Desta feita a confraria Saca Rolhas escolheu como tema a minha lista de TOPS de 2014, uma tremenda honra e uma responsa danada! Mais uma razão para eu não abrir a boca e deixar a amiga Raquel falar por todos nós confrades.
Além das confrarias, nosso amigo João Clemente proporciona outros encontros na sua Vino&Sapore como por exemplo, uma degustação prá lá de especial, dos melhores vinhos desarrolhados do ano. Ficamos com água na boca e taças vazias quando nos contou que o número de participantes já estava fechado. Antes que nossa tristeza tomasse corpo, alguém teve a brilhante ideia de “roubar” esse tema para o nosso próximo encontro! A lista, feita com rótulos degustados em diversas situações, tinham em comum aqueles vinhos que se destacaram, seja pela qualidade, pela novidade ou mesmo pela boa harmonização com algum prato. A noite prometia!
Um espumante australiano deu-nos as boas vindas. Elaborado com a casta Sémillon, já para nos prepararmos com a diversidade que tínhamos pela frente.
Eternity Cuvée Brut, produzido pela Westend Estate, Austrália: Bem clarinho, com borbulhas delicadas, chamou nossa atenção pela sua nacionalidade incomum a esse tipo de vinho. Seus aromas cítricos e herbáceos, conferiam ótimo frescor que compartilhavam com um bom corpo frutado, resultando num vinho muito sedutor e amigável.
Começamos a degustação propriamente dita com um mito já conhecido por nós, em outra ocasião (02/12/2013), porém de outra safra:
Viña Tondônia Blanco 1991 – Esse vinho pertence aquela categoria de brancos que sabem envelhecer. Essa garrafa de 25 anos, guardou tudo aquilo que esperávamos dele e mais alguma coisa. Desta vez, foi escoltado com jamóm serrano e queijo brie, que serviu de trampolim para suas peripécias. Um caleidoscópio de aromas e sabores intermináveis, onde a sua personalidade inusitada consegue juntar o doce, o salgado, o oxidado, o frescor, frutas e defumados, etc….. a lista é grande e muito já se falou dele aqui. E quem só o conhece de ouvir falar tem que experimentar, pelo menos uma vez na vida!
Partimos para um tinto, da conhecida bodega chilena Concha e Toro. A uva Carmenére é considerada sua maior representante, pois foi no Chile que ela foi redescoberta depois de quase se extinguir na Europa. Proveniente do Vale do Rapel, os vinhedos de Peumo produzem as melhores uvas desta casta.
Terrunyo Carmenére 2007 – Vinho muito bem feito, bem estruturado, que foge um pouco à regra do que se espera dos Carmenére chilenos. Sem perder as características da casta neste terroir, que via de regra remetem aos sabores herbáceos de pimentão, frutas maduras, entre outros, pode-se sentir tudo isso dentro de um corpo potente, porém com sutileza e elegância. Taninos e acidez presentes e bem equilibrados. Apresentou um álcool saliente de início que se dissipou com tempo na taça. Merecia uma decantação pelo potencial de evolução que apresentou.
Do Chile fomos diretamente para o norte da Espanha, mais precisamente na região de Navarra. Os produtores ( La Calandria ) recuperaram um último reduto de vinhas antigas de Garnacha com mais de 60 anos. De lá provem 4 vinhos diferentes, feitos exclusivamente desta casta: um rosé, um feito com maceração carbônica, um tinto leve e um mais potente, que representa o seu top de linha: Tierga 2010 – Esse vinho é o que se pode esperar de um retrato mais fiel de terroir e casta. Mostra toda a potencia da Garnacha, na cor muito escura, frutas maduras (geleia de cereja, ameixas pretas), especiarias (anis), notas balsâmicas e tostadas, evidenciando passagem por madeira. Tudo isso muito bem encaixado num corpo equilibrado com a acidez e taninos evidentes, bem lapidados. A produção muito baixa garante sua alta qualidade. Um vinho feito para surpreender.
De volta à América do sul, na Argentina, região de Mendoza: A Bodega Benegas produz vinhos nessa região desde 1883. E até hoje o negócio familiar se perpetua sob o comando do bisneto do seu fundador, o enólogo Federico Benegas. Seus vinhos refletem muito a personalidade do proprietário que a todo ano cria um vinho para um membro da família. Suas alquimias refletem características e vivências humanas, quase que contando histórias de vida. O resultado disso reforça e evidencia com muita diversidade e qualidade a estrutura da família. O vinho provado à primeira vista parecia um Bordeaux:
Benegas-Lynch Meritage 2006. Elaborado com Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot, mostrou-se muito fresco no nariz e uma complexidade que pedia tempo para ser destrinchada. Aos poucos aparecem frutinhas vermelhas silvestres, mostrando uma acidez que faz salivar. O corpo vai aparecendo conforme sua estrutura se abre. Madeira bem colocada, o tanino com pegada marcante e notas de alcaçuz , alcatrão e cinza. Com tempo torna-se mais opulento e consistente com muito equilíbrio e elegância. Boa persistência.
Na sequencia, fomos para Portugal. A Casa Ferreirinha tem uma trajetória que quase conta a história da vitivinificação deste pais. Conhecida pelos vinhos produzidos no Douro, se destacou primeiramente pelos vinhos do Porto e após a segunda metade do sec. XX tem como ícone o Barca Velha. Esse vinho não é vinificado todos os anos e quando isso acontece recebe o rótulo do Reserva Especial. O vinho que degustamos aqui é o 3º dessa “linhagem”:
Quinta da Leda 2011 – Pela cor na taça já se pode supor a intensidade que teremos à frente. Aromas complexos que não se mostram de pronto. No primeiro gole podemos sentir a elegância e o equilíbrio entre os taninos aveludados, a acidez vibrante e o corpo potente que enche a boca de frutas, especiarias, algo de mineral e uma persistência bem longa. Puro deleite que torcemos para não acabar nunca!
Por fim, apesar de achar que se acabasse por aqui eu já estaria feliz e satisfeita, restava-nos a difícil tarefa de apreciar a melhor harmonização do ano!
Um vinho da ilha da Madeira e uma torta de maçãs com figos secos e nozes, criada pelo Ney Laux, que quem é da região da Granja Viana sabe bem do que estou falando! Madeira H&H – Boal -15 anos. Esqueça aquele vinho Madeira que a sua avó ou mãe usava para umedecer o pavê de natal! Conhecemos muito pouco destes vinhos aqui no Brasil e mesmo em Portugal é um pouco difícil de achá-los. A produção é muito pequena, além do tempo que se leva para ficar pronto. Neste caso, 15 anos. O preço é consequência de tudo isso. Mas como nessa vida tudo tem seu preço, nesse caso fica justificado quando se põe o primeiro gole na boca! Apesar da doçura, é nada enjoativo, pois a acidez faz o contraponto. É uma explosão de sabores de frutas que ficam muito evidenciadas quando comemos junto com a torta. Casamento perfeito! Um levanta o outro às alturas e o ambiente fica completamente envolto pelos aromas que sobram por não caberem neles mesmos. Felicidade é isso!