Reflexões do Fundo do Copo – A Rolha.

breno3         Há alguns anos atrás, em 2006, o site do Josimar Mello, publicou um artigo meu cujo título era “Vamos abrir a rolha?”. Tratava de uma questão aflitiva para todos aqueles que gostam de vinho, que acabam por querer compartilhar com amigos suas mais recentes descobertas. Fazia uma avaliação das razões e dos erros que se comete com esta atitude. Talvez por ter lido meu artigo de então e refletido profundamente minhas dúvidas quanto à justiça de se cobrar ou não a “rolha” – uma taxa de serviço sobre vinhos que o cliente traz para ser degustado em restaurante – o grande e já tradicional Bar Balcão (São Paulo, Rua Dr. Melo Alves, 150 – Jardim Paulista)  acabou com o problema: simplesmente impede que seus clientes tragam o vinho de casa! Vinho, apenas o que tem lá para vender e não adianta argumentar com o garçom, ele gentil e educadamente não cede.

           Foi o que me aconteceu ontem mesmo e nem quis desrespeitar as ordens dos gerentes e proprietários, meus conhecidos de tantos anos, até porque mantenho relações familiares com um dos acionistas minoritários desde as primeiras horas do empreendimento tão bem sucedido. Cheguei esbaforido e atrasado, com uma mesa composta por outras cinco pessoas. Carregava debaixo do braço duas amostras que sobraram da aula que tinha acabado de dar na Casa Cor Boa Mesa sobre vinhos italianos. Uma das amostras era um excelente Barbera e a outra um grande Valpolicella di Ripasso, dois vinhos que fazia questão de dividir as sobras com os amigos. Fui impedido.

          É a primeira vez que vejo isso acontecer, apesar de ter vivido confrontos mais ou menos pesados por conta deste item, seja com gerentes, seja com donos de restaurante. Vivi um bate-boca sério com o amigo Pasquale, dono do restaurante que leva seu nome, por ter ele praticado uma irregularidade muito comum para todos os que cobram rolha sem pensar no que está fazendo: que aplicar uma sobretaxa de serviço sobre o preço cobrado da “rolha”. Ou seja, a “rolha” é um serviço em si, não pode compor o preço que se aplica sobre os 10% de serviço! Se não fui claro, exemplifico – digamos que a “rolha” cobrada seja R$25,00 e a conta do que se comeu tenha sido de R$85,00. Portanto, o justo será cobrar R$85,00 + R$8,50 + R$25,00 = R$ 118,50; e não R$85,00 + R$25,00 + R$11,00 = R$121,00. Diferença pouca nos números, mas não na honestidade dos custos, aceitando-se que a “rolha” é um custo justo de se cobrar, bem entendido.

          Está dada a queixa. Espero que blogs que defendem o consumidor como o Alhos e Passas, o Luiz Américo do Paladar, o e-bocalivre e outros bolgueiros seguidores dos princípios de Ralph Nader me copiem! Abaixo, reproduzo o artigo citado, colocando meus comentários de revisão em itálico e entre aspas apenas naquilo que pareceu datado:

VAMOS ABRIR A ROLHA?

Sub-título: A rolha cobrada por um restaurante é ou não um fato inibidor para gourmets, que escolhem uma ocasião especial para compartilhar um rótulo de sua adega?

Texto: Josimares, Lorençatos e Sauls (este, infelizmente, não está entre nós para exercer a crítica), críticos de gastronomia em geral: criem mais este tópico para avaliação. Gostaria muito de saber se determinado restaurante cobra ou não pela rolha do vinho.

 hand20with20moneyrs1        “Rolha” é nome que se dá a uma praxe duvidosa que os restaurantes praticam sob a justificativa de cobrir despesas sobre o serviço do vinho que você bebeu…. Mas não pagou. O cliente vai à mesa, entrega uma garrafa de vinho que trouxe consigo e pede para o garçom abri-la, servi-la em temperatura e copos apropriados. São despesas referentes ao custo de manutenção e reposição de copos, ao custo do treinamento do pessoal do serviço, ao uso do equipamento de refrigeração, que permite que o vinho seja servido adequadamente. Na prática, a rolha é um fator inibidor — por mais que o parágrafo acima pretenda esconder este fato e servir de explicação. Se somarmos todo o serviço do vinho, ele resultaria num valor irrisório que jamais justificaria os cerca de R$ 80 por garrafa cobrados em alguns restaurantes de São Paulo, como o Fasano e Risoteria Segatto.

          A “punição” costuma ser determinada levando-se em conta o preço dos vinhos que compõem a carta do restaurante, como confirma a chef Isabela Masano, do Amadeus. Lá, a rolha custa R$ 40 — preço do vinho mais em conta de sua carta. Com argumentos parecidos, o Fasano cobra R$ 80; o Segato, R$ 75; e casas paulistanas como o Due Cuochi e o Martin Fierro, R$ 25 (estarão estes números revisados?). Por que inibir o cliente que escolhe seuwine cork ball restaurante para comemorar uma situação especial com uma taxa evidentemente punitiva? Ida Maria, proprietária do Due Cuochi, filosofa: “Faço questão que você venha com a sua garrafa. Sabe por quê? Se eu causar dificuldades para você consumir o vinho que quer beber, simplesmente você me abandonará por um outro restaurante qualquer!”. Não, você não leu errado, no parágrafo acima, que o Due Cuochi cobra R$25 a rolha, assim como a informação do Fasano está correta. A regra é válida somente aos clientes de primeira viagem! Pois aos habitués e aos amigos, nada de lei.

         No Fasano, o amigo é muito bem servido e recebido com seu vinho, como no Due Cuochi e em qualquer outro citado neste artigo. Alguns dos entrevistados chegaram a considerar que o restaurante que não cobra rolha é decadente. Ora, o Magari e o D.O.M. acreditam ser a adega mero complemento da comida (esta afirmação se mantém?). Seus clientes vão comer o que eles prepararam, no ambiente que oferecem. O bom vinho está lá, como está o bom sal, o bom azeite, a boa iluminação. O empresário que investiu no restaurante tem todo direito de ficar nervoso quando um cliente chega com um rótulo debaixo do braço. Com os óculos do lucro ele vê uma perda irrecuperável e um hábito que pode se propagar entre os outros clientes, o que traria conseqüências desastrosas para seu negócio. Concede-se ao empresário o direito de argumentar que cobra uma “taxa de incerteza”, pois não pode garantir a qualidade do vinho que veio de um local desconhecido, sem nada saber sobre sua conservação, transporte e região, o que poderia, de fato, estragar a harmonia necessária para melhor degustar a sua arte culinária. É possível até considerar o argumento que ouvi uma vez de um dos sócios do extinto Santelmo: “Optar por trazer um vinho de casa é um desrespeito à minha adega”…

corks-greg-griffin-stock        Por outro lado, o cliente tem igual direito de ficar nervoso e redirecionar sua bússola na busca por outros grandes castelos da gastronomia em São Paulo. Assim, os empresários à beira de ataques de nervos perdem público, porque a concorrência é grande e saudável. Escolho onde vou comemorar uma data especial numa carteira de opções cada vez maior e melhor. Sou daqueles consumidores que não tinha o hábito de beber vinho em restaurante, a não ser que os preços estivessem realmente razoáveis, muito próximos do cobrado pela importadora. Os preços eram tão exorbitantes que invariavelmente acabava bebendo outra coisa. Na Europa, a diferença entre o vinho servido num restaurante em condições normais não passa de 30% do que se pagaria pela mesma garrafa numa loja especializada ou num supermercado qualquer. No Brasil, até poucos anos atrás, o baixo consumo, as más condições de guarda e a escassa oferta podiam até explicar o dobro do preço que o restaurante cobrava em relação ao que tinha sido pago. De uma parte, para amortizar o valor do vinho que tinha no estoque — e que deixou de ser consumido por falta de cliente — e, de outra, por alguma estranha ganância, pois o bebedor de vinho era visto como um consumidor sofisticado e cheio da grana, pronto para pagar o vinho que não foi consumido pelos outros clientes!

        Mas houve um aumento geométrico da oferta da bebida pelas importadoras e pelos comerciantes de vinho em geral, o que, num círculo virtuoso: aumentou o hábito de consumo, aparelhou os restaurantes para o serviço e conservação dos rótulos, diminuiu o custo do vinho estocado e o preço do vinho comprado pela concorrência entre as importadoras, aumentou a procura por vinhos de melhor qualidade etc. Alguns restaurantes costumavam respeitar o esforço e valorizar a presença daquele cliente não habitual. Abriam espaço para o vinho que se trouxe de casa, sabendo que aquela garrafa podia estar guardada há anos esperando por uma ocasião especial. No meu aniversário de 2004 levei ao La Paillote uma Taittanger Comtes de Champagne Rosé Millésimé que ganhei, e o restaurante me acolheu com total naturalidade e sem qualquer custo adicional. No aniversário de casamento de um primo meu, fomos ao Santo Colomba com garrafas de Gevrey Chambertin que nos foram servidas e saudadas pelos serviçais com grande alegria. Pois se você for como eu, deve comprar muito mais vinho do que é capaz de consumir.

         Quanto aos meus amigos, todos compram vinho, todos querem mostrar aos outros sua última “enodescoberta”, e isso se dá quase sempre em restaurantes. Ou seja, não é o vinho que trago de casa que me afasta do consumo do produto estocado na adega do restaurante. É a visão que o proprietário tem do vinho em seu negócio que me joga nos braços da concorrência. Falta fechar o artigo com alguma pedra filosofal? Acho que não, deixe-o assim, aberto como um vinho sem rolha que precisa de oxigenação para se misturar ao mundo e ganhar o seu verdadeiro lugar.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.