Crônicas do Breno

Mais um Azarão Faturando uma Degustação às Cegas

breno3O amigo e colaborador Breno Raigorodsky volta e meia retorna a este blog com crônicas e relatos que deixam sempre algo para se pensar, não fosse ele também um filósofo! Neste momento em que o trabalho, aquele que rende (!), toma conta de todo o meu tempo e a inspiração teima em não aparecer, o Breno nos envia este interessante texto. Aproveitem o fim de semana para ler e reler tirando suas próprias conclusões. Salute e kanimambo.

          “Espero que você não fique angustiado com o que vai ler a partir daqui, pois suas certezas mais uma vez irão parar no lixo. Quem deveria ganhar esta degustação, o vinho mais caro ou o mais barato? Quem deveria estar no topo, o famoso Barbaresco, o consagrado Barolo o simples Nebbiolo, ou ainda o mais improvável Barbera? Numa degustação anterior, quando o mundo dos vinhos do sul do Rhone ganhou uma amplitude muito maior do que se esperava ao vermos os Côte de Ventoux mostraram-se a altura de qualquer disputa regional, desbancando os vinhos mais notáveis da degustação Chateauneuf-du-Pape incluso, ocorreu algo igual.

       Mas não, não me sinto nem um pouco privilegiado pela originalidade com estas surpresas. Agora mesmo corre pela internet um vídeo no youtube de uma degustação feita com gente muito séria e competente, onde um vinho de 14 Euros (Chateau Reignac) tirou segundo lugar, numa prova às cegas onde estavam presentes alguns dos maiores monstros sagrados da literatura específica, grandes Bordeaux, como Petrus, Lafite, Latour, Ausone etc. todos eles custando acima de 700Euros, numa desproporção que “echape”! Desde 1976, aliás, desde que os californianos bateram os franceses em terra gaulesa, as surpresas nas degustações não pararam mais.

 Agora, me permitam esticar um pouco mais esta digressão.

       Somos um poço de inseguranças trasvestidas em certezas, quando se trata de impressões sensoriais e nas degustações às cegas isso fica super evidente. Tateamos claudicantes por um castelo de cartas sempre muito disposto a desabar, feito por expectativas. Sintomático é o caso que apareceu há meses no Estadão de uma experiência feita nos EUA, onde experientes degustadores foram chamados a escolher entre dois vinhos, sabendo que o primeiro custava o quádruplo do segundo, US$80,00 e US$20. A preferência massacrante caiu sobre o primeiro, apenas por conta da excitação que a relação preço/qualidade cria em nossos neurônios porque eram exatamente iguais, eram gêmeos em garrafas diferentes, como se mostrou aos degustadores no fim do teste, para total insatisfação e incredulidade desses!

       Estas inseguranças se escondem sob a forma de informação adquirida em literatura. De fato, um vinho é melhor que o outro por várias razões bem objetivas – complexidade, tempo potencial de guarda, afinamento em madeira nova, afinamento em garrafa por determinado tempo, qualidade da vinificação, solo, clima e plantação em condições ideais, etc. E, no entanto, essas condições serão apenas percebidas como atributos positivos se forem perfeitamente alinhados com condições subjetivas tão importantes quanto – o perfume conhecido exalado pela cepa reconhecida, a cor, a untuosidade e a densidade esperados, servido na temperatura e nas condições reconhecidas ou esperadas.

 Desta feita, numa aula sobre vinhos do Langhe Piemontês, a coisa se complicou por várias razões –

  1. Lá se produz alguns dos vinhos mais desejados do planeta, aspiração dos amantes do vinho em geral, parte componente de um grupo de vinhos que sempre foram muito queridos, desde os tempos que a burguesia queria consumir o que era privilégio da aristocracia. Barolo era o vinho da corte italiana, o “vino dei re, Il re dei vini”. Se não fosse por outra razão, ele se revestiu sempre de uma aura de qualidade apenas abaixo dos vinhos dos reis vindo de Bordeaux e da Borgonha.
  2. Frustrados ficaram os que esperavam mais do Montestefano, por exemplo, um vinho que se sai com 93 pontos dados pelo Robert Parker e o que tem a melhor avaliação entre os degustados é visto assim pela equipe do Wine Advocate: “O Barbaresco Riserva 2005 Montestefano apresenta um núcleo de rosas maduro, pleno de framboesas e especiarias em torno, um vinho redondo e sensual, um Nebbiolo. A complexidade continua com couro, alcaçuz e anis num acabamento sublime e outras nuances. É um grande vinho…”
  3. Ao mesmo tempo, ao contrário dos vinhos franceses mais importantes, cuja cepa e vinificação vêm sendo imitadas e recriadas ad nauseum não apenas no Novo Mundo mas também no Velho Mundo, os grandes italianos do norte são quase desconhecidos, pois suas uvas não pululam por aí. Portanto, os degustadores esperavam afirmar impressões literárias e menos reconhecimentos sensoriais.
  4. Ao contrário dos Barolo e Barbaresco, mas na mesma força em vetor apontado para o outro lado, os Barbera e Langhe Nebbiolo, são percebidos como menores pela literatura. Portanto havia de se esperar menos concentração, menos complexidade. Aqui também, o número de goles destas uvas por participante estava abaixo de duas taças, vida afora!
  5. Os vinhos de hoje estão diferentes dos vinhos de ontem. Mesmo um Barolo, mesmo um Bordeaux, com toda a sua imponência, não resiste aos apelos do mercado comprador, bastante diferente do de 20 anos atrás. Faz-se grandes vinhos muito mais leves e amistosos, assim como se faz vinhos com as uvas menos nobres com toda a nobreza possível na vinificação, exigências do mercado! Ou seja, nebbiolo trabalhado com menos pompa e circunstância, Barbera tratado como se fosse uma uva cujo potencial não tinha sido ainda explorado. Eu, que ousei gostar demais do Barbaresco Santestefano, não o reconheci Barbaresco por um minuto sequer, menos pela complexidade de frutas e florais característicos, mas pela aparência transparente e o sabor muito pronto. Me enganaram direitinho, pois juraria que ele era um Langhe, jamais um Barbaresco, com seus 30 meses de madeira e 24 de garrafa!

 O campeão foi um Barbera D’Asti, desbancando o citado Barbaresco Montestefano e o Barolo Camilano, vinhos que custam entre duas e três vezes mais. Eis todos os rótulos que estiveram presentes na degustação, pela ordem:

  1. Barbaresco Montestefano 2005.
  2. Tenuta Carreta Barbaresco Garassino 2004.
  3. Tenuta Carreta Nebbiolo D’Alba Tavoleto 2008.
  4. Barolo Camilano 2001.
  5. Barbera D’Asti Superiore Valfieri 2005.
  6. Massolino Barbera D’Alba.

     Todos foram degustados pelos 10 participantes em duas passagens às cegas, uma primeira a pão e água, uma segunda com a colunata ou bresaola e o plin regado a azeite de trufas que o Pier Paolo Pichi nos serviu, e finalmente uma terceira passagem, então sem a proteção de alumínio, e acompanhada pelo pato, que fechou a nossa bateria de pratos salgados.

      O nº5 ganhou nas duas primeiras passagens com alguma folga (6 votos e 7 votos, contra 3 votos para o nº4), embora a disputa fosse intensa, já que todos foram unânimes ao dizer que esta foi das degustações mais equilibradas das 10 que já fizemos.”

Mais um texto do amigo e colaborador, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Uma Carta do Breno direto de Flores da Cunha

O amigo Breno Raigorodsky volta e meia ainda nos brinda com algumas participações primorosas como com esta “carta-mail” recebida dele há poucos dias, durante sua entusiasmada visita á vinícola Luiz Argenta, que agora compartilho com vocês. Me deu água na boca, tenho que confessar, e certamente me despertou o interesse de uma visita numa  próxima viagem à reunião.

           João, é bom saber que há vida inteligente correndo solto nas velhas veias da enologia. É a segunda visita que faço para o Deunir Argenta, a primeira foi por ocasião do curso de juiz de vinho internacional que cometi em Flores, anos atrás. Esta segunda se dá com a torre de vinificação por gravidade, em atividade quase que completa e com um enólogo novo, o Edegar, quase que completo também.

             Foi considerado recentemente por uma revista do mercado como uma das 10 vinícolas mais bonitas do mundo. De fato, tem o seu encanto na terra e por estar solidamente arqutitetada e calcada numa rocha que se faz parede interna. Tem o seu encanto no apuro técnico e tecnológico e principalmente em seus 55 hectares de terras apropriadamente onduladas. Fui conversar sobre aquele velho plano de um encontro sobre vinho brasileiro em terras mais centrais, SP, BH ou RJ, o que daria um cunho mais brasileiro e menos regional a um encontro que fosse feito no sul.

            Acabei sendo convencido que no pólo de Flores da Cunha/Nova Pádua, pratica-se alguns dos melhores vinhos do país, só para ser modesto e não dizer do Novo Mundo. O cuvée Luiz Argenta, um corte fifty/fifty de CS e Merlot, com 14 meses de barrica nova de madeira francesa meia tostada, com IPT de 78 e 13,5% de álcool é um monumento, como são outros bravos brasileiros tintos como o Anima Vitis, o Storia, o Nebiollo Bettù, o Francesco, Lote 43 e alguns outros poucos.

            Terra fortalecida, terra das primeiras vitiviníferas brasileiras, terra da gloriosa Granja União, que tive o prazer de encontrar sendo vendido num armazenzinho numa rua atrás do Parc Montsouris de Paris, nos idos de 1973, no mais precoce esforço de exportação do vinho brasileiro (concorria em condições de preço com os fortes vinhos da Argélia). João, experimente o rosé dos caras. Tem um corte exótico de CS, Merlot, CF e Shiraz, com uma cor bem feminina, que te faz esperar um melado em vinho… Mas, surpresa! Afora a falta de acidez final – o que me desagradou – o vinho é “bão demais” na boca.

           E, tirando os conhecidos e consagrados grandes Merlot e C.Sauvignon, obrigatórios em qualquer degustação de excelência entre os vinhos que se faz nesta terra canarinho, tive na boca dois vinhos que considerei improntos: um cabernet franc oxidado no nariz, ótimo na boca e um merlot tirado de pipeta de uma barriquinha de 60litros. Deste Merlot, te digo, o cara tem 110 de IPT, 10g de açúcar residual, 16,5% de álcool. É fruto de 360kg de fruta que se tornaram 60litros!!! Entrou na barrica em 2009 e vai ficar um pouco mais lá, até ser engarrafado e descansar mais algo como dois anos, para ganhar seu buquê final, porque a boca é de uma finèsse que só se encontra nos grandes Amarones.

Salute Breno e kanimambo pela colaboração

Bordeaux pelo Breno, não Existem Dois sem Três!

 

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         Na 1ª aula, com 7 alunos, fomos ao noroeste de Bordeaux no restaurante Santo Colomba: Margaux, Pauillac, St Estephe.

          Na 2ª, com 8 alunos, fomos ao nordeste da região, sem sair do mesmo restaurante: St Emilion, Lalande Pomerol e Pomerol.

          Nesta 3ª aula, agora com 10 alunos, fomos a Graves, cujas expressões máximas são Haut Brion de Pessac Leognan e D’Yquem de Sauternes, presenças obrigatórias em qualquer lista que conte com os 20 mais importantes vinhos que já se fez.

Graves produz também alguns dos melhores vinhos brancos secos de Bordeaux, no corte clássico da região, Semillon/Sauvignon Blanc. É por isso que em vez dos clássicos quatro vinhos presentes nas aulas anteriores, esta contou com uma degustação mais completa – um grande branco, quatro tintos e dois sauternes!

18 de outubro

Por conta dos vinhos, construímos um cardápio mais abrangente: patê de campagne da Santa Luzia, patê de fígado de pato, figo com presunto cru; arroz de codorna, plateaux de fromage com queijos variados em massa, mas tendo como estrelas máximas dois azuis Roquefort Societé e St Agur e uma grande transgressão > um típico manchego no meio dos franceses, todos importados pela Caseus…

O texto que esquentou a conversa sobre Graves é menos sobre a micro-região e mais sobre Bordeaux como um todo: falamos de custos a partir de uma tabela apresentada no Atlas dos ingleses Hugh Johnson e Jancis Robinson, que comenta inclusive o custo do dinheiro em empréstimos agrícolas, algo – diz o livro – na ordem de 100000 Libras Esterlinas por ano por hectar de vinha, ou – na média – 20 Libras por garrafa nos vinhos mais caros.

As diferenças para produzir uma garrafa de vinho são gritantes entre o custo de um vinho comum e um grand cru, justificando uma parte da diferença de preço que cada um chega ao mercado, além dos princípios que regem o mercado em geral, a saber, Procura X Oferta.

Me permito copiar alguns dados que impressionam nas tabelas – enquanto um genérico Bordeaux AC, tem 3330/h vinhas plantadas, um chateaux do Médoc típico bem administrado planta 6500/h, contra 7800/h para um Cru Classé. Muito madeira nova nos últimos, nenhuma madeira nos primeiros. No fim da tabela as conclusões são acachapantes – o custo total por hectolitro do vinho mais simples é de 87 Euros, enquanto que os típicos de Médoc tem um custo médio de 488 Euros, contra 1050 Euros do fruto de Cru Classé. Na garrafa isso vale 0.65 Euros, contra 3.66 Euros, contra, finalmente, 7.88!

Ora, mesmo que 7.88 estejam longe dos 150 Euros que o cru classe pode custar no mercado, vemos que as diferenças de preço são medianamente justificadas…

Continuamos conversando sobre Pessac Leognan, seu solo de muito cascalho e grande aridez, sua receita próxima dos vinhos de Médoc, sua capacidade de produzir bons vinhos brancos, às vezes superiores aos tintos, como disse mais acima.

Por conta disso, L’Esprit Chevalier 2007 branco foi para mesa para enfrentar os patês, o presunto cru e o figo. Um vinho cujo custo no Brasil gira em torno dos R$250,00, caro demais para um consumidor que não está acostumado a investir mais de R$40,00 num vinho branco.

Depois dele, um surpreendente ‘Bois Pertuis 2006’, custando em torno de R$75,00, totalmente fora do grupo, mas mostrando toda a raça de um autêntico Pape Clement – um ícone – do alto de seus 68% de merlot, 22% de C.Sauvignon e o resto em C.Franc, muito bem avaliado pelo grupo que adorou saber seu preço, pois gostou demais do resultado na taça!

Chateau D’Eyran 2004 teve a honra de inaugurar a harmonização com o arroz de codorna, um prato delicado e pouco gorduroso, que sentiu um pouco o baque do vinho, sempre alcoólico, mas, equilibrado, com os taninos bem domados! Apesar de não ter sido o grande campeão da noite, chegou em primeiro para um dos alunos e em segundo para outro. 50%C.Sauvignon, 45% merlot e 5% de Petit Verdot, com um ano de descanso em madeira, após uma colheita manual e vinificação tradicional, produz algo em torno de 80 mil garrafas/ano entre ele e seu segundo vinho. E apesar de ser igualmente um vinho abaixo do preço referência (R$200,00 no mercado brasileiro para o consumidor final), comportou-se com galhardia.

O próximo a se apresentar, sempre tendo a companhia do arroz de codorna, foi o Chateaux Haut Bergey 2005, que se mostrou ainda mais concentrado, inclusive no preço: R$280,00! Com 16 meses de guarda em madeira (50% nova) e com sua constituição estruturada sobre Merlot e C.Sauvignon ele empatou com o campeão em preferências, perdendo apenas na contagem dos segundos lugares de cada um!

E que vinho, este Haut Bergey. Perdeu para um Smith Haut Lafitte, o grande campeão da noite, talvez não apenas pelo líquido, mas pelo rótulo, porque a única coisa que fiz até agora foi esconder o preço de cada, sem me preocupar em ocultar os rótulos… E como o Smith é facilmente memorável pelo nome inglês e faz parte da maioria da lista de grandes vinhos da região, é possível que seja inconscientemente mais “aspiracional” pelo degustador.

Mas independente de qualquer outra consideração, o Smith, com seu corte favorecendo a C.Sauvignon sobre Merlot e C.Franc, com seus 18 meses de madeira – sendo que 80% renovada – impressiona pelo mix tão típico da região, entre a grande concentração e a grande delicadeza! Trata-se, sem dúvida, do milagre que faz o bom vinho em toda a sua essência, sem recorrer a excesso de álcool ou a qualquer recurso perfumístico – contido no nariz, extraordinário na complexidade. Considere-se tudo isso e mais algo que só dá para sugerir numa degustação – seu poder de envelhecimento de algo além dos trinta anos, o que lhe confere ainda mais valor!

Achei que não teria melhor momento para apresentar Sauterne do que este. O prato com os queijos foi dividido entre os vinhos tintos que restaram em cada taça – pela disciplina que adquirimos na prática de reservar as amostras até o fim – e duas meias garrafas de brotirizados, um mais simples que é importado e comercializado na Santa Luzia, o C. Chante L’Oiseau e custou R$50,00 e um outro que vem pela Grand Cru, o Carmes de Rieussec que custa R$97,00.

Talvez por conta do grupo não ser muito habituado a vinhos de sobremesa em geral e por estarem todos mais preparados para uma degustação com vinhos tintos, os Sauternes não empolgaram, mesmo depois que chegou a sobremesa propriamente dita, manga grelhada com sorvetes artesanais de frutas do norte e nordeste. Anyway, a preferência recaiu sobre o mais simples, menos untuoso e menos doce, o Chante L’Oiseau, um pássaro que célere cantando, voou…

Dito tudo, os tintos foram todos muito bem avaliados, com ao menos 3 indicações de preferência entre primeiro e segundo lugares. Por isso, o campeão de fato talvez não tenha sido o eleito pela maioria e sim o vinho mais barato de todos, quatro vezes mais acessível, um verdadeiro ‘Vinho Inteligente’ – o Bois Pertuis que empolgou a todos, mesmo comparado com os outros!

Até a próxima.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado

Aula de Bordeaux “deux”!

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             Na 1ª aula foram servidos 4 vinhos do noroeste de Bordeaux, Margaux, Pauillac, St Estephe. Na 2ª foram servidos vinhos do nordeste da região, St Emilion, Lalande Pomerol e Pomerol. Vinhos do mesmo patamar, com o preço sempre em torno de R$250,00 para o consumidor final.

            Enquanto na 1ª aula, os vinhos de referência eram os grandes de Margaux e Pauillac, responsáveis por 4 dos líderes da classificação que vigora desde a Feira Mundial de Paris em 1855, aqui os monstros sagrados são Petrus de Pomerol, Cheval Blanc e Ausone de St Emilion. Vinhos onde o cabernet sauvignon não reina, ao contrário dos primeiros. Vinhos feitos a partir de merlot ou mistura com Cabernet Franc.

20 de setembro

Fechei o cardápio não sem antes me inspirar em algumas referências bibliográficas, só para ver como esta coisa é errática, longe da pretensa cientificidade que se encontra nos sommeliers de plantão. Penso por mim, penso na trufa branca de San Miniato. Se o prato é perfumado por algo tão forte como a trufa, melhor é ninguém lhe fazer sombra. Um vinho discreto é a melhor medida, a não ser que o fausto seja essencial. Radicalmente falando, para o grande vinho serviria a neutralidade de uma massa temperada mas sem tanta personalidade; serviria um roti que não fosse muito mandão. Em casa, apenas com meus botões, radicalizaria – o grande vinho e uma bela batata com casca, grelhada ao forno, servida num banho de azeite e sal!

         O cardápio: abobrinha e berinjelas grelhadas, bresaola com parmesão e rúcula, ravióli de ricota com manteiga e sálvia, cordeiro com feijões brancos, manga grelhada na calda de pitanga e sorvete de banana.

          Penso no que vou dizer, tento me concentrar como fazia antes de cada apresentação de campanha publicitária para a diretoria da Colgate Palmolive, Mercedes Benz, Brastemp, Unibanco. E o que tenho a dizer é tão pouco, quem sabe eu não sirva para isso de dar aula, com coisa sistematizada demais. Funciono à base do entusiasmo e se desviar o foco, dificilmente retomo de imediato. Pode ser que eu finalmente seja desmascarado depois de tantos anos dando aula de criação publicitária, de taishi shuan, de vinho. É hoje que alguém vai virar pra mim e, na frente de todos dirá – você não é um professor. É hoje, então, que eu olharei em seus olhos e direi – você tem razão eu não passo de um enganador, eu não sei nada sobre este assunto.

             Mas, felizmente para mim e para a paz dos meus alunos, todos estão infinitamente mais preocupados com os vinhos, a comida e bom papo do que com meus crônicos problemas existenciais. Aceitam as apostilas com dados sobre as 3 micro regiões, aceitam sem contestas as anotações genéricas sobre hectares plantados, produção em litros, idade média das vinhas e os 15 bilhões de euros que a região movimenta por ano com seus vinhos.

               Aceitam informações perfumistas, pouco encontradas nas amostras, aliás, de que St Emilion deve apresentar mais morango e groselha; o Lalande Pomerol frutas vermelhas, animal (gibier) e couro, para evoluir em direção à ameixa e o cacau, enquanto que Pomerol será o único a florir com violeta, além de apresentar tantas similaridades com seus vizinhos. Aceitam que o fundamental é descobrir o corpo, a estrutura e não os perfumes, quando se fala de Bordeaux em geral, já que os vinhos têm tons herbáceos muito presentes, principalmente quando são vinificados no estilo “Velha Guarda”. Aceitam as informações que passo sobre a compra dos vinhos conforme o prometido; aprovam o cardápio, suficientemente harmonizado para que não atrapalhe as conclusões que queremos tirar daqui.

               Os vinhos da aula são um Lalande de Pomerol, dois Pomerol e um St Emilion. Será uma degustação de onde reina o Merlot e o Cabernet Franc. A região contradiz um pouco o conhecimento mais elementar que se tem sobre o vinho de Bordeaux, sempre apresentado como o resultado de uma mistura entre Cabernet Sauvignon e Merlot, tendo alguns coadjuvantes a Franc, Petit Verdot, Tannat e Malbec. Perto de Libourne, ao leste da Aquitania isto quase uma mentira!

            O Lalande é o Ch. Lafleur-Vauzelle. O St Emilion o Clos St Emilion Philipe. Os Pomerol Fayat-Thunevin e Ch. Grand Moulinet. O primeiro tem 70% de Merlot, 15% para cada cabernet; o Segundo é 70% Merlot, 30%C.Franc; o terceiro 100% Merlot e o último 90% Merlot, 10% C.Franc. Todos passam mais de 12 meses de barrica, sendo que o Fayat-Thunevin tem 18 meses. Todos são frutos de vinhas de mais de 30 anos, produzidos em aproximadamente 4 hectares, resultando algo em torno de 20 mil garrafas.

          Apenas o Lalande esteve um ponto abaixo dos outros três, que disputaram palmo-a-palmo a preferência do grupo. A propósito, vale a pena comentar o erro didático que cometi – apresentei os vinhos e seus preços enquanto servia. Talvez não por coincidência, a preferência quase unânime recaiu sobre o mais caro, enquanto que o Lalande, de 30% a 60% mais barato que os outros, foi o menos preferido.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação mensal, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado

O Retorno do Breno – Aula de Bordeaux

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O amigo leitor Ricardo Brito cobrou e eu fui atrás do Breno. Sim, faz tempo que ele sumiu daqui do blog, mas agora retornará, também aos Sábados, a principio uma vez por mês com o relato de algumas aulas/degustação que ele está promovendo, mas não só, já que o espaço está aberto para o que lhe der na telha. Por falar em “dar na telha”, sumi com o post de ontem “garimpando Itália’ pois devido a problemas com a internet e ausência de sinal do speedy, a matéria ficou pela metade sem comentários e outras informações. Semana que vem publico de novo, sorry.

23 de agosto – A aula vai começar em pouco menos de uma hora. São 7 alunos e confesso um certo nervosismo na experiência, por ser ela – quem sabe – a mais difícil que já tive. Quanta ousadia a minha, propor 5 encontros, um a cada terceira segunda-feira do mês, sempre com vinhos Bordeaux, sempre 4 de cada vez.

                No primeiro encontro o lado alto do Médoc; no segundo o sudeste com Saint Emilion, Lalande e Pomerol; no terceiro o lado Graves da região; no quarto juntar o que ficou muito mancante e finalizar com um quinto encontro que reúna o melhor de tudo que se viu nos anteriores. Não me deixa nervoso os novos e muito menos os velhos alunos. Não me assusta o serviço e a harmonização, estes itens estão nas bravas e experientes mãos do Alencar do Santo Colomba, um cara que passou a vida harmonizando sua origem pobre com a vontade de aprender, equilibrando a ambição de melhorar na vida, com a memória malufiana, o talento e a picardia.

               Assusta Bordeaux, que é a região que mais produz disparidades em todo o mundo. Me pelo de medo com esta grandiosidade que constrói uma pirâmide de vinhos cruel, onde no topo fica o Olimpo – absolutamente inatingível – no centro apenas a média e na base, vinhos abaixo disso. Em outras palavras, Bordeaux é sinônimo de expectativa, portanto, passível de frustração. Ícone máximo do vinho, origem do mercado mundial, objeto de desejo de todo bon vivant do Século das Luzes, mantém-se no topo da mente até hoje, vive num misto de qualidades e imagem, que não mais impressiona como costumava impressionar, já que esta geração atual de bebedores de vinho entra no mundo do vinho pela porta do sabor muito mais adocicado, típico das degustações, sem compromisso com a gastronomia e normalmente produzido no Novo Mundo.

             Assusta o meu plano de trabalho: vinhos acessíveis (?!), na faixa dos R$200,00 por garrafa. Se fossem vinhos de R$2000,00 estaria bem mais tranqüilo (ehehehe). Explico para quem precisa explicação – Para Bordeaux, vinhos que custam este preço no Brasil R$200,00 estão um pouco além do mata-burro regional. Os grandes campeões custam dezenas de vezes mais do que os R$200,00, enquanto que os segundos vinhos das grandes casas (Chateaux) e as classificações abaixo chegam muitas e muitas vezes acima deste valor. Cito como exemplo ao acaso > um Chateau Ausone St Emilion, o grande cru da região – o único que rivaliza com o Cheval Blanc – custa a partir de 500E no negociante da região. Seu segundo vinho sai em torno de 200E e o seu terceiro sai a partir de algo em torno dos 85E. Estes 85E, traduzidos para o consumidor brasileiro, significa algo como R$1200,00 na loja. Portanto, um vinho de R$200,00 custa 6 vezes menos do que o terceiro vinho Ausone, que custa 3 vezes menos do que o segundo vinho da casa, que, por sua vez, custa 2 a 3 vezes menos do que o grande ícone!

              Como nos sairemos? Teoricamente, escolhi vinhos por este preço porque já atingem tudo da tradição técnica dos grandes e podem desempenhar papel relevante, surpreender representar dignamente sua região. Alguns deles apenas barateiam o processo naquilo que não me parece fundamental no resultado final, como, por exemplo, o descanso que se dá a determinados produtos em barris de aço, depois dos 18 meses em madeira de primeiro uso, no lugar do estágio em garrafa usual.

24 de agosto – Acordei mais tranqüilo. A minha parte foi boa, medianamente clara e ilustrativa (até onde dá para ser numa aula/jantar), com um mimo em forma de um espumante de boas-vindas (o belo Bulle nº1 rosé), com tabelas de safra, com preços de vinhos da região, com mapas de localização, com fichas técnicas de cada um dos produtos. A comida e o serviço do Alencar e a gentileza (arrematou o jantar servindo um Porto Vintage 20 anos) estavam no nível esperado, por mais que o ponto do sal do molho do cordeiro sobressaiu-se e se fez sentir, ao contrário da polenta de escargot que estava corretíssima.

             Para meu alívio e gáudio da torcida, os vinhos também se saíram bem:–

O primeiro deles não tanto, apesar do bom começo. Foi o Saint Julien Peymartin (importado pela Decanter), segundo vinho do Chateau Glória, do domaine Henry Martin. Apesar da confusão que esta cadeia proprietária produz na gente que não conhece todos estes nomes – pois já dá um nó no raciocínio pensar que se trata de um segundo vinho de um outro (???) que, por sua vez, pertence a um grupo muito maior e significativo – do ponto de vista da concentração de capital tudo é claro, nada é novo ou surpreendente. É mais ou menos como o Dodge que pertence a GM, do mesmo jeito que o Chevrolet, que tem na linha o Meriva, o Vectra, o Corsa etc. Foi muito bem enquanto esteve sozinho na mesa, mas abertas as outras garrafas não resistiu à confrontação. Perdeu para os dois Margaux e para o Paulliac nos quesitos potência, complexidade e majestade. E ficou atrás também no domínio dos taninos e na permanência. Ou seja, quem perdeu não foi o vinho, mas o professor que o colocou numa comparação desigual, apesar do cuidado de comprar garrafas do mesmo preço. Aceito minha parte da responsabilidade, no entanto, acreditei que se sairia bem do mesmo jeito que já vi o Chateau Beaucaillou – o mais forte representante Saint Julien – sair-se bem quando confrontado não importa contra quem!

               Os outros vinhos, Colombier Monpelou, Bouquet de Montbrison e Cordieu Margaux disputaram palmo a palmo a preferência dos participantes. No fim o Cordier ficou com 3 dos 7 votos, enquanto que o Monpelou arrebatou os outros 4. O Bouquet de Montbrison foi igualmente bem avaliado, mas ao perder na comparação do seu colega de região, ficou na semi-final contra o campeão de todas as etapas, o Colombier Monpelou, um vinho que – entre outras boas referências – aparece como líder em vendas por internet de Grand Crus franceses em Portugal.

Entre mortos e feridos todos se viraram muito bem! Veremos como será o nosso próximo capítulo, aguardem!

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado

Reflexões do Fundo do Copo – Sobre Superlativos

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O livro “Gosto e Poder”, traduzido pela Cia das Letras no ano passado, do mesmo militante que se escondeu atrás das lentes do filme MondoVino, o americano que cresceu em Paris, Jonathan Nossiter, me deu ensejo de classificar os vinhos em categorias de gosto:

  • O vinho que se basta X o vinho que se complementa com a comida.
  • O vinho que usa de insumos agrícolas X o vinho natural, bio dinâmico, a favor do ambiente;
  • O vinho sem personalidade X o vinho com história;
  • O vinho desconhecido X o vinho que você tem na memória;
  • O vinho de terroir X o vinho de laboratório;
  • O vinho a favor do gosto dominante X o vinho que preza a variedade;
  • O vinho que se faz para ganhar dinheiro X o vinho que é feito com arte.

         Como a vida e a realidade são muito menos maniqueístas do que se pretende, os deuses e os diabos se confundem a toda hora e a clareza do texto fica manchada, pois o divino e diabólico ocupam os postos de seus opostos e vice-versa. Jonathan tem saudades de um tempo que não voltará e há um ilimitado elitismo neste seu sentimento. Os vinhos da sua França não voltarão, mesmo que se bio-dinamise toda a produção de vinho. O Bordeaux de hoje tem mesmo o gosto do mercado, pois ele é um produto de aspiração que não pode desiludir seus fãs. Fãs que imaginam o seu gosto, sem tê-lo conhecido… Jonathan é uma criança espantada perante o mundo de hoje.

        Mas com isso não critico a vontade, o gosto e as opções do simpático e mal humorado cineasta americano. Ao contrário, tenho a maior simpatia por quase todas as suas batalhas. Apenas digo que ele não parece entender o que aconteceu no mundo do vinho, mesmo após anos de entrevistas e documentários sobre o assunto, que, aliás, muitas vezes foi fruto de rigor profissional. Ninguém usa agro-tóxico para envenenar seu próprio terreno, suas uvas, seu consumidor. Ninguém determina que sua produção será de tantos litros por hectare com o intuito de piorar a qualidade de seu produto. Estas determinações são fruto da ignorância, da negligência, da falta de respeito para com o seu próprio produto, da falta de controle e rigor das entidades de estado, da ganância dos intermediários, da falta de conhecimento e experiência dos consumidores. São eventualmente dedo de amador, o que não quer dizer obrigatoriamente, dedo de gente que quer o mal.

      Aconteceu – se possível é usar a terminologia metaforicamente – que o modo de produção do vinho mudou. De artesanal e mercantil, tornou-se industrial e pós-industrial; de intuitivo, tornou-se planejado, de espontâneo tornou-se calculado; de fruto de um conhecimento local e familiar, tornou-se resultado de conhecimento universal; de fruto do conhecimento daquele terreno, tornou-se fruto de um estudo laboratorial de todas as determinações que fazem daquela terra melhor ou pior para se plantar. Tornou-se um dos maiores e mais lucrativos agronegócios do mundo, tomou terras antes improdutivas de regiões que jamais se produziu uva e com isso trouxe salário para muito trabalhador.

         Os apaixonados pelos grandes vinhos de Bordeaux e da Borgonha, parecidos com o Jonathan e eu, cientes da dificuldade de conseguir algumas das poucas garrafas de grande qualidade e arte que se produz na região, decidiram então sair mundo afora imitando a fórmula original, conferindo muitas vezes um toque pessoal, o que é natural e humano. Os apaixonados por multiplicar o capital investido até onde der, decidiram muitas vezes trilhar o caminho da quantidade, da falsificação, da falta de alma e arte. Entre uns e outros, alguns se submeteram ás leis do mercado simplesmente. Outros criaram verdadeiras maravilhas, surpreendentes.

          A produção do vinho pode ser uma ciência, uma arte, um ganho de vida, uma paixão, uma obsessão, uma ganância. Esta é uma realidade que não se pode negar e serve como pano fundo para todas as opções que se pode fazer, desde o gosto até o poder.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Reflexões do Fundo do Copo – O Melhor Vinho do Mundo

Atenção, este artigo não é recomendado para pessoas que não gostam de muito nome de vinho.

 

breno3Tem um momento na vida que você quer porque quer porque quer saber a resposta da pergunta mais recorrente: Qual é o melhor vinho do mundo????

É fácil: o melhor vinho do mundo pra mostrar para os outros, é o mais caro à disposição do mercado e é também, o mais longevo – Lafite Rotschild 1787, que continua sendo vendido a caixas, pelo valor de US104260$00 a garrafa, pela Fine&Rare Wines de Londres. No seu bolso não cabe um troféu assim tão volumoso ou tão ancião? Fique então com o Romanée Conti 1945, no mercado a US33000$00 a garrafa, ambas as informações de acordo com o site http://www.wine-searcher.com/find

           Começo descartando os concorrentes no quesito “vinho para sobremesa”. Não sei não, não gosto muito não, não conheço muito não, até porque não como muita sobremesa (tento não comer…). Mas se gostasse, se soubesse, apontaria – como todo leigo medianamente informado – para um Sauternes bordolês, o Chateau d’Yquem.

          Não quero perder todo o espaço que o Falando de Vinhos me dá só para ficar falando de vinhos que não faço muita questão de conhecer em profundidade, até porque, qualquer late harvest brasileiro me satisfaz, no máximo um montbazillac comprado no Carrefour, um vinho feito a aproximadamente 60km de Sauternes, com as mesmas uvas do famoso brotirizado, mas a quilômetros de distância no preço de seu badalado vizinho. Mas bem sei que esta discussão vai longe, principalmente porque os vinhos do Porto, os Tokaï, os Vin de Paille, os Panteleria, os Riciotos vênetos, principalmente os de valpolicella, os Marsalas, os Madeiras e os vinhos de Jerez de La Frontera vão querer disputar a primazia no quesito (que aliás, invade cada vez mais entradas com patês e queijos gordurosos)!

          O melhor de todos é o vinho mais bem feito, oriundo da terra mais apta a plantar suas uvas, com a insolação mais favorável, com o gradiente térmico mais extenso, com a sazonalidade pluviométrica mais de acordo com a cartilha, com as escolhas enológicas de maior precisão e cuidado? Qual é? Alguém é definitivo?

          Pela experiência adquirida em séculos de produção, muitos produtores de regiões espalhadas pela Europa pretendem atender as especificações acima, a começar pelas mais óbvias como a Borgonha e Bordeaux, mas a continuar por Rioja, Rhone, Piemonte, Toscana, Douro, Ribera Del Duero, Vêneto etc. Já pelos conhecimentos mais modernos, caberiam nesta definição, dezenas de produtores do Novo Mundo, espalhados pela Califórnia, Austrália, Chile,  Argentina, África do Sul e tantos outros locais de produção que se empenham para produzir o que há de melhor, incluindo entre estes – por que não? – alguns terroirs brasileiros. 

         Afinando então a conversa, dentre todos estes teriam os que se utilizam das técnicas mais bem sucedidas de guarda, onde o carvalho de primeiro uso impregna os vinhos que guarda, onde a guarda se estende até quando os taninos daquela determinada uva se amansam finalmente. Finalmente, estes usariam o que há de melhor para acondicionar o líquido, em matéria de tapo, garrafa e condições ideais de guarda e de transporte. Pois sendo assim o melhor de todos não é um, mas vários como, atestam os certificadores do mundo inteiro.

          O Robert Parker, em julho de 2009, deu pontuação máxima – 100/100 – para mais de 100 vinhos, alguns dos quais em mais de uma safra. Significa que um não prevalece sobre o outro, pois pontuações iguais e máximas são absolutas. No entanto, mesmo assim, alguns são mais iguais que os outros! Tem produtor com mais de um produto, como o Domaine Romanée Conti, que entra com um seu La Tache, com o seu Montrachet, seu Richebourg e seu Romenée Conti com ao menos uma safra. E tem vinho que aparece com mais de uma safra, o que o torna superior aos outros, por mais que garrafa por garrafa eles se equivalham… Neste sentido, o campeão do Parker vai surpreender você, como surpreendeu a mim – o Côte Rotie La Moliné, que aparece com a nota máxima em oito edições, uma a mais que o Chateau Lafite, duas a mais que outro Côte Rotie, o La Landome.

         Se o melhor vinho não é fácil de descobrir por estas avaliações, o melhor negociante do mundo, ainda de acordo com o Parker, é indiscutivelmente o Guigal, que arremata – além de outro Côte Rotie citado, o La Turque com quatro safras e o Hermitage Ex Voto, igualmente com quatro indicações. Portanto, tem na sua carteira de vinhos com 100 pontos 22 rótulos, um recorde importante o suficiente para ser citado no Guiness!

         Ainda de acordo com o certificador americano, o melhor do vinho vem de Bordeaux, por contar com mais rótulos e mais safras premiadas, mas tem seus rivais muito próximos, a começar do Rhone, não somente pelos vinhos já citados, mas também por uma pá de Chateauneuf Du Pape e outros Ermitage, além de um Côte Rotie que não é vendido pelo Guigal. Mas o melhor vinho do mundo não é nenhum desses. Até porque estas pontuações não têm nada de consensuais, visto que muitos dos vinhos apontados pelo americano, não têm primazia em outros lugares e para outros certificadores. Como simples exercício, compare os melhores do Wine Spectator e do Gambero Rosso com estes daqui. Os mais premiados com a nota máxima e por mais safras dentre os italianos não aparecem no Parker, enquanto que os dois citados por ele feitos em solo italiano não tem tanto destaque, aparecem entre outros (Sassicaia e o Tua Rita, dois supertoscanos).

        Portanto, é melhor eleger o que já tomei e que faz falta, o que quero sempre repetir, o que morro de vontade de conhecer, aquele que melhor combina com as coisas que eu gosto mais, porque vinho e comida para mim são itens indivisíveis, o que coloca em xeque metade dos itens que o Parker elegeu. O melhor Barolo que lembro ter tomado não foi nenhum dos mais conhecidos, foi o Stra, já citado em outros artigos, um vinho produzido nas divisas entre Barolo e La Mora, num hectare plantado por um pai, um filho e um neto, administrado por uma nora. Um vinho de US12$00, cuja safra não rende mais do que 8 mil garrafas, vendidas integralmente a gente como eu, que passei por lá. Mas não, o melhor foi aquele Amarone que tomei em Verona, acompanhando um panino de presunto cru de Oca, ou será foi aquele Gevrey Chambertin que tomei no segundo dia de visita a Borgonha?

         Ai, caramba, nem falei nada dos brancos e dos rosados, excelentes por todos os países de tradição vitivinícola, a começar por Portugal com seus Alvarinhos, a terminar pelos Pouilly Fumé do Loire. Mas não dá pra continuar, o dono do Falando de Vinhos já falou pra encerrar. Sorry.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Reflexões do Fundo do Copo – Propaganda do Vinho, o Desafio da Hora.

breno3Escrevi um artigo sinuoso e pouco afirmativo em dois tempos sobre a propaganda de produtos supérfluos e ligados ao prazer para a revista “Free Time”. Reproduzo, reviso e complemento o segundo tempo dela, neste generoso espaço do “Falando de Vinhos”, por supor que são dois veículos dirigidos a públicos diferentes, por mais que haja coincidências de leitores. Aviso que é um texto que mais parece um rascunho, que provavelmente mereceria apenas a atenção dos ratos e das traças, se fosse ele de papel e não um material assim tão etéreo como o do navegador virtual que lhe carrega de passagem.

Pois bem, sem mais firulas, no primeiro tempo, depois de fazer um arrazoado mais ou menos longo sobre as dificuldades que sofre um ícone aristocrático para anunciar-se como produto de mercado, escrevi o que vem abaixo:

 A Propaganda do vinho

          Acabei o artigo anterior refletindo sobre as dificuldades que o mundo da comunicação tem para anunciar produtos que saem do nicho restrito a produtos de elegância e excelência para cair na real do consumo diário. Chamei a atenção para o vinho, por ser, no meu entender, o desafio da hora.

         O vinho é um produto fora de padrão por várias razões que merecem uma pequena história – junto com a cerveja, é fruto de fermentação conhecida há mais de cinco milênios. É produzido e consumido por diferentes culturas de diferentes origens. Está na restrita família dos produtos bíblicos que se manteve até os nossos dias. É fruto da terra e do trabalho do homem, como o azeite da oliveira, o pão do trigo e cerveja de cereais. Qualquer amassamento de uva seguido de um processo de fermentação natural ou induzido, proposital ou acidental, pode ser chamado de vinho, o que lhe dá uma grandeza desmedida – queiram ou não os seguidores de algumas seitas protestantes e fundamentalistas, que não sabem como impedir o consumo do álcool entre os seus seguidores, na medida em que ela está presente em tantas referências do Velho Testamento Biblíco. É verdade que este vinho bíblico não era um produto comum, mas “casher”, diferenciado na manipulação, na vinificação e no uso sagrado, como me explicou Anete R. Ring, importadora de vinhos e azeite de Israel no Brasil. O vinho era cozido, ganhando, aos olhos dos responsáveis pelos antigos mandamentos, sua divinificação, pois manipulado de modo a destacar-se do vinho feito acidentalmente e sem qualquer ritual… Ou seja, o vinho tribal, pagão.

          É conhecido enquanto produto por todo o mundo ocidental, sendo que boa parte desta população tem em seu DNA algum parentesco – mesmo que distante no tempo e no espaço – com algum produtor de uvas e vinho. É, portanto, um produto assimilado, fácil de determinar, com o uso bem definido?! Sim, quando se pretende apenas falar do vinho em geral. Não, quando se pretende definir um nicho e menos ainda quando se quer lançar um produto específico. Pois o vinho é um produto manhoso que se esconde sobre esta capa de simplicidade. Há circulando no Brasil, mais de 20 mil rótulos diferentes, dos quais ao menos 2/3 foram produzidos na América Latina, quase 1/3 nos países do Velho Mundo e a pequena parcela restante vieram da Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e América do Norte, além de alguma coisa vinda do Oriente Médio. Entre estes 20 mil rótulos, se encontra produtos que custam para o consumidor final, menos de R$10,00 e há outros que custam mais de R$10.000,00, todos carregando o título de vinho, por mais que alguns deles sejam frutos de procedimentos, que não passariam (como não passam) por controle de qualidade mais rigoroso, como o da Comunidade Européia.

        Dito isso, o briefing criativo para a agência de publicidade que pretende apresentar um deles ao consumidor, começa a se fechar com informações que localizam o produto no mercado restrito dos vinhos. Cada um está numa posição diferente entre mesmos produtores. Pesquemos um exemplo concreto: o respeitado vinicultor das rendondezas de Alba no Piemonte italiano, Pio Cesare, produz Barolos e Barbarescos de grande qualidade, orgulhosos com os 42 meses que passam em madeira muito superior às exigências da legislação que controla o uso de suas denominações, ou seja, ao menos 36 meses para o primeiro e 30 meses para o segundo em madeira, além de dois anos em garrafa antes de ser comercializado. Com a uva Nebiollo, a mesma utilizada para fazer os mesmos vinhos nobres citados acima, ele faz um vinho catalogado como Langhe Nebiollo, mais despretensioso e competitivo.

         Como sua comunicação deve se comportar, desde o rótulo até o anúncio? Deve pegar carona na história e tradição da casa centenária e, com isso, eventualmente tirar a nobreza daquele ou deve – ao contrário – mostrar uma face mais moderna e mercadológica, como um agiornamento que permite o consumidor a usufruir de um Pio Cesare num almoço normal de dia de semana, coisa inviável até então, visto que o grande vinho piemontês exige ao menos uma hora e meia de respiração, o que faz com que ele seja pouco consumido por entendidos em restaurantes, sem contar, é óbvio, que seu preço, por si, inviabiliza o seu acesso aos mortais mais comuns. Poderíamos dizer então que o Pio Cesare deveria fazer então um empréstimo de prestígio dentro de sua própria casa. Deveria dizer “Langhe Nebiollo. Finalmente um Pio Cesare para o seu almoço”. Nada melhor, um produto que sai da linha da nobreza e entra com grande estilo no mundo das mercadorias pós-aristocratas. Um vinho moderno, com know-how e sisuda seriedade. Um vinho que tem linhagem, estirpe, sem ter que se cercar de artifícios visuais que criem esta imaginação.

        Evidentemente, este argumento serve a centenas de grandes vinhos modernizados. Serve mais ainda, para aqueles que precisam revitalizar a imagem por mil razões. O Chianti Classico fugiu de sua embalagem de cestinha, quando quis ampliar seu mercado para além das cantinas e das macarronadas de Domingo. Ele mesmo, aliás, criou uma restrição visualmente reconhecível como certificado de qualidade, o “Galo Nero”, prova de espaço geográfico restrito e condições de vinificação estabelecidas. Mas o produtor que não tem uma tradição própria para se apegar, uma base material conquistada e definida como ponto de partida, se vê obrigado a procurar outros valores para levar o seu público-alvo ao consumo por impulso, ou seja, a fazer com que a comunicação leve o consumidor à experimentação.

         Então, como fazer? Para quem não tem grandes tradições e já divulga sua marca há muito tempo, um novo produto deve ser tratado com a sua especificidade, atingindo camadas inferiores ou superiores do target a que ele se dirige. No caso citado acima do Pio Cesare, certamente a comunicação deveria ser mais jovial, com traços de modernidade. O caso contrário também é possível. Empresas como as brasileiras, que nasceram produzindo vinhos simples, podem aspirar legitimamente a ter um produto de classe. É o caso, só para citar o que primeiro me ocorre, da Salton, que resolveu investir nos produtos Desejo, Talento e linha Volpi para ganhar uma segunda dimensão que se sobrepôs na cabeça do consumidor, por mais que isso não seja tão fácil assim, como seu recentemente falecido presidente sabia reconhecer, com inteligência e humildade; pois para este consumidor, será sempre mais fácil assimilar um produto mais barato numa linha de produtos de uma marca Top, do que aceitar um produto mais caro numa linha de produtos com poucas pretensões. Como o produtor do produto mais popular e acessível do mercado – o Chalise – pode, ao mesmo tempo, ser o produtor do produto mais nobre – o Talento – perguntar-se-á o consumidor desconfiado… Uma solução tem sido agregar valor à marca por associação de tecnologia, arte e prestígio. Alguns gigantes da Europa e dos EUA como a Robert Mondavi e o Chateau Rotschild, saíram de seus países de origem para transformar, por exemplo, a Concha Y Toro – um conglomerado chileno que produzia apenas vinhos simples – em produtor de ícones como são Don Melchor e Almaviva, sem entrar no mérito da qualidade indiscutível destes produtos.

              Isto fica evidente quando o mercado saúda um automóvel como o Smart ou o Classe A e os reconhece como Mercedes Benz. E no sentido contrário, fica mais patente ainda, quando a VolksWagen – um carro que se notabilizou como barato, econômico, simples e durável – esporadicamente lança um Top de linha para concorrer com seus adversários alemães BMW e Audi. Por conta da sua imagem, a VW é penalizada, obrigada que é, a competir com preço abaixo dos adversários diretos e com isso, perder lucratividade, quase sempre não encontrando solução de continuidade para o projeto, até porque é sócia responsável de sua concorrente Audi.

            Um artifício de péssimo gosto, mas muito utilizado é o de usar de elementos muito similares ao dos usados pelo produto que serve de exemplo daquela faixa de consumo. Rótulos que praticamente imitam, nomes que lembram e se associam, títulos que enganam os incautos. Por aqui, ingenuamente e não por acaso, os primeiros produtores de vinho em garrafa de 750ml davam nomes franceses a seus vinhos. Era um tal de Chateau, de Condes e condados, que pareciam vinhos importados da França e não de Bento Gonçalves e arredores. Sem personalidade própria formada, usando de uvas européias de pouca qualidade, pretendiam induzir o consumidor a satisfazer-se com sua origem imaginada.

          Os australianos saltaram fora da tradição ritualística do vinho e racionalizaram sua comunicação é apresentação de maneira radical por mais que torçamos o nariz para as tampas de rosca de metal (screw cap) e rolhas sintéticas, fugindo dos preços cada vez mais exorbitantes das rolhas. Com isso, puderam atrair um público em nada ligado às tradições do vinho, pois eram estes principalmente neófitos que davam seus primeiros passos para ingressar neste novo mundo. E esta proposta invadiu os rótulos e contra-rótulos, os nomes de cada proposta de vinho, os anúncios e promoções. Hoje em dia, é fácil encontrar produtos do mundo inteiro com propostas de modernidade. Vinhos da África do Sul com rótulos que lembram bichos autóctones, rótulos de uma elegante simplicidade vindos da Itália ou da Espanha, propostas modernas que estão a milhas de distância da sisuda apresentação dos vinhos de Bordeaux.

         Para finalizar este artigo que parece não ter fim, é preciso sempre lembrar os rótulos dos Rothschild – mais uma vez citados aqui – que desde a década de 40 entregam seus rótulos anuais para um artista plástico consagrado por ano, como Picasso ou Niki de Saintfale. Será que este ineditismo tem a ver com o fato de ser este o único vinho que passo da categoria de segundo vinho para primeiro na qualificação dos Bordeaux que se mantém imutável desde 1855, sendo esta a única exceção. Parece não de todo despropositado pensar que é também esta marca pertencente a uma família que, melhor do que reis, condes e princesas, soube passar do mundo da aristocracia para o olhar concreto do capitalismo.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Reflexões do Fundo do Copo – Em 2010, Conheça com Moderação

breno3              Entrei no ano com pensamentos sombrios. Seis horas da manhã de primeiro de Janeiro de 2010 e acordo suado, percebendo que o mundo ficou mais apertado. Levanto da cama num pulo, como se precisasse correr para que as paredes não se fechassem sobre mim. Tive medo de um mal conhecido e identificado, chamado vulgarmente de “especialidade”. Não sei bem como e quanto lutar, nem sei bem contra o que lutar.

             Especialidade, diz o dicionário Priberam da Lingua Portuguesa, é “parte de um trabalho ou de uma profissão a que alguém se dedica exclusiva ou particularmente”. Pois não quero me dedicar exclusivamente a nada, mas, apesar disso, ando tendo crises de especialidade! Entrei de cabeça no mundo do vinho. 2009 foi um ano que fiquei o tempo todo pensando no vinho que vou tomar, no vinho que vou descobrir, no vinho que vou recomendar, naquele que devo estudar para melhor explicar numa dessas aulas por ai.

            Para isso, deixei de me enfronhar por vários caminhos do conhecimento em troca de visitas regulares pelos sites da Jancis Robinson, Wine Spectator, Gambero Rosso, Revue Du Vin, Decanter, Wine Enthusiast, e alguns outros mais esporádicos como elvino.com da Espanha, um ou outro do Chile e outro da Argentina. Deixei de lado o jornal diário e as revistas semanais, quando priorizei folhear as revistas de vinho que chegaram a mim, como as que são vendidas nas melhores revistarias, e como a italiana Il Sommelier e a lusitana Vinhos de Portugal que me trouxeram; além daquelas que são produzidas no Brasil, exclusivas de vinho ou que mantêm um caderno especial sobre vinho e harmonização. Para completar, participei de boa parte das degustações as quais sou convidado (não são tantas), passei pelos sites e blogs brasileiros que tratam de vinho, troco mensagens sobre o assunto com produtores e outros iguais a mim em detrimento de lançamentos de livros interessantes, de peças de teatro, de concertos de música clássica, de atividades familiares.

            Não sou apenas vinho, não sou e não quero ser, mas não sei se conseguirei. Clamo por ser, por continuar sendo política, culinária, cinema, esporte, pai, filho, marido, jogador de sinuca, turista, jogador de papo fora. Mesmo o vinho quando visto tão de perto, ganha uma dimensão que nem sempre é positiva como pode parecer. O vício da informação distorce o paladar, como acaba de me acontecer ao ganhar de presente de fim de ano um vinho Teroldego do Alto Adige numerado, produzido pela Cavit em Cervara, que mais me interessou as qualidades da vinificação que o sabor, pois corri para ver no site como ele era feito, quanto tempo de barrica etc. Depois pesquisei o peso da garrafa o tamanho da rolha e fui ao primeiro gole apenas depois de saber quanto custava na Itália e quanto custaria por aqui, caso fosse importado. Pareço o médico especialista que não quer saber o todo do corpo que analisa e que não se pronuncia sobre o particular antes de ter todos os exames laboratoriais em mão. Como ele, não se permite uma opinião baseada apenas nas sensações, pois as surpresas são indesejadas.

             Acho o máximo entender profundamente de algum assunto, mas ir fundo demais e manter esta profundidade acima de tudo, aliena. Não dá para deixar de ler um artigo que sai na Piaui sobre a Marina Silva, não dá para estar por fora dos acontecimentos só porque o vinho ocupou sua vida. A especialidade vicia, isola, faz com que a pessoa se sinta bem só entre seus pares no vício. Ela pode matar e não quero entrar no ano pensando em morrer desta doença.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Reflexões do Fundo do Copo – A terceira onda da importação do vinho, 2010!

breno3Não me peça dados precisos para o que vou dizer, pois espertamente criei este espaço para especulações, coisa que não precisa ser defendida com dados muito precisos. São reflexões feitas desde o fundo do copo, da taça, da garrafa, da adega. Mas adianto que tudo que direi me parece tão verdadeiro, tão historicamente confiável que me atrevo a dividir com vocês.

          Vieram os vinhos com as imigrações. Vieram, portanto, para atender uma demanda que passaria de pai para filho, de mãe para filha, de tio para caiçara, porque sempre, nas colônias que se formaram, desde os primórdios, teve alguém que se engraçou com uma nativa, uma escrava liberta, uma vizinha de alguma colônia das redondezas. Porque os portugueses, nossa primeira colônia, diz a lenda só veio porque pode trazer sua Pêra Manca e Vinho do Porto nos baús, seguidos, nos séculos posteriores, pelos vinhos verdes tintos e brancos, pelos Dão e Garrafeiras que freqüentaram as empoeiradas e ensolaradas prateleiras das padarias. Porque os italianos só se dispuseram a vir para cá se viesse com eles um belo estoque de Chianti de cestinha, de Valpolicella, de Corvo di Salaparuta, de Marsala. Vieram os espanhóis com as suas amostras riojianas e penedes, com seus xerez e brandis, sempre muito bem avaliados.

           Em São Paulo do Pós-Guerra, alguns restaurantes faziam as vezes de importadores diretos, mas quase sempre quem se ocupava deste negócio, eram as empresas que viviam da importação de alimentos em geral. Era vinho de gueto, de pouca variedade e quase sempre de pouca qualidade. E dificilmente um vinho saia de um gueto e ia satisfazer o outro, a não ser quando descobriam similaridade. Portugueses bebiam os da terrinha, italianos os oriundi e os espanhóis, igual. É preciso dizer que esta coisa do vinho do gueto era superado pelos vinhos franceses, champanhas, Bordeaux e Borgonhas, que transitavam por igual entre as mesas mais abastadas, desta ou daquela colônia. Eram ursos em meio a ovelhas, para usar a imagem do Anjo Exterminador do Buñuel. Estes estavam acima do bem e do mal, se bem que para os do gueto, eram sempre comparados aos grandes de cada colônia, que orgulhosa defendia seus Barolo, Veja Sicilia e Barca Velha.

          Compunham a carga, vinho junto com o queijo parmesão, com o azeite, entre as peças de bacalhau, de embutidos, dividindo espaço com os enlatados. Não havia especialidade na importação do vinho, que nos digam as Casa Prata, Chiapetta, Rei do Bacalhau, La Pastina, Gomes Carreira, Gomes Sá, Casa Ricardo, Aurora, Casa Flora e outras tantas que atendiam diretamente a demanda. Os volumes eram muito pequenos, comparado com a circulação de hoje. Para se ter uma idéia, a grande Yllera ( http://www.grupoyllera.com ), que produz mais de um milhão de garrafas por alguns de seus 30 rótulos, estava entre nós, importada diretamente pelo restaurante Don Curro, que traz apenas o suficiente para atender a demanda de seus clientes. Anos depois, restaurantes como o Massimo e o Supra, passaram seus anos de glória importando poucos vinhos de nicho, vinhos muito especiais. Mas isso já é história do segundo capítulo, não do primeiro, este que acabamos de acabar.

           Veio então o boom do vinho chique, aquele que trocou a quantidade pela qualidade e mudou o panorama do vinho no mundo. Anos 80? Anos das degustações frenéticas nos EUA, na Inglaterra, no Japão e na Alemanha. Anos que transformaram o vinho em produto de leilão. Pois até lá, o vinho mais caro tinha sido um Bordeaux, vendido a US$500,00. Depois de lá, o preço dos vinhos foram à estratosfera e todo mundo ganhou bastante com isso… Menos o coitado do consumidor. As importadoras brasileiras pularam para patamares de lucratividade muitas vezes maiores, afastando-se dos enlatados, dos secos e dos molhados. Ao mesmo tempo – mostrando que a era do consumo dos guetos tinha sido superada com o fim dos próprios guetos de colônias que mais e mais se confundiam na sociedade urbana que se formava, com a presença importante de outras vertentes culturais, como os árabes, judeus, japoneses e tantos outros cuja origem não se confundia com a produção vinícola – o brasileiro que nasceu depois dos anos 50, chegava à sua idade adulta pronto para trocar a Coca-Cola pelo atraente vinho de garrafa azul, vindo diretamente da Alemanha para a taça de quem queria um vinho descolorido e açucarado.

          De um lado o luxo, do outro a popularização do vinho (o lixo?), este produto que insiste em se chamar vinho, não importa se custa na gôndola 1 ou 1000. Foram os anos de ouro da Mistral, Expand, WorlWine, Carrefour, Pão de Açúcar. Foram os anos dos vinhos de nicho, onde os casos citados do Massimo e muito anos depois do Supra se acomodam, mas também os da Decanter, da Peninsula, da Adega Alentejana, da Hannover. São os anos da passagem das simples cantinas italianas para os restaurantes de grande serviço, com muita coisa tercerizada. Anos que elevaram à condição de profissão especializada, o servidor do vinho na taça do cliente, profissão cujo nome bizarro – sommelier (que quer dizer em francês literalmente o despenseiro, o homem que sabe o que tem na casa, o responsável pelas compras da despensa) – é vestido de estranha nobreza, que pretende justificar, em parte, os custos astronômicos dos vinhos em carta nos restaurantes. Do lado do luxo, uma quantidade absurda de vinhos que custam ao consumidor mais de R$200,00. Do lado da popularização, 15 mil rótulos vindos, na grande maioria, dos vizinhos protegidos pelas leis do Mercosul, a um preço de gôndola a partir de R$8, preço até então exclusivo aos vinhos simples de garrafão.

            Chegamos então aos dias atuais, onde a Queda Tendencial da Taxa de Lucro se faz ver com clareza. Com tanto vinho era impossível manter aquele Império sem fronteiras. Por isso a fratura exposta de tantos bem sucedidos, empresas de grande porte como a Expand, que chegou a ter em seus catálogos 4 mil rótulos de importação exclusiva. Por isso a reformulação de empresas do Top da importação, como a Mistral que, para manter a pose de fornecedora de produtos vendidos apenas nas lojas especializadas, abriu uma Vinci, que nada mais é – além dos argumentos de aparência – uma empresa que tem uma porta aberta para o canal Supermercados. Diga-se de passagem, os supermercados não ficaram a ver a banda passar. Notaram a importância do mercado que se abria e se aparelharam tecnicamente para vender vinho. Com isso, é possível ter o vinho de qualidade nos grandes canais de circulação, coisa que era inviável até poucos anos atrás.

Abre-se um novo momento. Acho que nós consumidores vamos ganhar com isso.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.