Reflexões do Fundo do Copo – Sociabilidade do Vinho.

breno3       Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

             Os três amigos inseparáveis encontraram-se novamente acompanhados de suas mulheres, depois de três meses sem que os seis se vissem juntos. Três meses, um tempo interminável, para quem costumava sair para jantar ao menos uma vez por semana.Estavam combinados a conversar sobre tudo, menos sobre vinho, devido à crise extraconjugal que este hábito havia provocado entre eles.

             Há anos, seguiam uma espécie de ritual que começava por contatos telefônicos ou correspondências eletrônicas, que servia para fixar o encontro, sempre num novo restaurante, mas que servia também para determinar qual vinho deveriam levar. Três casais, três vinhos, cada um responsável por um. O encontro também seguia um ritual, que começava com os cumprimentos, perguntas polidas sobre a família, filhos e trabalho e sempre terminava com os homens conversando sobre vinho, as mulheres sobre todo os assuntos que restavam.

            A crise se deu naquele dia em que a mulher mais jovem, contava com lágrimas nos olhos das dificuldades que a filha mais velha estava tendo na escola, no momento mesmo que os homens comemoravam com urros de alegria a decisão de partilharem uma caixa de vinho que estava em oferta imperdível numa importadora. O TILT foi total. O silêncio idem. As outras mulheres compadecidas pelo drama enfrentado pela mais jovem, não suportaram a reação dos homens. A líder entre as três levantou-se dizendo – vamos, garotas, este ambiente está péssimo, não é digno da gente. Ato contínuo, foram-se embora, deixando os três marmanjos com a cara no chão, sem esboçarem reação, incapazes de deixar os vinhos nas taças. Optaram por continuar sem elas, não sem uma ponta de remorsos na boca, misturado com os esperados tons de chocolate, café tostado e geléia de fruta madura.

            Perguntou o mais bem sucedido dos três homens, vice-presidente de uma grande empresa internacional no ramo do vidro, europeu de origem, mas há mais de dez anos morando no Brasil – Como vai a sua filha, melhorrou? – Ela está degustando uma nova experiência que mexe com todos os seus sentidos. Sim, obrigado pela lembrança – respondeu a mulher mais jovem, igualmente cordial – adaptou-se melhor à nova situação de vida, você sabe, mocinhas assustam-se com o seu ritual de passagem, quando se tornam mulher.

          O corretor de imóveis, o mais agitado dos três, querendo ser simpático e estender a conversa arrematou – Degustando uma nova experiência? Mexe com todos os sentidos? Quer dizer, uma nova sensação organoléptica, eventualmente causado por uma melhor oxigenação? Ela está vivendo como se fosse um vinho que se transforma? É assim como passar de um vinho jovem sem madeira, para um vinho mais classudo, mais bem feito, um vinho de guarda? Sem pronunciar uma só palavra, as mulheres novamente se levantaram e foram embora, enquanto os dois outros homens olhavam para o incauto, indignados.

          Ele apenas balbuciou baixinho, olhando para a taça cheia de vinho à sua frente – Sujou.

 Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR