Reflexões do Fundo do Copo – Vinho, um investimento líquido e certo
Uma coisa que pouca gente sabe é que fui conselheiro para assuntos comerciais da rainha Vitória I, de acordo – ao menos – com as cartas jogadas por uma cigana. Teria sido minha a idéia revolucionária de comprar a burguesia industrial que se formava nos Países Baixos, vinte e tantas famílias responsáveis pela industria tecelã já florescente, além de tantas outras. Já nos anos de inflação sem freio em torno de 1990, tornei-me consultor informal dos meus amigos que ganhavam salários além do que podiam gastar, ajudando-os inclusive na árdua tarefa de garantir o futuro de suas adegas para as próximas gerações.
Era possível, na época recomendar investimentos nas grandes marcas, nos grandes de referência mundial. Com uma inflação galopante, o dólar era patrimônio estável e crescente, o que permitia sugerir Investimentos sem risco para grandes investidores como os grandes bordeaux (premier grand cru classée), os Tokay 5 pontos, os grandes Porto, e as champagnes mais longevas e reconhecidas. Hoje em dia, o mundo do vinho mudou. As grandes marcas, além de continuarem sua valorização constante, estão cercadas de falsificadores por todos os lados, particularmente chineses. Quem dita tendências do mercado são os compradores americanos, mais impositivos do que os respeitadores ingleses, japoneses e alemães que sempre estiveram liderando as importações da França e Itália, os principais produtores de ícones na área. Significa uma mudança de gosto, que influencia diretamente o olhar do mercado. Grandes nomes estão sendo contestados, muitas vezes. Vinhos de grande prestígio, como Vega Sicilia, Barca Velha, Barolos e Barbarescos e Brunellos saíram do primeiro grupo de preferências, talvez por não serem vinhos de restaurante… Afinal, não se abre um Barolo para tomar imediatamente, é preciso um descanso de uma hora no mínimo. Mesmo os mágicos vinhos tintos da Cote D’Or da Borgonha perdem mercado e não são tão desejados como já foram, apesar da recente alta que tiveram com o filminho “Sideways”.
Apesar disso, continuo recomendando vinhos de excelência para aqueles que querem sair da Petrobrás e investir numa adega climatizada. Não há investimentos mais seguros do que um lote de Grange australiano ou Amarone vêneto. São produtos quase tão consensuais quanto um Margaux ou Petrus, ninguém contesta, ninguém duvida da qualidade e da longevidade. Neste mesmo plano, recomendo Hermitage e Cornas, os dois maiores ícones da uva Syrah, igualmente acima do bem e do mal.
Não é bom negócio investir neste momento em Brunello di Montalcino, apesar de historicamente ser um vinho de grande prestigio, pois está sob judice DOCG, acusado de satisfazer a demanda crescente de modo não autorizado, ampliando a produção com a adição de uvas francesas em volumes não autorizados. Mas é sim, grande negócio comprar Supertoscanos, grandes vinhos do Duero, do Douro e do Priorato, mesmo sabendo que o dólar não está tão favorável, porque são investimentos sólidos de retorno garantido por mais de cinco anos.
Não recomendo os grandes americanos da histórica disputa de 1976, quando bateram – em blind test – os melhores de Bordeaux, porque estão supervalorizados, mantidos com preços astronômicos por eficiente trabalho de marketing. O Novo Mundo tem sua coleção de ícones a investir, começando pelo Opus One, Don Melchor, Almaviva e Catena Zapata, mas não me entusiasmo na recomendação, acho que fazem muito barulho por pouco, diria Shakespeare. Mas meu gosto não conta, conta o valor de mercado, não é?
Vinhos considerados ultrapassados no gosto atual, apesar de continuarem perfeitos em sua vinificação, de madeira excessiva para os padrões atuais, mas que se mantêm prestigiados com vários fãs-clubes ao redor do mundo – Barca Velha, Vega Sicilia, Barolos e mesmo Barbarescos encabeçam o grupo dos Investimentos que já foram totalmente seguros. Vão durar muito tempo, protegidos pelos taninos de carvalho, envolvidos numa aura de qualidade, mas desfavorecidos pelas tendências de mercado. Os investidores têm dúvidas quanto ao esforço de renovação que se nota em seus territórios, pois – como sempre acontece nesses casos – a mudança não é aclamada nem pelos conservadores nem pelos conjuntos dos inovadores…
Sou entusiasta dos Investimentos mais agressivos para grandes e médios investidores. São altamente recomendáveis os destaques dos vinhos do Piemonte que apesar de não serem classificados em DOC, são apostas dos produtores mais qualificados, como o Angelo Gaja, que reproduz, em parte, o movimento que culminou nos supertoscanos. O mesmo se pode afirmar para os grandes produtores de Franciacorta, não apenas restritos aos excepcionais espumantes, mas também aos tintos de uva francesa. Ainda na Italia, é possível apostar nos vinhos Farnese da Umbria, nos vinhos como o Graticciaia da Puglia e nos grandes da Sicilia como o Dona Fugatta. Os vinhos modernos de toda a Espanha estão em alta no mercado mundial; Ribera Del Duero como Abadia Retuerta e Pesus, Rioja como o 890 Rioja Alta, Priorato, Rueda, Navarra. O mesmo se pode dizer para os garrafeiras de Portugal inteira, a começar pelos tintos do Douro, com uvas autóctones de grande futuro além dos Touriga e Baga. Na Argentina, destaca-se a produção da Achaval Ferrer, no Chile a da Casa Carmen, ambos cotados para ícones nos próximos 3 anos.
Mas meus olhos brilham mais quando indico Investimentos mais agressivos para grandes, médios e pequenos investidores. Neste momento, é recomendável investir de olho no futuro muito promissor dos vinhos tintos brasileiros, que superaram os limites da chaptalização criminosa (adição de açúcar depois da vinificação concluída, para compensar o baixo teor alcoólico). Há produtores que trabalham de acordo com a mais alta tecnologia, com as melhores mudas vitiviníferas, com acompanhamento enológico que não deve nada às melhores produtoras californianas. Estão neste padrão, além das reconhecidas Miolo, Valduga, Salton e Aurora, vinícolas menores como Argenta, Boscato, Villa Francione, Lidio Carrara, Família Bettù, Cordilheira de Sant’Ana entre outras. Esta é a minha caravana. Do alto dela, observo sereno o latido desesperado dos cães pelo caminho.
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR