marcando presença.  O prêmio, mais uma garrafa de vinho (é claro, rs..rs…), foi dividida entre todos! E não sei se foi proposital ou não……..querem saber qual foi o vinho?

            Um VARIETAL de uva Merlot, italiano.

            Poggio del Sasso 2011 – Cantina di Montalcino – Toscana.

Um vinho proveniente de onde as leis foram adaptadas ao gosto moderno. Os produtores da costa Toscana introduziram a uva Merlot e Cabernet Sauvignon na região dominada pela Sangiovese, ignorando a rígida classificação de DOC, e criando os chamados “Super Toscanos”.

            Os defensores dos vinhos varietais argumentam que estes são os que melhor expressam a verdadeira essência do terroir, através dos sabores da terra, o comportamento do clima e a ação do homem que traduz tudo isso de uma maneira mais verdadeira. Já os que preferem os blends, além de valorizarem o modo ancestral da vinificação, acham que a mistura de castas diferentes proporcionam vinhos de melhor qualidade, ou seja, favorecendo seu equilíbrio, corrigindo defeitos, e onde não só a matéria prima que a natureza nos oferece é utilizada para criar um vinho. A interferência do homem que o faz torna-se de grande importância se a ele é dada essa liberdade.

            Atualmente , a produção de vinhos no mundo, tem evoluído sempre no que diz respeito a tecnologia, do plantio até a distribuição. Temos desde vinhos artesanais, de pequenos produtores, naturais, orgânicos, biodinâmicos, com mais ou menos interferências no seu feitio. E dentre eles temos os blends e os varietais.

            Qual é o melhor? Temos que provar para saber…….essa é uma busca incessante que sempre existirá, graças a Deus!   

Cada um dos flights de vinhos, foi escolhido tendo como parâmetro uma determinada faixa de preço (80 a 90 / 100 a 120 e 190 a 210) para ver como a complexidade dos vinhos cresce conforme os preços o fazem. Caro não quer dizer bom e muito menos que seja do seu gosto, porém na maioria das vezes é fato consumado, quanto mais caro vinho melhor e mais complexo. Bons vinhos de cabo a rabo, mas a meu ver a Argentina ganhou (há controvérsias no grupo – rs) e esse Bressia Profundo, um grande vinho, foi para mim o melhor da noite!

Salute e kanimambo