Existem mitos criados sob o mundo do vinho que atrapalham mais do que ajudam os aficionados de nossa vinosfera, especialmente quando estes começam a trilhar um caminho de maior dedicação a Baco. Venho pensando em escrever sobre isto já faz um tempinho, o assunto é polêmico e podes ser mal interpretado, “but what the hell”! Chega de esnobismo no mundo vinho, de o complicar, vamos curtir!
Acredito que muitas vezes por imposição de críticos e colunistas pelo mundo afora, até produtores, que ficam rebuscando suas descrições de determinados vinhos o consumidor tende a ficar inibido e até constrangido quando lê e, especialmente, quando escuta o detalhamento de aromas e sabores mil! Sentimos que jamais chegaremos nesse nível, que somos ignorantes no entendimento do vinho e não tem estudo que consiga nos fazer chegar lá, dá uma certa frustração, não dá? Daí eu me pergunto, importa??
Canso de ler da necessidade de democratizar o vinho, de desmistificar, de quebrar paradigmas, mas não é bem isso que vejo não! Acho salutar querer conhecer mais, sentir mais, entender mais para aproveitar mais! Agora, não deixemos que isso vire uma obsessão porque isso não é essencial, é somente um plus em nossas vidas de enófilo que requer sim, na minha opinião, outro tipo de conhecimento. O de conhecer as uvas, os países e regiões, até os enólogos para melhor poder comprar o que é de nosso gosto. Por necessidade da profissão, provo de tudo e gosto de conhecer tudo, mas o consumidor médio que não faz disso sua profissão precisa mesmo de saber tudo isso? Você compra um vinho porque tem sabor de fruta vermelha fresca ou de fruta madura? Porque possui aromas de flores brancas molhadas pelo orvalho da manhã? Será que se compra vinho pelo nariz ou pelo tipo de diálogo que ele tem consigo na boca? Como ele combina, eventualmente, com o que você vai servir de prato?
Sei que é um tema algo polêmico, porém sou um seguidor de um conceito exposto por Aubert de Villaine mesmo sem nunca ter tomado um de seus vinhos, exceção feita a um Aligoté há muitos anos atrás. Para quem não sabe, esse senhor é sócio diretor “apenas” de uma vinícola que produz alguns dos melhores e mais caros vinhos do mundo, o Domaine de Romanée Conti em Borgonha na França. Disse ele aqui no Brasil em uma entrevista à revista Veja alguns anos atrás: “Não fico surpreso que as pessoas não identifiquem estes aromas todos nos vinhos que compram. Eu mesmo não sou capaz de reconhecê-los. Aliás, acho muito aborrecido. Não estou interessado nisso, e sim na personalidade do vinho.” Tendo dito isso, não deixo de achar válido que uma pessoa queira explorar esse sentido e para tanto se dedique na busca do conhecimento para tal, só acho que não devemos extrapolar o valor que isso tem para se desfrutar de um vinho.
A meu ver, e tento ser um guia nesse sentido, devemos sim é entender o que são; taninos, amargor, doçura e acidez. O que é um vinho dito gastrônomico, o que são; intensidade, estrutura, peso, persistência, pois de nada adianta, por mais que haja a necessidade de também possuir aromas convidativos, o vinho “cheirar” bem porém negar na boca enquanto o inverso é perfeitamente aceitável. Existem vinhos, por outro lado, que um não sabe se bebe ou se funga e já me peguei com uma taça vazia na mão curtindo os aromas de um vinho por horas após o mesmo ter terminado, normalmente vinhos divinos, de reflexão. Não tentei decifrar seus aromas, mas simplesmente curti as sensações que despertavam em mim, creio que falta um pouco disso na vida de muito enófilos, simplesmente curtir o momento, a taça, sem frescura sem nos tornarmos obcecados em dissecar o vinho! Afinal, como já disse o poeta, “Navegar é Preciso”.
Aliás, essa obsessão pode também se tornar um martírio (rs) e uma tremenda frustração quando um não consegue sentir os aromas e sabores (outro paradigma a se repensar) descritos pelo produtor, apresentador, colunista ou especialista que descreve tão vividamente o vinho. Gente, o vinho é algo pessoal, tratamos aqui de gosto! Como profissional podemos e muitas vezes temos que analisar um vinho e avaliá-lo tecnicamente, porém a degustação geral dos enófilos parte essencialmente de seu gosto pessoal. Eu tenho que, pelo menos tento, ser o mais imparcial possível em minhas análise e avaliações pois o oficio assim o requer, agora o enófilo tem é que curtir o que gosta e explorar sabores e aromas que ele curta, ponto! Nesse sentido, razão que motivou este post, me deliciei com um post recentemente publicado pelo conceituado enólogo argentino (um dos top 30 do mundo) Alejandro Vigil; “Los vinos para cada persona significan algo distinto (diferente), siente algo distinto, ven cosas distinta. Cada quien (qual) sentirá la mineralidad , verticalidad , frutas rojas o negras, para otros simplemente le gustara o no. Pero nadie (ninguém) puede decirte a vos que sentís o que piensas. El vino por definición es plural y diverso, nadie tiene la última palabra es tus gustos y sensaciones, solo vos !” Tudo a ver, disse tudo o que há anos não canso de falar, mas quando os mestres falam são mais ouvidos, então…
Minha mensagem nesta fria manhã de inverno aqui em São Paulo, é de compartilhar com os amigos a necessidade de curtir a viagem! Estude, conheça, busque, mas sem obsessões que atrapalhem essa viagem. Afinal, como já dizia o saudoso Saul Galvão (adoro esta citação dele), um dos meus mentores que faz uma falta danada nesta pequena vinosfera tupiniquim repleta de grandes entendedores andando de salto XV, “Quando se fala em vinhos, NUNCA há uma palavra final, mas sim opiniões, que podem ou não ser bem sustentadas. Só uma opinião importa, a sua. O vinho só existe para dar prazer. Se ele deu prazer, cumpriu sua função, independentemente de regras cânones e opiniões alheias. Costumo dizer que o vinho precisa descer do pedestal no qual foi colocado por alguns esnobes e pretensos entendedores e ser colocado em seu lugar, que é o copo. Nada mais chato que um esnobe do vinho, que fala pomposamente, como se ele fosse o único ungido a entender termos herméticos.” Agora, muitos deles têm mesmo é que valorizar seus cachés então o complicar tem lá sua razões, mas creio que nos finalmente acabam prestando mesmo é um desserviço ao enófilo, ao simpatizante da causa, ao consumidor. No vinho, como em muitas outras coisas e situações, acabo seguindo o preceito de menos é mais!
Pessoalmente, acredito que a democratização do vinho vem com a quebra de um monte de paradigmas, a eliminação da frescura e derrubada do esnobismo, assim como melhores preços, que se fazem necessários para que possamos facilitar seu entendimento e tirá-lo do pedestal onde alguns insistem em colocá-lo. Como repito à exaustão, o mundo regido por Baco não é binário, não pretende ser uma ciência exata já que é pleno de subjetividades e nele não existem verdades absolutas, há que se desmistificar nossa vinosfera e viver o momento, curtir a viagem. Não se sinta por fora, afinal compartilhar idéias com gente do porte de Saul Galvão, Aubert de Villaine e Alejandro Vigil não é para qualquer um! Uma ótima semana de belas “viagens”, kanimambo pela visita e seguimos nos encontrando por aqui, na Vino & Sapore ou qualquer outro lugar de nossa vinosfera.