Começamos o ano de 2014 encarando paradigmas sobre o vinho brasileiro. Decidimos provar alguns dos principais e mais conceituados Merlots nacionais colocando-lhes um adversário no mesmo patamar para que tivéssemos um real parâmetro comparativo, um exemplar da Patagônia argentina. Pessoalmente, acho que na relação Qualidade x Quantidade, temos hoje o melhor Merlot da América latina, quiçá das Américas. Há ótimos vinhos chilenos, argentinos e até americanos, porém a média de nossa produção é realmente muito boa e com os mais diversos estilos, afinal Michel Rolland andou por aqui e deixou seu legado, sendo vinhos aos quais os seguidores de Baco deveriam dar um pouco mais de atenção enterrando seus preconceitos. Não acredita?! Tudo bem, mas pelo menos lhes dê uma chance; prove e às cegas!! .
Tendo dito isso, vou deixar a amiga e confreira Raquel Santos, a porta voz da Confraria Saca Rolhas, nos passar sua opinião sobre o evento e vinhos e no final dou um pitaco sobre o que provamos. Diz aí Raquel!
No nosso primeiro encontro do ano, resolvemos começar pondo o pé no chão e ordem na casa. Não que o ano que passou tenha sido ruim, longe disso. Basta ver quantas vezes a Confraria Saca Rolhas foi citada na lista dos “Deuses do Olimpo” neste blog! Realmente foi muito bom. Ótimas degustações, ótimos vinhos!
Resolvemos fazer uma degustação às cegas, com vinhos nacionais, equivalentes, de qualidade premium e elaborados com a uva Merlot, das safras entre 2005 a 2008. Sabíamos que entre eles havia um intruso e isso sempre é bom para desequilibrar as referências pré concebidas e mexer um pouco com nosso sensorial.
O fato de conhecermos melhor o que temos por aqui, poderia nos dar parâmetros para compará-los com outros merlots já degustados em outras ocasiões, do mesmo nível, em termos de qualidade, faixa de preço, e perceber da evolução da produção brasileira. A uva Merlot, proveniente da região de Bordeaux na França, proporciona vinhos com taninos macios, aromas elegantes e sabores frescos, frutados que evoluem muito com o tempo. Atualmente já é consenso entre os enólogos que é a casta que melhor se desenvolveu na serra gaúcha.
Pudemos comprovar isso na taça com os belos exemplares que nos foram selecionados:
Salton Desejo 2006 – Aromas muito frescos de ervas, especiarias, cítricos ( lembrando casca de laranja). Na boca era suave, com média acidez, taninos finos e pouco corpo. Com o tempo, evoluiu bastante na taça, mostrando outro lado, mais consistente de madeira, couro e chocolate. Bento Gonçalves/RS. Preço médio: R$75,00
Miolo Terroir 2008 – Ataque alcoólico com presença de acidez e taninos. Na boca é muito frutado e vai se equilibrando cada vez mais com o tempo. Vale lembrar que esse vinho foi promovido pelo produtor como “melhor Merlot do mundo” depois de vencer uma competição internacional em sua faixa de preço. Vale dos Vinhedos/RS. Preço médio: R$130,00
Pizzato DNA 99 2005 – Sua primeira safra, proveniente de um único vinhedo, que gerou seu famoso Merlot de 99, mereceu destaque pela qualidade e complexidade. De aromas frescos, mentolados e elegantes. Muito equilibrado, e grande potencial de evolução na taça. Foi se modificando incessantemente, com sabores e aromas sedutores. Vale dos Vinhedos/ RS. Preço na Vinícola: R$170,00
Valduga Storia 2006 – Muito aromático, com especiarias, madeira e frutas. Na boca, a madeira se confirma e aparecem nuances de caramelo, tostado, chocolate amargo, etc….. evolui muito na taça. Muito equilibrado! Bento Gonçalves/RS. Preço médio R$160,00
Patritti Primogénito 2009 – À primeira vista, ou melhor, à primeira fungada, causou estranheza, por algo químico ou muito forte que não conseguimos identificar. Pareceu-nos bem diferente dos anteriores. Sabores marcantes de especiarias (anis), pinho, ameixas, frutas vermelhas e madeira bem incorporada. E apesar da potencia inicial, demonstrou bom equilíbrio e vocação gastronômica, com destaque para a acidez que pedia algo que o acompanhasse ou fizesse um contraponto. Esse era nosso intruso, que chegou metendo o pé na porta, mas depois se comportou muito bem! Patagônia/ Argentina. Preço médio: R$110,00
Ao fim da degustação, algumas características ficaram evidentes para nós: Houve uma significativa evolução dos vinhos de qualidade em nosso país. Apesar de não se mostrarem desde o início, na taça, deixam claro seu potencial evolutivo, porém ao mesmo tempo que crescem na taça, também se cansam logo. São como crianças felizes e saudáveis, que depois de um dia de brincadeiras agitadas, caem no sono instantaneamente em qualquer canto.
Outra questão que me chamou atenção, depois pesquisando o assunto, foi a tentativa da mídia ou mesmo do produtor, de equiparar o produto nacional com o estrangeiro. A ideia de igualar seu produto a um Bordeaux ou promover um vinho como “o melhor Merlot do mundo”, soa, a meu ver, um pouco exagerado. Eu, defensora que sou do vinho brasileiro, acho que temos muito à caminhar nesse sentido. Além disso temos a questão do custo Brasil, onde os impostos aqui aplicados não são nada incentivadores, tanto para produtores como para consumidores. Enfim, isso é assunto para muitos outros posts e que temos que continuar pensando e adequando à nossa realidade.
Essa foi uma degustação para refletirmos o que foi, o que é e o que poderá ser, no futuro a produção de vinhos no Brasil. Se olharmos para trás, nos anos 80, quando a produção era ínfima e o que é hoje, podemos ver que existe uma grande evolução. E se compararmos com os países que produzem vinho à séculos, nós estamos apenas começando.
Como disse deixei para o fim meus pitacos sobre mais este encontro da Confraria. Como a degustação foi ás cegas, deixei para abrir os rótulos somente após uma votação quanto ao melhor vinho da noite. Houve uma clara divisão, porém a maioria optou pelo vinho mais pronto e mais redondo de todos, o Salton Desejo, seguido do DNA e do Primogênito. Pessoalmente, achei que o DNA e o Primogênito roubaram a cena um degrau acima dos demais, mas isso é muito pessoal! Incrível a vida ainda presente nesse DNA com já oito anos nas costas e que ainda promete grande evolução na garrafa, quem conseguir guardar verá! Por outro lado, afora o posicionamento de preço do Desejo da Salton que está muito em linha com o mercado, o restante está num patamar que realmente pretende ser exclusivo, vinho para poucos e, considerando que cada um monta a estratégia que lhe for mais interessante, algo que temos que respeitar ainda mais quando vendem tudo o que colocam no mercado.
Não podia deixar de ressaltar que o Storia 2005 segue sendo imbatível. Já tinha provado o 2008 e agora o 2006, mas ficaram bem aquém da primeira edição deste ícone da Valduga, uma raridade no mercado que quando achado passa das absurdas 400 pratas! Enfim, mais uma noite muito agradável em que aprendemos um pouco mais das coisas desta nossa complexa vinosfera com toda a sua diversidade e variáveis, tendo tido como abertura o saboroso e fresco Angas Brut, o espumante australiano mais exportado, que preparou nosso palato para o que estava por vir. Kanimambo, salute e um ótimo fim de semana para todos lembrando que ainda temos algumas poucas vagas disponíveis para dia 13 na Vino & Sapore.