Dois Portugueses de Reflexão
Duas situações, dois vinhos diferentes com duas propostas diferenciadas, porém de igual impacto gustativo que me deixaram nas nuvens. Os vinhos portugueses há muito que deixaram de ser rústicos com promessas de futuro, para serem realidades de grande complexidade, boa estrutura e, quando lhes é dado o devido tempo para evoluir, verdadeiros elixires dos deuses. Estes dois fizeram parte do seleto grupo de vinhos que elegi neste ano de 2008 como meus Deuses do Olimpo, ou meus TOP 25. Não são somente grandes vinhos portugueses, são Grandes Vinhos de nossa Vinosfera!
Mais do que uma degustação, os mesmos se destacaram entre uma mesa repleta de verdadeiros néctares, todos grandes vinhos, e mostraram uma enorme persistência em minha memória. Por isso estarem aqui nesta categoria que poucos frequentam, a dos meus Vinhos de Reflexão. Outros já poderiam estar por aqui, mas vinhos degustados em feiras e eventos de maior porte, em que as doses de degustação são compreensivamente minúsculas, não contam. Apesar de terem, eventualmente, despertado fortes emoções, não as concretizaram em função da falta de “liquidez” na taça o que inviabiliza uma análise mais profunda que os poderia trazer até aqui. Agora chega de lero e falemos dos vinhos.
Chryseia 2001, um produto de grande categoria elaborado no Douro pela Prats & Symington, um delicioso corte de Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e Tinta Roriz. Na mesa junto com ele, em almoço de final de ano com amigos, um Gandjó Reserva, um Catena Zapata Agrelo Estiba Reservada 02, um Don Melchor 97 e para finalizar e brindar a mais um ano que passou, uma Veuve Clicquot Ponsardin. Almoço difícil de ser esquecido, tanto pelas garrafas, como principalmente pelo momento e pelos amigos com que foram compartilhadas, algo meio histórico. A prova de que grandes vinhos necessitam de tempo para mostrarem todo o seu potencial e esplendor, um vinho de grande categoria que o tempo aprimorou, um vinho que desperta fortes emoções e enorme prazer. Um vinho que já ao ser vertido para a taça mostra ao que veio. De cor escura ainda sem mostrar sinais de sua idade após seis anos de vida e com uma paleta olfativa complexa em que ressaltam as frutas silvestres e algo herbáceo. Na boca mostra uma incrível harmonia e equilíbrio que resultam em taninos macios e aveludados, muito boa acidez que lhe dá um caráter diferenciado de grande frescor, uma complexa concentração e riqueza de sabores que nos levam ao nirvana logo ao primeiro gole. Extremamente elegante com um final de boca muito longo e levemente achocolatado, é um vinho que persiste ad-eterno na memória. Já encomendei duas garrafas mais para uns amigos que irão a Portugal agora em Janeiro já que aqui, não consigo bancar.
Na minha humilde opinião, um vinho para ser tomado com um mínimo de cinco anos de guarda, devendo atingir seu ápice, dependendo da safra, por volta dos oito a dez anos, talvez até um pouco mais. Para fazer a prova dos nove (alguém ainda lembra?), precisarei abrir uma 2003 neste novo ano que rapidamente se aproxima. Dá para tomar antes, certamente que sim, porém acredito que a finesse e elegância, que o vinho ganha com o tempo, não aparecerão quando tomado muito jovem com dois ou três anos, mas aí vai muito do gosto de cada um. Para mim, este 2001 mostrou ser um dos melhores vinhos que jamais tomei nesta minha curta vida de navegante de nossa vinosfera. Não dando para bancar este vinho, seu “segundo” vinho é o Post Scriptum que é excelente e uma tremenda relação custo x beneficio. No Brasil você encontra na Mistral e a Grand Cru (nesta ultima somente o Chryseia) porém o 2001 acho que está esgotado. Se tiver bala na agulha, compre o 2003.
Moscatel Roxo de Setúbal 97, produzido pela Quinta da Bacalhôa com esta pouco conhecida e rara variedade de moscatel, aparentemente autóctone da região de Terras do Sado. Um vinho de sobremesa que tive o enorme privilégio de tomar em um jantar degustação a convite da ViniPortugal, realizado nas bonitas instalações do Consulado de Portugal em São Paulo, um evento sobre o qual falarei em Janeiro com mais calma. Agora quero é falar deste incrível néctar que se destacou entre outros grandes vinhos como; Morgadio da Torre Alvarinho 07, Quinta do Corujão Dão Grande Escolha 04, Paulo Laureano Alicante Bouschet 05, Quinta do Crasto Touriga Nacional 05, Redoma Branco Reserva 05, Quinta do Zambujeiro 03 e um Madeira Justino Old Terrantez. Todos os vinhos mostraram enorme qualidade, vinhos de respeito em qualquer lugar do mundo com alguns realmente excepcionais, mas este Moscatel Roxo, vinho licoroso com 18 a 20º de teor alcoólico, despertou sensações diferentes entre os presentes e farei uso de duas frases geniais que ouvi nessa noite da boca de dois experientes e conhecidos enófilos, Carlos Cabral (se referindo ao Touriga da Quinta do Crasto outro grande vinho) e Walter Tommasi, para descrever minhas emoções; tanto para dizer que este vinho deve ser servido junto com uma almofada para que possamos nos ajoelhar e agradecer aos deuses por tamanho elixir, como para dizer que esta verdadeira iguaria não é para ser; nem cheirada nem tomada, mas sim lambida!
Como costumo dizer, há vinhos que não sabemos se cheiramos ou bebemos, pois este é daqueles pelo qual nos apaixonamos à primeira fungada! É extremamente sedutor, com notas florais que me fazem recordar laranjeira e rosas, com algo de frutos secos e mel, talvez até influenciado pela incrível cor amarelo dourado, quase topázio, uma verdadeira preciosidade. Tudo isso, no entanto, não convence se quando chega à boca esses aromas morrem e são substituídos por um liquido xaropento, enjoativo e sem vida, decorrente da falta de acidez muito comum em muitos vinhos doces. Este Moscatel Roxo da Quinta da Bacalhôa é o oposto de tudo isso, pois possuí uma acidez maravilhosa que lhe aporta uma personalidade muito vibrante, elegante, de grande leveza e maciez que convidam ao próximo gole. Absolutamente encantador aos seus jovens onze aninhos, nove ou dez dos quais envelhecendo em meias pipas de carvalho, devendo, conforme pesquisado, ainda evoluir por mais vinte, trinta ou mais anos! Para tomar devagar, após o almoço, jantar ou a qualquer hora, sorvendo todas as suas nuances e desfrutando de toda a sua riqueza de sabores. Esta maravilha dos deuses dá para encontrar na Santa Ceia (19 – 3836.2202), aqui em São Paulo, Vinhedo e Campinas ou na Portuscale (importadora).
Salute e kanimambo por um ano de 2008 certamente muito enriquecedor. De grandes descobertas e conquistas, maravilhosos aromas, nem sempre bem identificados, muito sabor e enormes surpresas.
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