Reflexões do Fundo do Copo – Entre o Exótico e o Original
Quantos litros de vinho e de que categoria é preciso produzir para nosso vinho tinto exportado representar algo mais do que um número à direita do zero nos gráficos dos grandes mercados compradores? Ou será que basta produzir algo de realmente novidadeiro para que faça sucesso, mesmo sem ter batido recordes de produção?
Para responder com alguma seriedade a esta pergunta, é preciso fazer como os australianos Glyn Wittwer and Jeremy Rothfield* ao analisar as tendências do mercado internacional do vinho para 2010, num trabalho publicado na Australian Agribusiness review, volume 13 de 2005 (http://www.agrifood.info/review/2005/Wittwer_Rothfield.html), onde parâmetros de qualidade e quantidade foram definidos a partir da análise das mudanças ocorridas no mercado em 40 anos, em termos de consumo, de países fornecedores e países compradores. O que se sabe é que há 50 anos, a maior parte do vinho produzido era consumida pelos próprios países produtores. Mercados liderados pela Itália e pela França em produção e consumo lançavam nos mercados importadores produtos com destinos sócio-econômicos diferentes.
Os franceses atendiam os consumidores ricos dos países ricos e era ícone de sofisticação, pois seus Haut-Brion, Iquem e Romanée Conti continuavam sempre valorizados – como são até hoje – enquanto que alavancavam alguns produtos não tão conhecidos, como os do Rhone, por exemplo. Os italianos, ao contrário, faziam o papel do vinho de mesa, dando continuidade gastronômica aos hábitos alimentares levados para os países de forte imigração, principalmente do Novo Mundo. Não por outras razões, os chianti de palhinha, os valpollicella, montepulciano e barberas sempre se destacavam onde houvesse grandes concentrações de famílias vindas da Itália, no Brasil, Chile, Argentina, Austrália e principalmente nos EUA. Os vinhos da Espanha e Portugal faziam o mesmo caminho da Itália, apesar de em volume menor, servindo países como o México, que jamais deixou de importar os vinhos da velha península ibérica, em medida similar à ação comercial dos brasileiros vis-a-vis da produção portuguesa.
A análise dos australianos mostra que o crescimento do mercado internacional se deu na proporção inversa do que ocorria nos países produtores tradicionais, que caiam de um consumo de mais de 100 litros per capita de 1961 a 1964 para menos de 60 litros de 2000 a 2003. Mostra igualmente que estas informações cruzaram com a duplicação do consumo per capita em países compradores como Alemanha, Inglaterra e EUA, que saem de um consumo abaixo de 5 litros per capita em torno de 1980 e chegam ao novo milênio com um consumo acima de 20 na Alemanha dos 25 litros nos EUA. A partir daí, em uma década os novos produtores de vinho pularam de um movimento abaixo de 200US$milhões por exportador, para um patamar de 800US$milhões, tendo sempre a Austrália como líder do processo, com mais de 1,5US$bilhão para este último período, realizando mais do que o dobro do Chile, o segundo lugar.
Mas não ficaram apenas nos números brutos e sua evolução nos anos. Analisaram 47 regiões produtoras do mundo, sendo que 38 destes se confundem com nações individualizadas de modo compartimentado nos segmentos Super Premium (acima de US$5), Premium (abaixo de US$5, acima de US$2,50) e simples (abaixo de US$2,50). Descobriram com isso, que enquanto o vinho de exportação neozelandês mostrou-se prioritariamente Premium, o sul-africano mostrou-se prioritariamente comum. No caso do Chile as proporções eram equivalentes. Desta forma, os números mostram que os destinos “EUA e Alemanha” tornaram-se orientadores de mercado, registrando as movimentações mais marcantes que se possa imaginar. A Alemanha compra atualmente vinhos espumantes do DOC Moscato D’Asti e outros espumantes, além de um volume considerável de vinhos jovens e frutados. Mas os EUA formaram um consumidor mais voltado para o chamado vinho amadeirado de degustação, com muito corpo e álcool.
Como entrar nestes mercados? Há espaço para mais um? É preciso analisar a rota de sucesso trilhada por nossos vizinhos como o Chile, que – amparados no prestígio de marcas francesas como as do Baron de Rotschild, sócio do Concha Y Toro no inquestionável case Don Melchor – logo fez um barulho enorme junto aos formadores de opinião, o que fez com que o consumidor passasse a olhar com interesse o que vinha do Chile. É preciso saber o que estes símbolos mercadológicos que se criaram para cada país realmente significam em termos de fatia de mercado. É preciso então, não apenas avaliar os mercados que seu produto pode disputar, mas também qual é a condição mercadológica do vinho tinto brasileiro, qual é sua real especificidade, num mundo voltado ainda para as cabernet sauvignon da vida. Ou seja, lançar um produto com uvas sobejamente conhecidas deverá ter um certo impacto no impacto por conta da novidade, mas não deverá manter uma linha de crescimento se não ocupar o espaço da originalidade, da especificidade.
O fato é que os sul-africanos são reconhecidos como produtores de qualidade com várias uvas, tendo inclusive uma que é a sua cara: a Pinotage; do mesmo modo, os argentinos com a Malbec, os chilenos com a Carmenère, os uruguaios com a Tannat, os australianos com a Shiraz e os californianos com a Zifandel. É notável que desta lista acima, apenas a Shiraz disputa espaço com o velho mundo, mesmo assim com uma mudança esperta – Shiraz no lugar da Syrah francesa – conferindo a si originalidade na carta de vinhos oferecidos ao consumidor final. As outras são produtos de menor expressão na origem européia, mesmo nos casos da Malbec e da Tannat, tradicionalmente prestigiadas apenas enquanto uvas de corte em Cahor e Madiran respectivamente.
Nesta avaliação, cabe também ressaltar a revalorização de uma quantidade considerável de uvas autóctones que estão fazendo bonito nos mercados mundiais, como são os casos das renovadas uvas Barbera e Dolcetto do Piemonte italiano, das finas Nero D’Avola, Aglianico e Primitivo do sul da Bota, da Garnacha/Grenache espanhola/francesa, da multinomeada hispânica Tempranillo, que, juntas, ampliam o mercado produtivo europeu, intensificam o potencial de criação de divisas destes países. A França deixou de ser apenas o país de duas regiões famosas internacionalmente, mas de ao menos cinco, o Rhone norte e sul, o Loire do Chinon e o Languedoc de mouvèdre e negrette. A Itália deixou de ser apenas o Vêneto, o Piemonte e a Toscana, para ser também a Umbria, o Alto-Adige, a Puglia, a costa Amalfitana e a Sicilia. A Espanha da Rioja e do Penédes, voltou a ser Ribera Del Duero, tornou-se Priorato, Andaluzia, Catalunha. Portugal deixou de ser a terra do Porto, Madeira, Minho dos Verdes, Bairrada e Dão, para ser também Douro, Extremadura, Algarve e Alentejo.
O assunto não se esgota aqui e no próximo artigo pretendo estender a reflexão para o que acontece neste nosso mercado interno, que cresce, cresce, cresce….., mas que praticamente ainda não conseguiu sair do lugar!
Mais um inteligente texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
Maravilha de artigo!!
Excelente artigo. É mesmo para refletir…qual será o fator de diferenciação do vinho nacional, perante os vinhos lá de fora?
abs
Rogério