Reflexões do Fundo do Copo – Salsicha, Linguiça, Cerveja e Vinho.

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

Para aqueles que pensam em cerveja no mesmo momento que pensam em salsichas, aviso: não há nada de estranho ou fora de lugar, pensar em vinho. Entre a França e a Alemanha, naquele lugar do mundo onde a cultura gastronômica saxônica se encontra em pororoca constante com a latina, produz-se vinhos brancos de primeira, vinhos cuja genética é voltada naturalmente para a charcutaria. Vinhos brancos conhecidos na fronteira, à base das nobres Riesling e Gewurzstraminer, mas também à base de Silvaner e Pinot Gris, freqüentam os bares dos dois lados do Reno, mesmo quando estes bares levam o nome de cervejaria.

Vinhos brancos, cervejas e espumantes, fazem rodízio no preparo do prato regional mais disputado, onde o chucrute se prepara com repolho refogado com carne de porco, umas dessas bebidas e zimbro, como tempero típico.Mas não dá para esquecer o vinho tinto, mesmo nesta disputa, pois o pinot noir alsaciano, pouco divulgado, entra na dança fazendo sucesso como poucos, vinho de primeira qualidade que é.

A não ser que se fale de um tipo de específico de salsicha, ah bom: a bierwurst da Baixa Saxônia, é exemplo de salsicha que leva cerveja em seu interior. Ponto para quem pensa em cerveja! Mas o vinho tem seus contrapontos, no interior de tantas lingüiças secas, de tantas origens peninsulares. A Grande Enciclopédia Ilustrada da Gastronomia do Reader’s Digest nos conta que é comum na culinária do norte da Itália, condimentar com vinho branco a lingüiça fresca, aquele tipo que se come nos churrascos e é feita para grelhar ou fritar. Ponto para o vinho!

No fim, quem sabe, a associação que fazemos naturalmente é a do embutido cozido com cerveja e a do embutido cru, fresco ou curado, com o vinho, certo? Errado, porque as posições se misturam muitas vezes pelo caminho da confecção e do uso, até porque estamos falando de produtos que o homem (e também a mulher, por que não?) bebem e comem, antes mesmo que a palavra “comemorar” tivesse sido criada para melhor justificar a comilança!

Nesta disputa, entra as mortadelas, nada mais que embutidos cozidos, como as salsichas e salsichões, consumidas historicamente com vinho, de preferência, em Bolonha – onde a mortadela foi consagrada com Denominação de Origem Controlada – com vinho Lambrusco tinto e seco. Meio ponto para o vinho, porque nem sempre é de bom alvitre aceitar que o Lambrusco seja coisa que se tome, apesar da grande massa de admiradores que este suco de uva fermentado tem ao redor do mundo, a ponto de colocá-lo entre os maiores produtos de exportação da Itália …

Em Portugal e na Espanha, brancos, tintos e cervejas disputam mesa-a-mesa a preferência, quando se trata de acompanhar seus excelentes embutidos. Na mesa da feijoada nossa de cada sábado, dificilmente o vinho entra, mais por tradição que por “mariaje”. Pois está provado que um bom vinho verde tinto acompanha o nosso prato nacional com muita galhardia, apesar de que estas provas sempre foram feitas com a “turma dos bebedores de vinho”, com nenhum grande bebedor de cerveja à mesa. Portanto ponto para esta última.

O que não se pode dizer sobre tantas outras tradições que misturam um ou mais vegetais com embutidos de carne. Os grandes cozidos italianos, espanhóis, portugueses, franceses etc. são comumente preparados com vinho e embutidos, como é o clássico molho à bolonhesa que em uma de suas receitas mais aceitável mistura carne de lingüiça moída com carne bovina e vinho. Ponto para o vinho, mas a contrapartida vem rápida, quando lembramos de vários embutidos ingleses, verdadeiras refeições completas – às vezes com queijo, aveia e frutas, misturadas com carnes moídas – que comumente levam cerveja no preparo. E eles lá sabem cozinhar, aqueles britânicos que cozinham carneiro na água para depois temperar na mesa com os molhos que roubaram das colônias, como o ketchup e chutney indianos?

 Injustiça com ingleses feita, de ponto pra cá e ponto pra lá, pergunto por fim: e alguém ainda se interessa por coisas desse tipo, salsichas, lingüiças, salames, vinho e cerveja? Pode ser bom, diz nosso paladar, mas tem muito médico nutricionista que diz – pode ser ruim. Ponto para todos!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR