Amigos do Vinho

Surpresas Acontecem.

JFC - Hats Off 005Ainda bem, se não a vida seria uma tremenda monotonia, e para esta eu tiro o chapéu! Conhecendo bem os preços dos vinhos, parte do trabalho de garimpo que aqui faço, há muito que deixei de pedir vinho em restaurante por me sentir literalmente roubado pela grande maioria. Não é só por aqui não, esse é um mal universal e não são poucas as matérias na mídia internacional que tratam deste assunto. É pura sacanagem para com o produtor que pouco ganha e tem um trabalho danado, e conosco que pagamos essa conta! Eu deixei de pagar, quanto muito vou a restaurantes amigos do vinho que, por uma pequena e simbólica taxa, permitem que eu leve a minha garrafa.

             Pois bem, neste último fim de semana estive em Campos de Jordão (charmosa cidade serrana aqui no estado de São Paulo) tomada por um congresso de urologistas com suas esposas. Não tinha nem idéia de que existiam tantos! Ruas e restaurantes tomados, exceto pelo excelente e caro Davos (porque será que sempre havia mesa vazia por lá?) tomo um desvio e vou jantar no sempre correto “Churrasco ao Vivo”, uma parrilla argentina (também em Floripa) com bons cortes de carne e outras delicias,  inclusive foundue de carne, a preços justos. Na carta de vinhos uma lista quase toda, talvez toda, da Expand.

             Para harmonizar com minha companhia e o prato, um Palo Alto Reserva 2007, corte chileno, vinho que sempre me agradou e dentro de sua Palo Alto Reserva 07faixa de preços um campeão. Eis a surpresa; este rótulo está nas prateleiras por um preço em torno de R$30 a 31,00 e estava no restaurante por honestos e justos R$36,00! Que bom que ainda existe gente de bom senso!! No dia seguinte vi esse mesmo vinho num outro restaurante por ridículos R$62,00. Não me perguntem o nome porque minha mente fez questão de apagar o nome e não quero ser injusto com ninguém chutando um. No “Churrasco”, também nessa faixa de preços, talvez um pouco mais baratos, vinhos como o Quinta do Encontro Merlot/Baga e o Berço do Infante outras boas pedidas que também me chamaram a atenção. Não os conheço, a não ser como cliente, mas este tipo de sabedoria empresarial e postura para com os enófilos de plantão tem que ser compartilhado, exaltado e recomendado. Kanimambo e eis aí um porto seguro em Campos de Jordão para quem estiver programando sua escapada nas férias de inverno ou até um mero fim-de-semana para relaxar.

         Há que se tirar o chapéu para esse pessoal do “Churrasco ao Vivo”, pois lamentavelmente essa prática ainda não está disseminada no setor de restauração e cada vez mais esse é um chamariz para os consumidores de hoje em dia. Uma outra onda que poderia assolar o país, seria a de vinhos, de qualidade, em taça e a preços justos. Sal em excesso deixa a comida intragável e quando no preço do vinho, azeda qualquer jantar!

Salute e a César o que é de César.

Reflexões do Fundo do Copo – Comentando um Decágolo

breno3       Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

               O cara não é o Lula, é o Carlos Alberto Doria um sociólogo multifacetado, um estudioso que não deixa o Darwin cair, só porque está escrevendo sobre a história da comida regional brasileira ou porque está fazendo um livro de reflexões sobre o cozinhar com oDecálogo Alex Atala. Ele acaba de publicar em seu blog uma norma para se beber vinho que não deixa de ter sua graça e propriedade. Digo ter sua graça porque como qualquer regra ditada, ela tem um tom imperativo que catalisa a informação em direção ao vazio e à incorreção. Digo ter sua graça porque o autor tem consciência das limitações de seu esforço normativo e por isso, tenho certeza, não pretende ser levado tão a sério assim.

São dez regras, dez conselhos, mas dos dez pego os primeiros cinco para comentar. 

Decálogo para o novo bebedor de vinhos

 1        – Saiba que a única fonte segura de conhecimento enológico é a comparação. Beber comparando é a única regra. Quem mais compara, mais conhece. E esse comparar é situar o próprio gosto no universo quase ilimitado dos vinhos.

Comentário – A uva vitivinícola ganhou, nestes últimos 3 mil anos, milhares de ramificações. Foi plantada, dizimada e replantada muitas vezes, não apenas por conta das pragas da vida, mas também por preferências dos proprietários e enólogos de plantão. Toda a região do Piemonte, por exemplo, planta uva nobre por conta de uma decisão de enólogo que elegeu a nebiolo como a uva com melhor potencial para a região, entre os séculos XVII e XIX. A Negrette, uva típica do sul da França é restrita a esta região e nunca saiu de lá, apesar de ter sido trazida do Oriente em uma das primeiras cruzadas. Porque uva é diversidade, vinificação é também diversidade. Evidentemente, no entanto, sabe-se que quase não há o que comparar entre um Chateaux de Iquem e um tinto Medoc, a não ser o fato de serem ambos produtos líquidos da uva colhida e fermentada.

2        – O ponto de partida para a comparação é qualquer um: um Miolo pode levar, por comparação, a um Haut-Brion. Ao avançar, não chore pelos que ficaram para trás.

Comentário – Considerado a minha reflexão acima, a comparação pode ser feita sempre, lembrando que dificilmente o degustador conseguirá desvincular suas sensações memoráveis na hora da comparação. Se uma garrafa de Miolo serviu como ferramenta para a mais importante conquista amorosa do degustador, ele sempre associará grande valor a este vinho, a ponto de eventualmente ser melhor avaliado que o Haut Brion degustado numa sala inócua e fortuita de uma loja de vinhos. A austeridade do conselho procede, no entanto, como provam  degustações feitas em blind test, onde degustadores menos experientes comumente confundem vinhos tintos e brancos, jogando por terra muitos dos preconceitos mais marcantes do mercado.  

3        – Diga não aos modismos. Eles em geral expressam estratégias de marketing de vinhos, regiões vinícolas. Exemplo: Beaujolais Nouveau. (Marketing, 10; vinho, 2,5!).

Comentário – Fatores do marketing podem escamotear um produto como no caso citado. Mas a atitude apressada de desdenhar qualquer envolvimento com um produto bem trabalhado pelas ferramentas do marketing não. O repúdio automático ao Beaujolais Noveau respingou nos outros beaujolais de modo extremamente cruel, a ponto de criar rejeição em enófilos mais experientes, que – já vi e comprovei – sequer querem conhecer vinhos excelentes feitos com a uva gamay, responsável pelos Noveau citado.

               Nada como isolar o vinho de todos os outros elementos, mas, verdade seja dita, um rótulo bem desenhado, que reflita perfeitamente o que o produtor e o enólogo esperavam dele, influenciam direta e positivamente a atitude do consumidor perante o vinho, o que é muito diferente do rótulo que pretende dourar a pílula, pretender algo de mais importante do que é. Num supermercado brasileiro, debatem-se nas gôndolas mais de 15 mil vinhos. Certamente, fatores visuais, referências felizes, contrastes de cores, ambientações, nomes e outros itens interferem diretamente na escolha, por menos que se queira. Igualmente, não há como esquecer o ganho emocional que se tem com algum “achado” desconhecido pelos outros entendidos…

4        – Não seja bobo. Livre-se da lábia dos vendedores sabendo que um vinho de US$ 1.000 não dá 10 vezes mais prazer do que um vinho de US$ 100. Prazer e preço não estão em relação direta.

Comentário – Sábias palavras, porque o preço não tem obrigatoriamente uma relação direta com o seu paladar. Pode ser que você goste apenas de vinhos sem madeira, jovens e frutados, cuja vinificação não exige tantos cuidados. Pois o preço do vinho tem a ver com a “lábia dos vendedores”, mas tem muito mais a ver com o custo de produção. Uma rolha pode custar de R$0,50 a R$8,00. Um vinho pode descansar e amadurecer num tonel de carvalho francês de primeiro uso que custa dez vezes mais do que um outro que já foi usado para mais de cinco colheitas. Um vinho pode ser fruto de uma colheita manual que permite menos de um litro por pé da planta, enquanto que outro pode ter sido colhido mecanicamente com uma produção de até 4 litros por planta. Uma garrafa de 750ml pode pesar em vidro mais de 1,5kg e custar muito mais do que o próprio vinho que contém.             

                 Nada disso impede, no entanto, que você goste mais do vinho barato do que do mais elaborado. Há duas Expovinis atrás, entrevistei Pio Boffa, presidente da Pio Cesari, uma das mais tradicionais produtoras de vinho com a uva nebiolo que disse algo como “meu vinho não é para o paladar daqueles que migraram recentemente do suco de laranja e da Coca Cola para o vinho. A eles vinhos docinhos na boca. Para gostar de um Barbaresco feito por mim, é preciso mais experiência, é preciso ganhar refinamento”.

5        – Liberte-se de preconceitos, não se guie por idéias prontas: o “vinho da serra é excelente” ou “o Brasil já está fazendo vinho bom”, ou “vinho europeu já era”, ou “o melhor shiraz é o sul-africano”, etc…

Comentário – O preconceito é grande demais para se saber de que lado ele está. Sou dos que afirmam que se faz bons vinhos no Brasil de hoje, apesar de achar como muitos que – por diversos motivos – ele ainda é caro demais, na maioria das vezes. Os vinhos de um modo geral ganharam um importância no mundo da agro-indústria, uma grandeza inimaginável para os produtores das décadas anteriores a 1960. Voltavam-se para o mercado interno, a não ser exceções de qualidade, como os vinhos de colecionador franceses e italianos sobretudo; e exceções de quantidade, como os vinhos italianos que guarneciam as suas colônias no Novo Mundo, que consumiram por décadas seus chianti de palhinha, seus Valpoliccella de pouca qualidade etc.

                 Tornaram-se produtos de alto valor agregado, alternativas rentáveis a muitos outros produtos agrícolas e com isso atraíram capital de outras atividades, inclusive externos ao próprio setor. Produtores de tecido, de cerâmica, idustrias farmacêuticas, astros do cinema, craques do golfe e do automobilismo e outros tantos, investiram seu rico dinheirinho em vinho.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Sociabilidade do Vinho.

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             Os três amigos inseparáveis encontraram-se novamente acompanhados de suas mulheres, depois de três meses sem que os seis se vissem juntos. Três meses, um tempo interminável, para quem costumava sair para jantar ao menos uma vez por semana.Estavam combinados a conversar sobre tudo, menos sobre vinho, devido à crise extraconjugal que este hábito havia provocado entre eles.

             Há anos, seguiam uma espécie de ritual que começava por contatos telefônicos ou correspondências eletrônicas, que servia para fixar o encontro, sempre num novo restaurante, mas que servia também para determinar qual vinho deveriam levar. Três casais, três vinhos, cada um responsável por um. O encontro também seguia um ritual, que começava com os cumprimentos, perguntas polidas sobre a família, filhos e trabalho e sempre terminava com os homens conversando sobre vinho, as mulheres sobre todo os assuntos que restavam.

            A crise se deu naquele dia em que a mulher mais jovem, contava com lágrimas nos olhos das dificuldades que a filha mais velha estava tendo na escola, no momento mesmo que os homens comemoravam com urros de alegria a decisão de partilharem uma caixa de vinho que estava em oferta imperdível numa importadora. O TILT foi total. O silêncio idem. As outras mulheres compadecidas pelo drama enfrentado pela mais jovem, não suportaram a reação dos homens. A líder entre as três levantou-se dizendo – vamos, garotas, este ambiente está péssimo, não é digno da gente. Ato contínuo, foram-se embora, deixando os três marmanjos com a cara no chão, sem esboçarem reação, incapazes de deixar os vinhos nas taças. Optaram por continuar sem elas, não sem uma ponta de remorsos na boca, misturado com os esperados tons de chocolate, café tostado e geléia de fruta madura.

            Perguntou o mais bem sucedido dos três homens, vice-presidente de uma grande empresa internacional no ramo do vidro, europeu de origem, mas há mais de dez anos morando no Brasil – Como vai a sua filha, melhorrou? – Ela está degustando uma nova experiência que mexe com todos os seus sentidos. Sim, obrigado pela lembrança – respondeu a mulher mais jovem, igualmente cordial – adaptou-se melhor à nova situação de vida, você sabe, mocinhas assustam-se com o seu ritual de passagem, quando se tornam mulher.

          O corretor de imóveis, o mais agitado dos três, querendo ser simpático e estender a conversa arrematou – Degustando uma nova experiência? Mexe com todos os sentidos? Quer dizer, uma nova sensação organoléptica, eventualmente causado por uma melhor oxigenação? Ela está vivendo como se fosse um vinho que se transforma? É assim como passar de um vinho jovem sem madeira, para um vinho mais classudo, mais bem feito, um vinho de guarda? Sem pronunciar uma só palavra, as mulheres novamente se levantaram e foram embora, enquanto os dois outros homens olhavam para o incauto, indignados.

          Ele apenas balbuciou baixinho, olhando para a taça cheia de vinho à sua frente – Sujou.

 Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Brancos não são só Chardonnay e Sauvignon Blanc!

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            Agora que o verão foi embora, vejamos o que pudemos aprender a respeito de vinhos brancos. Aprendemos que eles são quase na sua totalidade, vinhos para se tomar a temperaturas abaixo de 10ºC? Aprendemos que eles são fruto de uma vinificação que descarta a casca das uvas? Aprendemos também que são super conceituados no mundo inteiro, talvez nem sempre tanto quanto os tintos, pois quase sempre são menos longevos e isto conta na hora de fazer o preço. Aprendeu também que isso não é um regra total, porque os vinhos como o húngaro Tokai e o bordolês Sauternes são vinhos que enfrentam qualquer vinho tinto em termos de preço e guarda.

              Muito bem, vinho branco é assim mesmo que se faz e que se toma, mas eu não estou aqui a escrever para débeis mentais que se matam em cliques intermináveis até chegar neste artigo. Obviamente você leitor, sabe isso e muito mais! Certamente já saiu da mesmice que é tomar apenas vinhos chardonnaybrancos de uva chardonnay, uma imposição do mercado, a uva para vinho branco que melhor se deu em quase todas as partes do mundo vitivinífero, incluindo o Brasil que, aliás, anda se saindo muito bem com ela, seja no modo tranqüilo, com produtos de primeiro time como o da Vila Francioni, o da Cordilheira de Sant’Ana, o da Angheben, além do reserva das grandes como o Valduga, o Miolo e o que a Salton vai ainda lançar; seja no modo espumante, métodos charmat e tradicional que nada devem aos de outros países, incluindo 90% dos produzidos na França. Neste quesito, realço novamente o esplendor da Geisse, um produto de qualidade comparável à dos produzidos em Franciacorta.

              Já verteu seus golinhos pela segunda uva de vinho branco mais espaçosa, a sauvignon blanc, uma cepa que anda crescendo em importância nas sauvignon_blanc_white_grape_varietygôndolas de vinho, principalmente depois que andaram perdendo a vergonha de querer se comparar com os franceses do Loire, onde ela é rainha majestática, em forma de pouilly fumé (e não fuissé como erroneamente saiu em artigo recente do Saul Galvão para o caderno Paladar, erro comum, aliás, que todos que escrevem tendem a cometer, não porque se pareçam – uma é de sauvignon Blanc do Loire, a outra é de chardonnay ao norte de Lyon, mas por conta do nome muito parecido). A Nova Zelândia e o Chile estão se esbaldando com ela, acertaram a mão no frescor e na jovialidade, fugiram de parentescos com a forma gaulesa de vinificá-la, pois apenas um solo que já foi mar – como é o caso da região ao lado do rio Sancèrre – dá ao vinho aquele gosto de pura e saudável vontade de “quero ostras, quero frutos do mar”. É também com ela que em Bordeaux se faz a maioria dos brancos, normalmente misturada com a Semillon. Ela aparece também na composição mágica dos Sauternes já citado, junto com outras duas, a semillon e a muscadelle.

              Já ouviu ao menos falar em outra uva de vinhos brancos do Loire, pois não? chenin20blancSim, lógico, ahahaha…. É a Chenin Blanc que tanto se deu bem na África do Sul, responsável por um dos mais deliciosos vinhos que conheço, o Vouvray, seco e frutado, elegante como poucos vinhos da Alsácia conseguem ser. Ah, eu falei de Alsácia assim, porque com certeza você conhece bem os riesling, gewurzstraminer, silvaner, pinot gris etc. daquela região, que mantém um jeitão alemão até nas uvas e vinhos que produz. Longevos como um Albariño espanhol ou Alvarinho português, um pouco menos do que os Chablis, ícones da mineralidade, os melhores chardonnay sem madeira de toda a Borgonha.

                     Voltando ao gewurztraminer, imagino que aproveitou o verão para conhecer algum vinho do Novo Mundo com esta uva, não foi? Se deu sorte de conhecer o da Casa Marin com esta cepa, apaixonou-se e mudou-se para o Chile para ficar mais perto do produtor! E voltando mais uma vez à silvanerAlsácia, andei fazendo uma pesquisa para saber o que há de Silvaner no mercado brasileiro e descobri surpreso e decepcionado que apenas a Mistral tem um vinho alemão com esta uva em seu catálogo, assim como apenas a Zahil traz um da Alsácia, o Trimbach Sylvaner.

                     Mas vamos em frente, porque se continuar assim, termino o artigo antes de sair da França o que é uma injustiça sem tamanho com tantas e tantas e tantas uvas portuguesas, italianas e espanholas. Mas os franceses merecem gros-mansengainda ao menos mais um paragrafozinho, você sabe. Devo insistir para dizer que o sul da França tem uvas para vinho branco que só não são mais importantes nas adegas porque seus produtores foram mais provincianos e não puseram a boca no mundo para gritar suas virtudes. A Decanter costuma trazer um vinho com a presença de uma tal de Gros Manseng que é cortado com sauvignon, uma uva que descobri sem querer, numa pesquisa que andei fazendo. Mas se existe uma Gros Manseng, pensei comigo, deve existir ao menos uma petite, n’est ce pas? Fiquei sabendo pela Wikipédia que não apenas ela existe como anda fazendo o maior sucesso na Austrália e na Califórnia; ou seja, atenção para ela, que ela merece.

               Finalizando a França, vou lembrar você do que você já está careca de saber – que um dos melhores vinhos brancos da França é feito com até 13 uvas bourboulenc_smmisturadas, das quais 5 se prestam mais aos vinhos brancos. Lógico, você respondeu certo e preciso ao lembrar dos vinhos feitos no Castelo Novo do Papa (dito Chateauneuf du Pape), aquele vinho feito em torno de Avignon, aos redores do castelo que o Papa contruiu no século XIII para escapar do verão mal cheiroso, por conta da podridão pestilenta trazida pelo vento Mistral e pelas águas do Rhone. As uvas do seu pretigioso vinho branco, tão importante quanto o tinto – que era famoso no Brasil mesmo antes da existência do Robert Parker –  Grenache Blanc, bourboulenc, clairet, picardin, roussane e picpoul!

                    O quê? Você que sai pelos corredores do seu escritório se gabando do seu conhecimento enciclopédico sobre vinhos não conhece algumas desta uvas? Jamais tinha ouvido falar em Bourboulenc? Bem feito, é pra aprender que são tantas as uvas, que são tantas as formas de vinificar, que é preciso ter 120 anos de experiência para experimentar todas de modo suficiente para poder dizer que esta é melhor que aquela!

                  Pois peço desculpas a você e às uvas que entram nas misturas dos vinhos antao_vaz_cachoverdes brancos portugueses, porque não vai dar para continuar neste artigo sem fim; peço desculpas aos vinhos maduros portugueses de cada região, como o Antão Vaz e o Rabigato que nos dão vinhos de primeira linha; aos Verdejos de Rioja, aos Torrontés argentinos. Peço especial desculpas aos Soave, Verdicchio, Vernaccia, Orvieto, Frascati, Traminer, Roero, Pinot grigio italianos, que tanto produzem porcarias como vinhos de grande qualidade. Principalmente, peço desculpas àqueles que adoram vinhos que sequer ouvi falar.

 Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Ps. As  uvas constantes das fotos de cada quadro estão sublinhadas no texto, para melhor identificação.

Reflexões do Fundo do Copo – Tem Vinho da Cor de Vinho?

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O vinho tem uma cor, como a laranja tem a sua. Cor de vinho, cor de wine-in-glass-61laranja, cor de rosa e outras cores. Mas a imprecisão é muito grande desta cor que pode ser tinta, clarete, rosada, amarelada e esverdeada, quase branca. Entre elas tantas outras cores, um pouco mais laranja, um tanto mais rosada, dourada, esbranquiçada. No afã de se tornar cor-de-vinho, alguns dos mais autênticos produtos da uva, fazem uma força interna tamanha, que borbulham de raiva e precisam de uma tampa muito forte para enjaulá-los em garrafas. Raiva quase sempre vã, pois conseguem ganhar no máximo um tom de rosa. E se conseguem a cor, os vinhos cor de vinho borbulhantes, perdem a qualidade… Não há nada que os salve da mediocridade refrescante.

A cor de vinho tinge a camiseta usada pelo glorioso Juventus lá da rua Javari. É a cor do que já foi o maior clube, em número de afiliados do Brasil. É da cor do vinho que se pode dizer a cor do pecado, pois é a taca-com-vinhoque se parece com o sangue venal – não confunda com seu primo arterial. É cor que harmoniza bem com quase todas as outras, a não ser sua contraparente vermelha e sua oposta verde. Vale destaque para o azul de Gênova (blue jeans), quando está em estado camisa ou camiseta. Combina bem com o preto, quando está em forma de cinto ou tiara.

O vinho não nasce na garrafa e nem no barril, mas quando passa por este último se transforma em criança. Não porque fique mais alegre por conta disso, muito pelo contrário, fica mais adulto, mais próximo da sua maturidade, mais complexo. Porque a raiz da palavra criança é a mesma da palavra cria, e da palavra criatura. Nossa equipe de repórteres poliglotas saiu a campo e entrevistou 1200 tipos de uva, entre cepas de origem americana e européia, em 150 diferentes pontos geográficos do planeta com diferentes características climáticas. A pergunta básica feita às uvas foi – “uva, o que você quer ser quando crescer”. O resultado da pesquisa foi (desconsideramos as frações e as respostas nice-wine-glassimpertinentes como “quero ser vodca”): Fruta de mesa in natura – 12%; Vinagre – 6%; suco de uva – 21%; adubo para as próximas gerações – 3%; vinho sem estágio em barrica 16%; vinho com estágio em barrica 12%. Os 31% restantes não responderam ou porque não tinham qualquer sonho para o futuro, ou porque não entenderam a pergunta.

Concluímos que as uvas por não terem passado por qualquer um dos processos, elegeram um futuro só de ouvir falar. Não sabem que a barrica, além de poder fazer com que cheguem a um estado superior de sofisticação espiritual, pode levá-las a uma vida extremamente longeva. É preciso, contudo, atenuar as conclusões desta pesquisa, visto que questões essenciais de comunicação influíram diretamente no entendimento, seja da pergunta seja da resposta, como podemos denotar das reclamações de muitos repórteres que voltaram dizendo que as uvas não conseguem falar direito, principalmente as do Hemisfério sul, mesmo que originais do norte.

Felicetto nasceu um dia, naquele dia que seu pai engarrafou aquele vinho produzido em sua terra, feito com suas próprias mãos. 50 colour-changes-in-wineanos depois, em comemoração ao seu aniversário, depois de atravessar o Atlãntico e muitos outros mares vida afora, decidiu abrir aquela garrafa, irmã gêmea, em tudo como si próprio. Juntou a família e diante de todos filtrou o líquido no coador de pano novinho, comprado para ser usado naquela ocasião. A cor de vinho ficou nas paredes daquela garrafa semi-centenária e tingiu sem jeito o pano do tecido. A cor ficou no caminho do tempo, a qualidade e o gosto não.

Vinho é um líquido mais espesso que a água potável, contudo menos do que o suco de tomate, se o suco for espesso como deve ser. É mais alcoólico que outros produtos fermentados e muito menos que os destilados, particularmente menos do que a Centerba, licor verde criado por beneditinos que atinge a marca alcoólica de 75º. É ótimo para quebrar o gelo em relações amorosas apenas iniciadas, porque não inibe a nenhuma das partes como os destilados ou outros fermentados menos elegantes. É um alimento particular no sabor, seu gosto pode ser definido como “gosto de vinho”, mesmo quando tem a cor que o nomeia, mesmo quando wine-in-glass-3lembra partículas de sabor de especiarias, flores, frutas, couro, suor e estrebarias, como os críticos insistem em realçar. É um alimento que governos como o nosso insistem taxar como luxo e bebida alcoólica, duas categorias sobre taxadas para que seu consumo seja naturalmente inibido.

É uma mercadoria muito particular que pode, além de ter tantas cores, além de ter tantas possibilidades de consumo, custar até dez mil vezes mais do que ela mesma… Pode custar de R$3,00 a R$30mil e continuar sendo chamada de vinho.

 Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Montanha e Moisés

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Se o vinho não vem até você, você vai ao vinho, você o vê nascer na parreira, crescer e transformar em álcool todo o seu potencial energético sendo domado pelas técnicas que o homem, por ciência ou por acaso, aprendeu. Se o vinho não vai a você é porque você o ignora, é porque você não tem dinheiro para comprá-lo, é porque ninguém faz com que ele chegue até você. É o caso de tantos milhares de vinhos de tantas regiões, pois apesar do boom de consumo e oferta magnífica que existe hoje em dia por aqui, a amostra continua pequena, comparada, por exemplo, com a oferta que se encontra na Inglaterra, país importador de vinhos por excelência. Além do que, existem categorias de vinho que não são feitos para serem consumidos à distância.

breno-rolhaMe refiro não apenas a vinhos de pequeníssima produção, eventualmente os mais interessantes para se conhecer em viagem turística. As empresas produzem rótulos para consumo interno, que nada tem a ver com o sweet point que tanto conquistou o mercado norte-americano, que tanto se impõe. Vinhos que te permitem uma liga mais direta com os hábitos e gostos do povo que você está querendo conhecer através do vinho, como é o caso da linha San Felicien, produzido pela Catena Zapata apenas para consumo dos argentinos na Argentina. Não ir conhecer a região vinícola dos seus sonhos é a prova de que você não sonha com vinícola alguma, é ruim da cabeça ou doente do pé. Não pela chatice que é constatar ad nauseum o mesmo processo de fermentação, as mesmas cubas de aço, os mesmos barris de madeira nos lugares mais frios, as mesmas salas de prova, mas porque existe in loco muita chance de você experimentar vinhos além de sua capacidade de consumo regular.

O ideal é fazer uma conta de chegar, digamos assim: considere que você paga no Brasil, incluindo desde custo de transporte, seguros e guarda até impostos e lucros escorchantes da maioria das importadoras, algo como R$400,00 para um vinho que custa 30 euros na sua origem, ou seja, algo em torno de R$90,00… Se você multiplicar estes números pela quantidade de vinho que se pode degustar numa semana e fazer uma conta de quanto economizou, acaba se lambuzando e nem lembrando o que pode provar, de tanto que se locupleta! Já cruzei com gente que excursionou por Buenos Aires, Mendoza, Santiago e três vales chilenos em uma semana. Certamente, boa parte do tempo passou dentro dos aeroportos e outra parte em ônibus (deve ter sido bom para análise de comportamento humano, pois todos convivem com os mau humores, as brigas e discussões que estas situações acabam gerando, mas não para conhecer vinho, experiência que jamais terei).

breno-foto_homeA indústria do enoturismo movimenta milhões de euros. Italianos, franceses, espanhóis, portugueses, argentinos, chilenos, californianos, australianos, sul-africanos e mesmo brasileiros não param de crescer, estão na categoria de atrações turísticas máximas em seus países. Significa dizer que em torno das videiras, criaram-se grandes estruturas que envolvem boas estradas, bons hotéis, bons restaurantes e outras atividades culturais. Dois anos atrás, 30 condados da região do Douro reuniram-se em consórcio, contrataram uma empresa de marketing de Lisboa e saíram captando mundo afora recursos para transformar seus sítios numa rota do vinho de classe A. Vieram inclusive ao Brasil para ver o quanto os portugueses e oriundos estariam dispostos a participar do esforço local, que faria com que cada um dos ditos condados se aparelhasse de um hotel cinco estrelas, de um conjunto de restaurantes e de outros serviços correlatos. O investimento tinha o aval entusiasmado do banco de desenvolvimento responsável por financiar obras de grande porte para a Europa de mercado comum.

No Brasil, o chamado Hotel SPA do Vale do Vinhedo está lotado de turistas o ano inteiro, vindos de todo lugar, transformando seu saguão numa babel de línguas intercontinentais (encontra-se turistas alemães, japoneses e holandeses em qualquer lugar interessante do mundo). O Rio do Rastro Eco Resort em São Joaquim é o ponto hoteleiro mais importante para quem quer conhecer de perto os vinhos de altitude de Santa Catarina, com destaque para a Villa Francioni. Na Espanha, entre outras regiões produtoras de vinho, a milenar Castela e Leon recuperou breno-hacienda-zorita-pontea região para o vinho e Ribero Del Duero deixou de ser apenas a terra do Vega Sicilia. Uns dias por lá e o turista sai revigorado, certo de que a Tempranillo só não tem a nobreza dos vinhos mundiais porque não tem nome francês (Se chamasse Bientôt, Propetement ou Précoce quem sabe?!). Um hotel construído em pedras, mas com todas as modernidades da atualidade como o Hotel do grupo Zurita, ao lado de Salamanca, não fica a dever em conforto para nenhum das grandes cidades, apenas para não ter que constranger o concorrente numa comparação desigual, pois Salamanca não se compara.

O hotel da Bodega Santa Rita no Vale do Maipo chileno traz atrações além do vinho e da comida.  Apresenta um dos melhores museus de arte pré-colombiana de toda a cordilheira, melhor mesmo do que o de Santiago. De lá, pode-se conhecer algumas das mais interessantes vinícolas do Vale, mas também todas as que se destacam no Vale Casablanca que fica a poucos quilômetros de lá (aconselho vivamente a Matetic e seus EQs). Em La consulta, perto de Mendoza, o conglomerado agroindustrial Santa Helena chileno, que envolve bebidas fermentadas e destiladas, mantém na Finca La Célia uma casa colonial que recebe visitantes e hóspedes. Pequena, longe do formigueiro que Mendoza se transformou, é um bom lugar para virar quartel general de inspeção pelas vinícolas dos arredores.

breno-viagem-bordeauxmadri-002A hotelaria de Bordeaux não dá conta das feiras e convenções que a cidade abriga. Por duas vezes não encontrei paradeiro porque dei uma de caipira e fui chegando sem reserva, achando que bastava pagar um pouquinho mais e sorte ia me ajudar. Que nada, numa dessas fui parar em Arcachon, a meia hora de distância, uma Praia Grande civilizada e bem aparelhada para que haja mais harmonia entre os carros, os homens e a natureza costeira. Na outra vez me dei melhor, não só passei de Bordeaux como de Saint Emilion, porque também lá e nos arredores não havia lugar para aventureiros imprevidentes como eu. A guarida se deu no meio da noite, no hotel pertencente ao Chateaux des Roques, a mais de 10 minutos entre vinhas em direção a Puisseguin. Mas o vinho era bom, a comida idem, o apartamento ibidem, o que compensou (?) as 12 horas aproximadas, investidas na procura de um hotel para dormir.

Nada, no entanto, para o meu gosto, se compara aos pequenos Bed & Breakfast de pouquíssimos quartos como os que se encontra em Gevrey Chambertin, no melê da Côte D’Or da Borgonha, em Barolo, no Langhe do Piemonte e em tantos outros lugares emblemáticos do mundo do vinho. São postos feitos para conspirar abertamente contra o fast food, desde a hora do café da manhã sempre muito gostoso e variado, regado a conversações em inglês de sotaques que variam do interior da Austrália até os cafundós da Índia. Realço uma pequena produtora próxima de La Mora, a mais importante localidade dentre as 11 com permissão de breno-san_miniato_truffle_1denominar seu vinho como Barolo, uma mínima central do eno-turismo, a Stra, com menos de 3 hectares, com sua produção anual de Barolo, Langhe e Barbera sempre antecipadamente vendida, frutos de qualidade, resultado do labor de apenas uma pequena família – um homem, seu pai, seu filho e sua mulher.

Nada se compara às viagens pelos canais da Borgonha e da Alsácia, com direito a barcaça equipada com cozinha e bicicleta – para que se visite os locais mais interessantes, incluindo as vinícolas – que cumpre seu trajeto a incríveis dois quilômetros por hora. Mas isso é uma outra história, que fica para uma outra vez.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

 

Reflexões do Fundo do Copo – o Envelhecimento

breno3Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

 

Um vinho envelhece com a dignidade que lhe foi dado ter pelo homem e pela natureza, pois umas uvas resultam maior potencial de envelhecimento depois de transformadas em vinho do que outras. Tem vinho que muda totalmente suas características ao viajar, ao ser exposto a temperaturas muito variadas, principalmente acima dos 30ºC. Tem vinho que tem que ter a energia domada pela madeira e envelhecida por alguns anos em garrafa e tem vinho que vai para a garrafa tão jovem que chega à mesa bem nervoso. É este o vinho que precisa oxigenar para melhorar o desempenho. Porque ao contrário do que disse seu sommelier de plantão, oxigenar não é sinônimo de decantar. Oxigenar serve para envelhecer vinhos jovens cujos taninos estão amarrados, ocasionando uma rascante adstringência de banana verde na boca. É disso que basicamente se trata oxigenar o vinho. É para dar melhores condições para que ele atinja o seu ápice na hora do consumo!

decanter-tiltedDecantar é uma coisa que se incorporou ao dicionário do vinho moderno, termo originário da química cujo significado técnico é separar elementos de pesos diferentes por meio da ação gravitacional; é fazer com que eventuais resíduos sólidos em suspensão no ambiente líquido, se reúnam no fundo de um recipiente apropriado, dito decanter, cuja característica primeira é conter uma curvatura abrupta feita para dificultar a movimentação dos resíduos sólidos, e com isso facilitar o despejo do líquido sem a contaminação dos resíduos. O vocábulo deriva do latim medieval dos alquimistas decanthare, composto da raiz de- e canthu, designação para bico de vasilha e pode ter derivado do gr. kanthos — que, além de aro, significa também pote, vaso, ou canto do olho. Assim, decanthare significa despejar a partir do bordo de um vaso, do bico de uma vasilha. (www.amalgamar.com.br/blog/2004/07/glossario-decantar)

No caso do vinho, estes resíduos nada têm de errado em si, a não ser na aparência. Já comprei vinho de mais de R$100,00 por menos de R$15,00, só porque ele apresentava depósito de borra, o Scyri, um scyri-3Nero D’Avola que a Expand costumava importar. O vinho estava ótimo, meus amigos, minhas filhas e eu, acabamos com o estoque dele! Neste caso, o decanter é a ferramenta ideal e sempre que abri um vinho desses usei esta ferramenta. Os restaurantes, incentivados pelos comerciantes, por sua vez incentivados pelos produtores e designers, convencem o coitado do consumidor ignorante de que é imprescindível ter um decanter de cristal para fazer o vinho abrir, através de uma melhor oxigenação. Uma peça cara, que custa o preço de algumas boas garrafas e não traz qualquer resultado objetivo para a grande maioria dos vinhos que se tem na adega!

Faça a experiência – compare em degustação, o vinho que você deixa em taça por uma hora com outros dois: o que você deixa em decanter, digamos metade da garrafa e o que deixa em sua embalagem original, a garrafa, pelo mesmo tempo. O vinho na taça tem muito menor volume e se mistura com o ar presente nela de modo a revelar toda a sua complexidade aromática, além de domar os taninos como o desejado. A diferença a favor da taça será sensível, enquanto que os outros dois vão estar em planos muito próximos. Como os seres humanos, os vinhos também amadurecem conforme suas experiências e compostos que fazem sua essência.

decanter-duckOutra coisa é fazer o vinho passar por um decanter em forma de pato – que a minoria dos modelos que se encontra no mercado – ou jarra de boca larga; larga o suficiente para fazer o mesmo papel da taça de boca larga, só para o todo que será servido. O resto é pura má fé e/ou afetação. Então por que o vinho jovem não é engarrafado depois de um processo de oxigenação precoce? É a micro-oxigenação, a oxigenação induzida, como pretendo ter respondido no artigo anterior que falava sobre a madeira, que vem permitindo vinhos jovens demais terem aceitação positiva do mercado, que renega vinhos como os da velha guarda no velho mundo, que atingem naturalmente a maturidade apenas anos depois da colheita. A micro-oxigenação, por isso mesmo, é a técnica de vinificação responsável pela crescente aceitação do vinho entre pessoas que não costumavam optar por ele.

Mesmo assim, é comum melhorar vinhos jovens demais deixando que ele oxigene. Um vinho é longevo porque foi vinificado de modo a atingir tranquilamente seu ápice, primeiro em barrica de carvalho, depois em garrafa. Mas quanto longevo é o vinho? O Grange 1955 autraliano de uva shiraz apresentou-se em excelentes condições ao ser degustado numa prova vertical em 2005, nos dizeres de um dos presentes no evento, a Jancis Robison. Atribui-se aos grandes vinhos esta capacidade de envelhecer conquistando maior complexidade e caminhando para o seu máximo, antes de decair. É um dos fatores mais importantes para estabelecer o seu valor enquanto mercadoria. Pretende-se que um vinho de mais de US$100,00 envelheça mais e melhor do que um vinho de menor idade.

Enrico Bernardo do restaurante do hotel George V, Paris, eleito o melhor sommelier do mundo no concurso de Atenas de 2004, entende muito mais de vinho do que eu e, provavelmente, muito mais do que você que lê este artigo. Pois ele recomenda deixar um vinho oxigenando em decanter um vinho por 3 meses*!!! Não se tratava de um vinho qualquer, mas o madeira Malvazia Barbeito 1834, que ele considera como um de seus melhores vinhos de todos os tempos. Achei que era um erro ou brincadeira de mau gosto e fui ao capítulo que fala de decantação, para ver se encontrava alguma novidade**. Nada de novo, apenas o bom senso de sempre, o uso técnico de sempre, que pede para oxigenar vinhos cujos taninos ainda estão indomados. Não contente com esta alucinação ele nos afirma sobre o Vega Sicilia Único 1970 – “Decanto este vinho safrado seis horas antes do serviço, para uma degustação entre 16ºC e 18ºC”(destaques meus). Seis horas de decantação para um vinho de 39 anos de idade?

decanter-technoNos dois casos citados, surpreende tratar vinhos vividos como se precisassem respirar. Devem estar beirando a demência senil, um com 173 aninhos e o outro entrando nos quarenta! Por que esta coisa toda, se sabemos – e ele também sabe, tanto que afirma no capítulo citado – que “diante de vinhos maduros, é preciso refletir seriamente antes de decidir se uma decantação é verdadeiramente necessária. Este procedimento, certamente útil para separar sedimentos, pode, em contrapartida, acentuar a oxidação com o risco de achatar o corpo e tornar o néctar irremediavelmente muito velho. Eu acho apropriado frente a um bouquet terciário e a uma estrutura bem concluída, abrir a garrafa algumas horas antes, para extrair os aromas sem prejudicar a estrutura.”

Então, como ficamos, que conta fazemos? Para oxigenar um vinho como o Vega Sicilia Único 1970, seguramente um vinho que deve manter a estrutura bem concluída ou não, ele sugere algo como 6,5 anos por hora… Um vinho com quase 40 anos? O mesmo vinho com apenas a metade da vida, deveria então ficar mais de 12 horas aberto? Uma vez, em Ferrara, perguntei o tempo de oxigenação que o vendedor de vinhos de uma enoteca sugeria para abrir determinado vinho da região, um vinho da costa do Adriático perto de Rimini e o senhor sugeriu 13horas. Quem sabe não era ele um parente próximo do nosso amigo Enrico? Fico sem saber, pois jamais me defrontei com um vinho destes para degustar e sequer me imaginei liderando uma degustação como esta.

Ao falar sobre outro grande vinho espanhol, o Rioja Cirsion Bodegas Roda de 2001 ele nos dá uma pista ao recomendar duas horas decanter-basic-with-stylede decanter** o que parece ser extremamente apropriado, um vinho que deve ter ainda mais 10 ou até 20 anos para crescer. Oxigenação de 2 horas, que ele mesmo recomendará para vinhos italianos como La Poja Allegrini 1999, Chianti Castelo di Ama 1997 e Barbaresco Vigneto Starderi Vürsu La Spinetta 2001, tão potentes e da mesma faixa etária do Cirsion. Então trata-se de algum erro? Certamente não, como ele diz, o vinho “deve imperativamente ser decantado por três meses antes da sua degustação”*** E  com o mesmo tom imperativo, ele ainda recomenda 3 dias de decanter para outro fortificado, o Porto Quinta do Noval Vintage Port Nacional 1963!

Já sei, vou pegar um avião hoje mesmo para Paris e entrevistar o próprio Enrico Bernardo sobre isso. Me aguardem!

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

*Enrico Bernardo – A arte de degustar o vinho pelo melhor sommelier do mundo – Companhia Editora Nacional, SP, 2006, pg136
**Obra citada - pg 183
***Obra citada – pg140
(Veja mais sobre decantação de vinhos clicando aqui)

Reflexões do Fundo do Copo – Turismo Só Para Comer

breno1Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção Categorias

 

Você que faz viagens turísticas pensando no que vai comer e beber, está esperando o quê para conhecer Bolonha? Porque Bolonha é uma cidade maravilhosa muito antes de se sentar à mesa. É formada de uma classe de italianos que parecem terem nascidos todos na Inglaterra vitoriana, pois falam baixo, são extremamente solícitos e têm causas sociais a defender. Foi em Bolonha que se criou a primeira universidade do ocidente. É em Bolonha que se anda quilômetros de calçadas cobertas por arcos, que protegem o transeunte do sol escaldante do verão, das chuvas que caem entre estações, da neve e do vento frio cortante do inverno.

arcos-de-bolonhaÉ na Emilia Romagna, província do centro da Itália cuja capital é Bolonha, que por cinco décadas houve um experimento de gestão socialista, fruto da participação da sociedade emiliana na resistência ao fascismo. A gestão parecia eterna, tão bem sucedida era – com seus meios de transporte gratuitos para trabalhadores e estudantes em hora de rush, com seus sistemas de apoio ao agronegócio, ao pequeno estabelecimento produtivo, ao estudante sem posses  exemplo para todos os administradores da coisa pública no mundo inteiro. Sucumbiu à onda direitista que assola a Bota e o resto da Europa, mas não se apaga compromissos de tantos anos em pouco tempo. O povo de lá é mais vigilante do que o de acolá.

Ao sentar-se à mesa, até o seu vinho mais famoso e medíocre – o lambrusco – mostra as suas qualidades. À mesa, Bolonha La Grassa mostra porque foi chamada assim pelos italianos de outras partes. Em pesquisa informal sobre gastronomia, os italianos foram chamados a se pronunciar sobre um concurso para eleger a melhor comida italiana. Espertamente, a pergunta básica era “fora a comida de sua terra, qual é a melhor da Itália?” Resposta da esmagadora maioria – Bolonha. São especialidades reconhecidas como bolonhesas a mortadela, tortelini, a lasanha e o molho dito à bolonhesa, o ragu. Além da mortadela, o embutido cozido mais conhecido do mundo e um dos mais consumidos, com produção anual acima dos 18 bilhões de kg*, Bolonha é a capital da província mais famosa pelos seus embutidos, a Emilia Romagna. E lá que se produz o inigualável Culatello di Zibello, a copa piacentina, o salame de felino, presente em dicionários gastronômicos desde 1905, os presuntos de Modena e Parma, símbolo gastronômico da região, a medieval salama da sugo de Ferrara e os zampone e cotechinos de Modena. http://www.emmeti.it/Cucina/Emilia_Romagna/Prodotti/Emilia_Romagna.PRO.184.it.html

É possível especular sobre esta fama de boa de mesa, quando pensamos que a fartura opulenta saiu da mesa aristocrática e esteve acessível ao cidadão comum antes de qualquer lugar, como atesta uma carta dos últimos anos do século XVII, escrita por uma inglesa de nome Anne Miller Riggs, reproduzida num artigo de Angelo Varni “Bologna La ‘grassa’: uma storia tra mito e realtà” – http://www.storiaefuturo.com/it/numero_5/articoli/1_bologna-la-grassa~69.html, em 11 de Março de 2009 e traduzido livremente por bolonhamim: O almoço de hoje começou com uma sopa branca com macarrãozinho e parmesão finamente ralado na superfície, meia cabeça de porco bolonhês, muito bem assado e temperado, superior à qualquer carne de porco que tenha comido em nosso país; uma fritura muito bem feita, uma torta à moda francesa, um fricandè em navette, uma galinha deliciosa, a melhor que jamais comi, um quarto de carneiro assado, espinafre temperado à francesa, couve flor em trufa, temperado na manteiga e no aliche, um prato de mortadela; como sobremesa, a melhor uva branca que se pode imaginar, peras, nozes de tamanho e suavidade totalmente fora de costume.

Esta mesma especulação, nos leva a uma outra constatação: o ambiente universitário precoce, reunia estudantes e professores de muitos lugares da Europa, propiciando um caldeirão criativo inédito. Ele nos dá a pista de que a fama foi construída através de séculos de fartura e variedade, construída por elementos da agricultura, dos rebanhos e do mar. Localiza a fama por conta de acontecimentos que acompanham a história da cidade desde os primeiros anos do século XI. Como capital de uma região extremamente fértil desde então, já centralizava mercadorias de todo cinturão agrícola das margens do rio Pò, responsável por vasta produção de trigo, verdura, azeite, uva, ervas medicinais, e peixe que chegava à capital por Ferrara desde o Delta do Pò. Vinham marinados em vinho como a enguia ou fresco como o esturjão, os camarões e caranguejos, como as lulas e as ostras.

Diz ainda o autor que carnes bovinas e suínas freqüentavam com surpreendente freqüência até a mesa dos menos favorecidos, para não falar da quintessência da culinária bolonhesa – os embutidos, considerados os melhores – “linguicinhas cruas ou cozidas, melhores do que qualquer outra do mundo, aguçam o apetite a toda hora” comenta um viajante francês do século XV. Há comentários por toda parte nos séculos XVI e XVII, feitos por viajantes franceses, ingleses e alemães. Portanto, maravilhas embutidas, massas excelentes, frutos do mar especiais, frutas, verduras, queijos, recebem você de braços abertos.

Evidentemente, quem vai a Bolonha não é obrigado a ficar tomando Lambrusco só porque está lá. Em Bolonha, entre dezenas de osterias e enotecas, tem uma em funcionamento desde 1465, a Osteria Del Sole, onde você é lembrado por centenas de garrafas de vinho, que a Emilia faz fronteira com algumas ilustres regiões como o Piemonte, a Toscana, a Lombardia e o Veneto, com seus Barolo, Chianti, espumantes de Franciacorta, e Amarone respectivamente, alguns dos melhores vinhos do mundo.

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Enoteca Del Sole – Bolonha

 

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Turismo e as Uvas.

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Já vou avisando, se você quer trazer um presente pra mim de sua viagem à Eslovenia, Grécia, Marrocos, Alto Adige, Languedoc, Portugal, Espanha e tantos outros lugares que produzem vinhos autóctones, não me traga um vinho feito das uvas ditas internacionais porque sou capaz de reagir mal, como fiz recentemente, apesar das excelentes intenções de quem me presenteou. Ora, não é prioritário saber se os produtores destes lugares inóspitos são capazes de imitar os varietais reproduzidos ad nauseam por todos que fazem vinho. Pode até ser legal comparar um cabernet sauvignon grego com um do Chile, mas é pouco, a não ser que seja um vinho tão surpreendentemente bem feito, que concorre em qualidade com os melhores do mundo feitos com esta uva. Afinal foi assim com o Grange australiano na década de 80, não é?

A Eslovenia produz um tal de Cvicek rosado e um tinto poderoso, o Modra Frankinja que gostaria imensamente de conhecer. A Grécia teve sua fama manchada por décadas pelo quase intragável Retsina, mas está recuperando uma posição mais digna no mundo do vinho, produzindo vinhos não resinados com a variedade própria para isso, a Savatiano, mas não apenas ela e nem exclusivamente as chardonnay e chenin blanc da vida. Do Marrocos, traga-me um vinho que lembre o cuscous do Magreb, aquele vinho que já foi importante antes que o mundo norte-africano se tornasse anti-alcoólico por razões de Estado, lá pelo fim da segunda guerra mundial. Um vinho à base de Grenache Noir de Meknes, que não é exatamente autóctone, uva francesa que a Grenache (aliás, espanhola, guernacha), mas se explica pela dominação colonial exercida pela França por séculos.

Falando em Grenache, não sabe o que me trazer do sul da França? Divirta-se com algum vinho Tolosan, um Ugni Blanc de qualidade, por exemplo, algo que custe em torno de 10€ e que por aqui sai um montão de dinheiro. Ah, mas você vai pra Itália e quer trazer um grande vinho, coisa que ninguém vende por aqui. Ué, a Enotria grega tem a oferecer coisas diferentes e boas em todas as partes, apesar de muitos dos nossos connaiseurs acharem que todo vinho italiano é igual. Por exemplo, no alto nordeste tem o Teroldego, uva que muitos produtores brasileiros estão cultivando com relativo sucesso. O Langhe Nebbiolo é vinho que eu tem me dado muitas surpresas agradáveis, porque tem menos da metade do tempo de guarda dos grandes nebbiolos e está se saindo muito bem. O Grignolino tantas vezes esquecido entre os nobres do Piemonte, um Dolcetto em ascensão no mercado mundial. Isso para não sair do norte, porque o centro e o sul reservam tantas aventuras já reconhecidas e outras nem tanto. Traga-se um sangiovese da Emilia Romagna, um que me surpreenda pela qualidade e pela elegância.

Por exemplo, se quiser me fazer sorrir de alegria, traga-me um Pinero do Cà Del Bosco da Franciacorta, um vinho que inexplicavelmente não mais chegou ao Brasil pela Mistral, como costumava acontecer. Traga-me um bom Aglianico, um Montepulciano D’Abruzzo que não seja esta água com açúcar que se importa para o Brasil. Mas se você vai para a Espanha, o pedido é simples, carregue consigo um Verdejo de Rueda, um branco que compete em frescor e acidez com o melhor Sauvignon Blanc e que as importadoras não conseguem impor no Brasil.

Já para Portugal, o pedido é bem de ignorante – quero um Baga cortado com um vinho mais perfumado, pode ser até um Shiraz, visto que os nossos ex-colonizadores andam fazendo maravilhas com tal cepa. Pode ser então um achado de uma garrafa perdida do já falido Douro CRF, o vinho que me fez história, como já tive oportunidade de contar, um vinho que tomei em 1978, colhido em 1948, engarrafado em 1952. Por ela, pagaria duas vezes o que custou. Traga-me então um Alfrocheiro, um Antão Vaz, mesmo um corte do Douro, uma garrafeira do Dão. E por favor, não me traga da Argentina o melhor Malbec nem do Chile o melhor Carmenèrre. Prefiro um Pinot Noir do Vale Casablanca (EQ do Matetic, por exemplo) e um bom corte de Mendoza (San Felician, Malbec+C.Sauvignon, por exemplo, um vinho que a Catena não exporta).

Da Califórnia, aceito com prazer um Zinfandel, da África do Sul um Pinotage, por que não? Da Austrália um Shiraz/Cabernet Sauvignon, vinho de referência deste corte que juntou o oeste (Shiraz) e o leste (Cabernet Sauvignon) da França, numa junção que os franceses jamais tentaram antes. Da Nova Zelândia pode ser o que você quiser, conheço tão pouco que qualquer um dos bons vinhos serve.

Estamos conversados?

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Madeira de Lei no Vinho.

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Participei de uma degustação, com vários jornalistas de prestigio, em que a Lidio Carraro apresentava uma segunda linha de vinhos que não tem o nome Lidio Carraro no rótulo. Entre eles o Elo, um vinho 20% malbec, 80% cabernet sauvignon. Gosto, pergunto para o enólogo se um vinho equilibrado como este não estava a merecer uma versão com passagem em madeira para lhe dar mais elegância, sei lá, mais guarda. Silêncio, mal estar, cochichos. Por acaso não sabe o interrogante que a Lidio não trabalha com madeira, respondem com os olhos os indignados presentes? Fiz a pergunta, mas deveria calar e ficar a pensar com os meus botões. Estava dando tratos à bola, com as denominações espanholas na cachola, que – ao modo de tantas outras européias – vão enobrecendo o rótulo de seus vinhos conforme o tempo de guarda – de Crianza para Reserva e depois para Gran Reserva.

Uma das maiores invenções do mundo do vinho depois da uva, do carvalho e do enxerto americano é a micro-oxigenação. A uva entra com o suco e com seu levedo Saccharomyces, responsável pelo milagre da transformação do suco de uva em vinho. O carvalho vem com toda aquela pompa e circunstância de quem nasceu em berço esplêndido dos bosques bordoleses e conviveu com praticamente todos os grandes vinhos que chegaram aos nossos tempos. O enxerto viabilizou o negócio agroindustrial do vinho moderno apesar da filoxera, uma praga que dizimou os pés de videira de tudo quanto é produtor longe do Pacífico. A micro-oxigenação substitui com rapidez o processo de amaciar taninos rebeldes sem recorrer a um recipiente caro e raro como é o barril de madeira. E mais, acrescente chips de compensado de madeira com essência de carvalho e pronto, temos um vinho com os aromas e a maturidade do vinho que todos esperamos.

Neste jogo de verdade e mentira, os vinicultores andam fazendo de tudo para acelerar o momento de engarrafar seus preciosos produtos. Também pudera, em menos de cinco anos vinhos como o Brunello de Montalcino toscano passou de vendas na ordem de 800mil garrafas ao ano para 5 milhões; em menos de 10 anos a Austrália passou a utilizar o dobro de hectares para o eno-negócio! Sem falar que o vinho reconquistou espaços por décadas abandonados para o plantio da uva e descobriu milhares de hectares novos para esta prática. No Brasil do Vale do São Francisco, de São Joaquim e da Campanha. Na Itália da Puglia e da Umbria, que sempre produziram, mas não de modo tão capitalizado. Na Eslovenia, em Israel, no Líbano, na Colombia etc.

Madeira e fruta trabalhada em geléia. Este foi o objetivo do negócio novomundista do vinho nos últimos tempos, dignas exceções feitas. Agora vemos um movimento para tirar o gosto de madeira do vinho, no típico exercício pendular que rege a moda. Primeiro muito madeira, agora não. Expulsar da garrafa os taninos da madeira, é o up to date do vinho! O carvalho domina os taninos do vinho desde que os celtas começaram a misturar o líquido e a madeira de lei, algo como 1500 a.c. Certamente eles não fizeram uma pesquisa científica para ver qual era a madeira que melhor servia para substituir a ânfora no acondicionar o vinho. Pegaram a que tinham em mãos sem qualquer preocupação com o ecossistema ou a finitude dos elementos e iniciaram este casamento consagrado por todas as adegas do mundo, um processo que só agora está sendo contestado. Contestado por abuso e mau uso, evidentemente.

barrisVinhos muito ariscos como os nebiollo, sangiovese e alguns outros, que mesmo depois de cinco anos de descanso entre madeira e garrafa precisam oxigenar algumas horas, estão sendo contestados sim. O modelo, mais uma vez, é o de Bordeaux, espécie de estrela-guia para o vinho. 18 meses de barrica, guarda infinita, de preferência mais de 10 anos. Mas quando pensei em voz alta sobre a madeira para aquele bom vinho, pensei numa madeira menos vibrante, nada oxidado como os velhos espanhóis que merecem ser esquecidos nem tão cheios deste enjoado gosto duvidoso como o que se tem neste Cabernet Sauvignon reserva do Robert Mondavi, ícone do vinho do Novo Mundo.

Clos Ouvert é o nome de uma pequena produtora chilena de um francês que compra as uvas e vinifica sempre a partir de tonéis de carvalho francês com 3 usos, seguindo uma tradição de vinhos caseiros, muito antiga. Os vinhos dele são bons, à vezes melhores do que a grande maioria dos vinhos badalados do Chile e da Argentina, porque a madeira e seu sabor só se percebem lá no fundo. Acho legal, eu aceito o argumento. O nebbiolo 2002 da família Bettù que não passa por madeira é prova concreta que os caminhos que levam ao paraíso do vinho não passam obrigatoriamente pela madeira. Todo Chablis cru não passa por madeira, é ótimo e é longevo pra danar. Mas como diria Paulinho da Vila, em dia de nevoeiro é bom levar o barco devagar.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR