Meu amigo Miguel Angelo de Almeida é um jovem e talentoso enólogo, luso que nem eu, que trabalha na Miolo onde vem desenvolvendo seu trabalho com competência há anos. Já tive a oportunidade de aqui publicar alguns de seus textos e este, que recente recebi dele, me pareceu especialmente interessante, razão pela qual pedi autorização para compartilhá-lo com os amigos aqui hoje. Kanimambo Miguel!
A meu ver existem algumas razões práticas e técnicas para uso de fechamento de rosca (screw-cap) e algumas estéticas e comerciais. Como enófilo e amante de bons vinhos, não me atenho a isso e sim ao conteúdo da garrafa. Aliás, uma prova da diferença entre enólogo e enófilo; o Enólogo (Miguel) diante do vinho toma decisões já o Enófilo (JFC), diante de decisões toma o vinho! rs O que tenho visto até agora, e obviamente provado, me diz que não existem alterações consideráveis no vinho e ultimamente provei vinhos com até 12 anos de idade com rosca e estavam ótimos, em perfeito estado de preservação e vida compatíveis com outros de igual idade e origem fechados com rolha de cortiça. Vejam o que o Miguel, com maior experiência e conhecimento de causa, tem a nos dizer sobre o tema.
“Sabemos que perante um vinho fechado com rolha natural, o consumidor tem uma grande expectativa em comparação com os outros tipos de fechamento. Mas o tempo é o grande modelador das nossas convicções, a história da rolha de cortiça natural com o vinho tem cerca de 400 anos e a história do screw-cap com o vinho tem cerca de 60 anos. Como disse a Baronesa Philippine de Rothschild: “Produzir vinho é relativamente simples, só os primeiros duzentos anos são difíceis.”.Aqui, no Grupo Miolo, a opção de vedar um vinho com rolha natural ou screw-cap é uma decisão técnica.
Hoje, para proceder o fechamento de uma garrafa de vinho, o enólogo possui várias soluções: rolha de cortiça natural, rolha sintética, rolha de vidro (vino-lok) e screw-cap de alumínio. Contudo, as duas principais soluções são a rolha de cortiça natural e o screw-cap de alumínio.
Se o objetivo for entregar ao consumidor um vinho próximo daquilo que o enólogo obteve na fermentação e/ou estágio de amadurecimento, o vedante mais indicado para este efeito é o screw-cap, que proporciona um fechamento hermético, bloqueando a evolução oxidativa do vinho. Por outro lado, se o objetivo for permitir evolução, a decisão será vedá-lo com uma rolha de cortiça natural que permite uma mudança positiva no tempo. O screw-cap é uma redoma, a rolha de cortiça natural representa transformação.
A cortiça é composta por células de suberina com a forma de um minúsculo prisma pentagonai ou hexagonal, um ácido gordo complexo, e preenchida com um gás semelhante ao ar, que ocupa cerca de 90% do seu volume. Portanto, a cortiça contém oxigênio que migra para o vinho, ajudando este a se polimerizar, a se arredondar, mudando irremediavelmente a sua vida e as suas histórias. Estudos recentes demonstram que os diferentes tipos de vedantes diferem na sua permeabilidade ao oxigênio atmosférico. Os sintéticos são os que apresentam maiores taxas de entrada de ar, oxidação prematura, seguidos das rolhas de cortiça natural, evolução equilibrada, enquanto screw-cap é o que permite menores taxas de entrada de oxigênio, evolução lenta.
Num vedante sintético o ar migra, através de si, de fora da garrafa para dentro do vinho. Numa rolha de cortiça natural o oxigênio migra do interior da rolha para o vinho. Num screw-cap sarantin, o do disco interno prateado, não existe migração de oxigênio (screw-cap saranex é o do disco interno branco).
A rolha de cortiça é um elemento 100% natural, 100% biodegradável, proveniente diretamente da casca de uma árvore da família dos carvalhos, o sobreiro. A sua retirada é feita a cada nove anos, sem que nenhuma árvore seja cortada durante este processo. A cortiça dá origem a uma infinidade de produtos, e o principal é a rolha. Cada sobreiro demora 25 anos até poder ser descortiçado pela primeira vez e só, a partir do terceiro descortiçamento (aos 43 anos), a cortiça tem a qualidade exigida para a produção de rolhas. O sobreiro é a única árvore cuja casca se autorregenera, adquirindo uma textura mais lisa após cada extração. Pode ser descortiçado cerca de 17 vezes ao longo de uma longevidade que é, em média, de 200 anos, e não está em extinção, sendo a árvore símbolo de Portugal. Eu me curvo em deferência perante este elemento natural.
O primeiro screw-cap para vinho foi criado pela empresa Stelvin, em meados da década de 60, sob o comando do diretor de produção da vinícola australiana Yalumba, em parceria com uma empresa francesa. O screw-cap ganhou espaço no mundo dos vinhos à custa da imprudência dos corticeiros portugueses, os quais no final da década de 90 (boom mundial da produção de vinhos) inundaram o mercado com cortiça de má qualidade, cortiça com problemas de tricloroanisóis, vulgo TCA, composto químico com cheiro a mofo, cartão úmido. No inicio do novo milénio, os britânicos firmaram a sobrevivência do screw-cap no fechamento de garrafas de vinho. No Reino Unido, a aceitação dos vinhos vedados com screw-cap foi de 41% em 2003 e 85% em 2011.
No Grupo Miolo utilizamos ambos como vedantes de nossos vinhos:
- O screw-cap para vinhos básicos de características jovens (Almadén, Miolo Seleção e Miolo Gamay) até vinhos de qualidade premium, a grande novidade da vindima 2015 (Miolo Reserva Chardonnay, Pinot Grigio, Sauvignon Blanc e Pinot Noir). Podem reparar que o Miolo Reserva Sauvignon Blanc 2015 está todo ele fechado com um screw-cap sarantin. Este tipo de screw-cap apresenta os menores valores de oxigénio total aquando do engarrafamento, de 0,0001 a 0,0007 ml O2/dia;
- A rolha de cortiça natural para vinhos premium (Miolo Reserva Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo e Tannat) até vinhos de qualidade ícone, vinhos altamente estruturados (Miolo Cuvée Giuseppe, Quinta do Seival Cabernet Sauvignon, Quinta do Seival Castas P ortuguesas, Testardi Syrah, Vinhas Velhas Tannat, Miolo Merlot Terroir, Miolo Lote 43 e o Sesmarias).
Os produtores de vinho decidem o tipo de vedação com base em experiências passadas, na filosofia atual, em questões técnicas, custos e as exigências do mercado. Em suma; a rolha é vinha e o screw-cap é homem. Os quatro são complementares“
Agora, nada como sua própria experiência, então vai aqui uma sugestão; monte uma degustação entre amigos e abra dois com rosca e dois com rolha, preferencialmente da mesma uva e região produtora, melhor ainda se puderem ser do mesmo produtor, e tire suas próprias conclusões. Aí vão me perguntar; e o charme?! Bem, aos sessenta a maturidade me faz prestar mais atenção no conteúdo que na aparência, não bebo charme e sim vinho, então….! rs Kanimambo amigos e espero ver alguns de vocês neste Sábado no meu evento de FOOD TRUCK GOURMET (clique para ver detalhes) harmonizando pratos e vinhos franceses. Cheers e até!