Reflexões do Fundo do Copo – Atenção, Batata Crua Estraga o Vinho!
Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
Sempre é melhor um vinho bom do que um vinho ruim, principalmente quando a comida não sai do jeito que você esperava. Porque nada harmoniza com um prato mal feito, bacalhau ao forno com batatas cruas, por exemplo. Evidentemente, esta é uma referência para vinhos que se toma em casamento com a comida, que, como em quase todo casamento, alguém desequilibra, apesar de ser ele, o equilíbrio, a melhor medida. Mas ele ou ela, sempre ou quase sempre, desequilibram, tendo que um carregar um pouco mais de peso do que o outro. O ideal é servir grandes vinhos com grandes refeições, vinhos médios em refeições medianas, vinhos simples em refeições despretensiosas, mas a vida não é assim tão equilibradinha.
Imagine-se abrindo o melhor vinho que jamais teve coragem de comprar, para servir seu chefe, que vem jantar com a mulher em sua casa pela primeira vez. É a sua oportunidade para finalmente pedir um novo equipamento, uma mesa com vista para o jardim, uma sexta feira livre por mês ou até – coisa antiquada – um aumentozinho no salário! De repente o prato de resistência, o bacalhau que você fez com tomates, batata e cebola não está de todo ruim, mas a batata está dura, tão dura que parece crua! Aí não dá, não há papo que esconda o erro, não há vinho que perdoe batata dura.
Copos de cristal, talheres pesados e louça de qualidade podem atenuar. Atenuaria bastante se os convidados tiverem pouco gosto culinário a ponto de confundirem o prato mal feito com alguma novidade da Nova Cozinha, com seus vegetais crocantes e carnes mal passadas, argumento que definitivamente não se presta a dois elementos, no mínimo – frango e batata.
Servir o vinho logo que as pessoas chegam ajuda também, principalmente se ele for daqueles acima do bem e do mal, o que normalmente que dizer vinho acima de US50$00. Servir logo de entrada uma tábua de queijos salgados e gordurosos como parmesão, brie, camembert é pecorino é bastante usual, pois estes laticínios têm a incrível propriedade de esconder qualquer defeito do seu vinho!
Ao contrário, quando o prato de resistência sai do jeito – um bacalhau com batatas, cebola e tomate no forno, por exemplo, servido na temperatura certa, no ponto certo do sal, no balanço correto dos elementos – o peso sai do ombro do vinho! Significa que ele pode ser mais simples, como os que o João Felipe Clemente vem insistentemente listando neste Falando de Vinhos, pode ser um dos Best buys que a Wine Spectator e a Gamberosso elencam, como o imperdível Alamos ou pode até ser um vinho em oferta, daqueles que já apagaram as velinhas dos cinco anos e, por isso mesmo, tornam-se mais difíceis de vender restaurantes e entrepostos, mas nem por isso estão fadados a ir para a panela.
Às vezes são como o Praepositus Gewurzstraminer da Abazia de Novacella 1998 que me custou quase nada e estava absolutamente perfeito, sem saber que era fruto de uma produtora fundada em 1142 no Alto Adige italiano,presente no famoso catálogo “1001 vinhos para beber antes de morrer” editado por Neil Beckett e prefaciado por Hugh Johnson! Pensando bem, um vinho daquela qualidade, salva qualquer jantar, mesmo que este seja um bacalhau ao forno com batatas duras, quase cruas!
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR