Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
Se o vinho não vem até você, você vai ao vinho, você o vê nascer na parreira, crescer e transformar em álcool todo o seu potencial energético sendo domado pelas técnicas que o homem, por ciência ou por acaso, aprendeu. Se o vinho não vai a você é porque você o ignora, é porque você não tem dinheiro para comprá-lo, é porque ninguém faz com que ele chegue até você. É o caso de tantos milhares de vinhos de tantas regiões, pois apesar do boom de consumo e oferta magnífica que existe hoje em dia por aqui, a amostra continua pequena, comparada, por exemplo, com a oferta que se encontra na Inglaterra, país importador de vinhos por excelência. Além do que, existem categorias de vinho que não são feitos para serem consumidos à distância.
Me refiro não apenas a vinhos de pequeníssima produção, eventualmente os mais interessantes para se conhecer em viagem turística. As empresas produzem rótulos para consumo interno, que nada tem a ver com o sweet point que tanto conquistou o mercado norte-americano, que tanto se impõe. Vinhos que te permitem uma liga mais direta com os hábitos e gostos do povo que você está querendo conhecer através do vinho, como é o caso da linha San Felicien, produzido pela Catena Zapata apenas para consumo dos argentinos na Argentina. Não ir conhecer a região vinícola dos seus sonhos é a prova de que você não sonha com vinícola alguma, é ruim da cabeça ou doente do pé. Não pela chatice que é constatar ad nauseum o mesmo processo de fermentação, as mesmas cubas de aço, os mesmos barris de madeira nos lugares mais frios, as mesmas salas de prova, mas porque existe in loco muita chance de você experimentar vinhos além de sua capacidade de consumo regular.
O ideal é fazer uma conta de chegar, digamos assim: considere que você paga no Brasil, incluindo desde custo de transporte, seguros e guarda até impostos e lucros escorchantes da maioria das importadoras, algo como R$400,00 para um vinho que custa 30 euros na sua origem, ou seja, algo em torno de R$90,00… Se você multiplicar estes números pela quantidade de vinho que se pode degustar numa semana e fazer uma conta de quanto economizou, acaba se lambuzando e nem lembrando o que pode provar, de tanto que se locupleta! Já cruzei com gente que excursionou por Buenos Aires, Mendoza, Santiago e três vales chilenos em uma semana. Certamente, boa parte do tempo passou dentro dos aeroportos e outra parte em ônibus (deve ter sido bom para análise de comportamento humano, pois todos convivem com os mau humores, as brigas e discussões que estas situações acabam gerando, mas não para conhecer vinho, experiência que jamais terei).
A indústria do enoturismo movimenta milhões de euros. Italianos, franceses, espanhóis, portugueses, argentinos, chilenos, californianos, australianos, sul-africanos e mesmo brasileiros não param de crescer, estão na categoria de atrações turísticas máximas em seus países. Significa dizer que em torno das videiras, criaram-se grandes estruturas que envolvem boas estradas, bons hotéis, bons restaurantes e outras atividades culturais. Dois anos atrás, 30 condados da região do Douro reuniram-se em consórcio, contrataram uma empresa de marketing de Lisboa e saíram captando mundo afora recursos para transformar seus sítios numa rota do vinho de classe A. Vieram inclusive ao Brasil para ver o quanto os portugueses e oriundos estariam dispostos a participar do esforço local, que faria com que cada um dos ditos condados se aparelhasse de um hotel cinco estrelas, de um conjunto de restaurantes e de outros serviços correlatos. O investimento tinha o aval entusiasmado do banco de desenvolvimento responsável por financiar obras de grande porte para a Europa de mercado comum.
No Brasil, o chamado Hotel SPA do Vale do Vinhedo está lotado de turistas o ano inteiro, vindos de todo lugar, transformando seu saguão numa babel de línguas intercontinentais (encontra-se turistas alemães, japoneses e holandeses em qualquer lugar interessante do mundo). O Rio do Rastro Eco Resort em São Joaquim é o ponto hoteleiro mais importante para quem quer conhecer de perto os vinhos de altitude de Santa Catarina, com destaque para a Villa Francioni. Na Espanha, entre outras regiões produtoras de vinho, a milenar Castela e Leon recuperou a região para o vinho e Ribero Del Duero deixou de ser apenas a terra do Vega Sicilia. Uns dias por lá e o turista sai revigorado, certo de que a Tempranillo só não tem a nobreza dos vinhos mundiais porque não tem nome francês (Se chamasse Bientôt, Propetement ou Précoce quem sabe?!). Um hotel construído em pedras, mas com todas as modernidades da atualidade como o Hotel do grupo Zurita, ao lado de Salamanca, não fica a dever em conforto para nenhum das grandes cidades, apenas para não ter que constranger o concorrente numa comparação desigual, pois Salamanca não se compara.
O hotel da Bodega Santa Rita no Vale do Maipo chileno traz atrações além do vinho e da comida. Apresenta um dos melhores museus de arte pré-colombiana de toda a cordilheira, melhor mesmo do que o de Santiago. De lá, pode-se conhecer algumas das mais interessantes vinícolas do Vale, mas também todas as que se destacam no Vale Casablanca que fica a poucos quilômetros de lá (aconselho vivamente a Matetic e seus EQs). Em La consulta, perto de Mendoza, o conglomerado agroindustrial Santa Helena chileno, que envolve bebidas fermentadas e destiladas, mantém na Finca La Célia uma casa colonial que recebe visitantes e hóspedes. Pequena, longe do formigueiro que Mendoza se transformou, é um bom lugar para virar quartel general de inspeção pelas vinícolas dos arredores.
A hotelaria de Bordeaux não dá conta das feiras e convenções que a cidade abriga. Por duas vezes não encontrei paradeiro porque dei uma de caipira e fui chegando sem reserva, achando que bastava pagar um pouquinho mais e sorte ia me ajudar. Que nada, numa dessas fui parar em Arcachon, a meia hora de distância, uma Praia Grande civilizada e bem aparelhada para que haja mais harmonia entre os carros, os homens e a natureza costeira. Na outra vez me dei melhor, não só passei de Bordeaux como de Saint Emilion, porque também lá e nos arredores não havia lugar para aventureiros imprevidentes como eu. A guarida se deu no meio da noite, no hotel pertencente ao Chateaux des Roques, a mais de 10 minutos entre vinhas em direção a Puisseguin. Mas o vinho era bom, a comida idem, o apartamento ibidem, o que compensou (?) as 12 horas aproximadas, investidas na procura de um hotel para dormir.
Nada, no entanto, para o meu gosto, se compara aos pequenos Bed & Breakfast de pouquíssimos quartos como os que se encontra em Gevrey Chambertin, no melê da Côte D’Or da Borgonha, em Barolo, no Langhe do Piemonte e em tantos outros lugares emblemáticos do mundo do vinho. São postos feitos para conspirar abertamente contra o fast food, desde a hora do café da manhã sempre muito gostoso e variado, regado a conversações em inglês de sotaques que variam do interior da Austrália até os cafundós da Índia. Realço uma pequena produtora próxima de La Mora, a mais importante localidade dentre as 11 com permissão de denominar seu vinho como Barolo, uma mínima central do eno-turismo, a Stra, com menos de 3 hectares, com sua produção anual de Barolo, Langhe e Barbera sempre antecipadamente vendida, frutos de qualidade, resultado do labor de apenas uma pequena família – um homem, seu pai, seu filho e sua mulher.
Nada se compara às viagens pelos canais da Borgonha e da Alsácia, com direito a barcaça equipada com cozinha e bicicleta – para que se visite os locais mais interessantes, incluindo as vinícolas – que cumpre seu trajeto a incríveis dois quilômetros por hora. Mas isso é uma outra história, que fica para uma outra vez.
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR