Reflexões do Fundo do Copo – Tem Vinho da Cor de Vinho?
Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
O vinho tem uma cor, como a laranja tem a sua. Cor de vinho, cor de laranja, cor de rosa e outras cores. Mas a imprecisão é muito grande desta cor que pode ser tinta, clarete, rosada, amarelada e esverdeada, quase branca. Entre elas tantas outras cores, um pouco mais laranja, um tanto mais rosada, dourada, esbranquiçada. No afã de se tornar cor-de-vinho, alguns dos mais autênticos produtos da uva, fazem uma força interna tamanha, que borbulham de raiva e precisam de uma tampa muito forte para enjaulá-los em garrafas. Raiva quase sempre vã, pois conseguem ganhar no máximo um tom de rosa. E se conseguem a cor, os vinhos cor de vinho borbulhantes, perdem a qualidade… Não há nada que os salve da mediocridade refrescante.
A cor de vinho tinge a camiseta usada pelo glorioso Juventus lá da rua Javari. É a cor do que já foi o maior clube, em número de afiliados do Brasil. É da cor do vinho que se pode dizer a cor do pecado, pois é a que se parece com o sangue venal – não confunda com seu primo arterial. É cor que harmoniza bem com quase todas as outras, a não ser sua contraparente vermelha e sua oposta verde. Vale destaque para o azul de Gênova (blue jeans), quando está em estado camisa ou camiseta. Combina bem com o preto, quando está em forma de cinto ou tiara.
O vinho não nasce na garrafa e nem no barril, mas quando passa por este último se transforma em criança. Não porque fique mais alegre por conta disso, muito pelo contrário, fica mais adulto, mais próximo da sua maturidade, mais complexo. Porque a raiz da palavra criança é a mesma da palavra cria, e da palavra criatura. Nossa equipe de repórteres poliglotas saiu a campo e entrevistou 1200 tipos de uva, entre cepas de origem americana e européia, em 150 diferentes pontos geográficos do planeta com diferentes características climáticas. A pergunta básica feita às uvas foi – “uva, o que você quer ser quando crescer”. O resultado da pesquisa foi (desconsideramos as frações e as respostas impertinentes como “quero ser vodca”): Fruta de mesa in natura – 12%; Vinagre – 6%; suco de uva – 21%; adubo para as próximas gerações – 3%; vinho sem estágio em barrica 16%; vinho com estágio em barrica 12%. Os 31% restantes não responderam ou porque não tinham qualquer sonho para o futuro, ou porque não entenderam a pergunta.
Concluímos que as uvas por não terem passado por qualquer um dos processos, elegeram um futuro só de ouvir falar. Não sabem que a barrica, além de poder fazer com que cheguem a um estado superior de sofisticação espiritual, pode levá-las a uma vida extremamente longeva. É preciso, contudo, atenuar as conclusões desta pesquisa, visto que questões essenciais de comunicação influíram diretamente no entendimento, seja da pergunta seja da resposta, como podemos denotar das reclamações de muitos repórteres que voltaram dizendo que as uvas não conseguem falar direito, principalmente as do Hemisfério sul, mesmo que originais do norte.
Felicetto nasceu um dia, naquele dia que seu pai engarrafou aquele vinho produzido em sua terra, feito com suas próprias mãos. 50 anos depois, em comemoração ao seu aniversário, depois de atravessar o Atlãntico e muitos outros mares vida afora, decidiu abrir aquela garrafa, irmã gêmea, em tudo como si próprio. Juntou a família e diante de todos filtrou o líquido no coador de pano novinho, comprado para ser usado naquela ocasião. A cor de vinho ficou nas paredes daquela garrafa semi-centenária e tingiu sem jeito o pano do tecido. A cor ficou no caminho do tempo, a qualidade e o gosto não.
Vinho é um líquido mais espesso que a água potável, contudo menos do que o suco de tomate, se o suco for espesso como deve ser. É mais alcoólico que outros produtos fermentados e muito menos que os destilados, particularmente menos do que a Centerba, licor verde criado por beneditinos que atinge a marca alcoólica de 75º. É ótimo para quebrar o gelo em relações amorosas apenas iniciadas, porque não inibe a nenhuma das partes como os destilados ou outros fermentados menos elegantes. É um alimento particular no sabor, seu gosto pode ser definido como “gosto de vinho”, mesmo quando tem a cor que o nomeia, mesmo quando lembra partículas de sabor de especiarias, flores, frutas, couro, suor e estrebarias, como os críticos insistem em realçar. É um alimento que governos como o nosso insistem taxar como luxo e bebida alcoólica, duas categorias sobre taxadas para que seu consumo seja naturalmente inibido.
É uma mercadoria muito particular que pode, além de ter tantas cores, além de ter tantas possibilidades de consumo, custar até dez mil vezes mais do que ela mesma… Pode custar de R$3,00 a R$30mil e continuar sendo chamada de vinho.
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR