Reflexões do Fundo do Copo – Car Wash
Mais uma deliciosa crônica do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.
– Está pronto?
– Prontinho, senhor
– Saiu todo o cheiro?
– Saiu, senhor, o material antibacteriano que usamos é aprovado pela USP e copiado em toda América
– Falando em América, o senhor é americano?
– Estou no Brasil há mais de seis anos, mas o sotaque não me deixa mentir
– Veio por quê?
– Briguei com meu pai, muito mandão, acha que tem o único nariz precioso do mundo
– Como assim?
– Ele é degustador de vinho muito famoso, mas erra bastante e não tem coragem de admitir
– É, parece que o cheiro saiu mesmo… Por um momento, achei que ia ter que vender o carro
– Nossa, só por conta de um caldo derrubado?
– É que cheiro de peixe vai impregnando, dominando o ar, conquistando todos os espaços por osmose, sabe como é?
– A propósito, senhor, desculpe a pergunta, foi o senhor que preparou?
– Preparou o quê?
– O caldo derramado
– Sim, fui eu
– Devia estar muito bom!
– Ué, como é que o senhor pode saber?
– Não digo com toda certeza, mas a gente se acostuma com cheiros, não é? Achei muito bom fazer um caldo com dois ou três tipos de conchas, misturado com o caldo de polvo.
– Como é que é? O senhor reconheceu a presença dos caldos do marisco de casca preta, do vôngole e do marisco de mangue?
– O senhor preparou com um vinho branco nada especial…E ainda completou com algum creme de leite… Era fresco ou de lata?
– Não acredito que por conta do cheiro de algumas gotas de caldo derramados no porta-malas do carro, depositados no compartimento do estepe, o senhor tenha condições de identificar tudo isso! O senhor entende de qualquer cheiro?
– Acho que sim. Sou um especialista em identificar, de metabolizar perfumes e sabores.
– Algo mais?
– Bom, não tenho certeza, mas acho que o senhor acabou usando uma mistura de azeite e manteiga, fritou um pouquinho com alho-porò, não foi?
– Era manteiga.
Fui embora espantado, pensando em como usar o filho do Robert Parker nas minhas experiências enogastronômicas.
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR