Amigos do Vinho

Breno direto da FENAVINHO – O salto de qualidade

breno2Breno Raigorodsky, amigo e colaborador de todos os sábnados com suas deliciosas crônicas, nos escreve direto da Fenavinho. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Nesta semana de visitas à região do Vale Vinhedo, sob o patrocínio da Ibravin e por ocasião da Fenavinho, elejo homenagear com este artigo dois sujeitos entre todos que nos acolheram e nos agradaram com seus produtos, e suas personalidades. Um lembra o outro. Idalêncio Angheben lembra Mário Geisse.

Trabalharam juntos em projetos importantes na consolidação da imagem Chandon no Brasil, o primeiro desde o começo – e por muitos e muitos anos – e o segundo ao orientar a criação do momento mais bem sucedido em termos de qualidade da empresa francesa por aqui, em torno do início dos anos 90, incluindo o lançamento do Excelence da Chandon. Pensem que ousadia foi criar um produto que atingiria o mercado com o peso de um preço ao menos duas vezes superior a tudo que ele houvera absorvido até então! O Excelence foi sucesso puro e abriu o caminho para que Garibaldi ganhasse a fama de terra dos espumantes. O Idalêncio colocou seu conhecimento a serviço da Chandon, desde o inicio do processo de implantação da gigante francesa pela América, que, como um polvo atento, estendia seus tentáculos para o Brasil, Argentina e EUA simultaneamente. Idalêncio veio de família vinhateira, mas foi dos primeiros de sua geração a se livrar do rame-rame circular das famílias de antão, que viciava a produção brasileira com álcool indevido, vindo de uvas americanas. Foi pras cabeças, não conciliou sempre que houve brechas para lutar e se locupletou com conhecimentos modernos adquiridos não apenas nas salas de aulas, mas nos campos e bodegas.

espumantes-salton1O Mario veio para cá quando já tinha dados os primeiros passos no Chile em direção às modernas técnicas que faziam da qualidade o objetivo a ser atingido e não mais – quase tão somente – a quantidade produzida. Por esta razão, a Chandon o cooptou. O chileno ficou por aqui durante alguns anos, foi-se embora para a sua terra para sempre cá voltar, seja como consultor, seja como produtor proprietário de uma das mais charmosas e melhores casas vinícolas do Brasil. Sua especialidade agora, borbulha em garrafas que saem com o nome Casa Amadeu/Cave Geisse as melhores do país (não para mim, não para você, mas para toda a torcida do Corinthians). São borbulhas que nascem neste canto do Vale do Vinhedo, onde Pinot Noir e Chardonnay – na proporção de um para três – brotam das terras que ficam na chamada Linha Amadeo, terra cujo solo rochoso, poroso e com falhas estruturais importantes, permite rápida drenagem. E, com a cumplicidade indispensável de uma amplitude térmica excelente, cria as condições de plantio que procurava.

Sem deixar seu trabalho na Casa Silva chilena, Geisse está sonhando acordado, fazendo parcerias locais para produzir o seu projeto que, não por acaso, chama-se Soño, que é de produzir ele mesmo e em terra própria o que ele mais tem como referência. Ou seja, Mario comprou e produz atualmente champanhe em Champagne, Reims, França. Mario produz carmenèrre no Chile, com marca própria. E pretende fazer muito mais, é só esperar. Em artigo recente para a revista Isto É, o leitor fica sabendo que “um de seus tintos, o Bisquertt, foi eleito em 2002 o melhor merlot do mundo pela International Wine Spirit Competition, na Inglaterra. O mesmo concurso elegeu no ano passado outro de seus “filhos”, o Los Lingues Gran Reserva 2001, o melhor carmenère do planeta”. Mas o que a revista e ninguém mais fala é sua revolucionária decisão de optar por estas caixinhas com torneira para comercializar os vinhos que produz, além dos espumantes, com o nome Casa Amadeo. São vinhos de uvas de vinhateiros da Linha de Amadeo que ele fiscaliza e vinífica criando seus Reservas, um tinto – em caixas de 5 litros – e outro rosado – em caixas de 3 litros. É um projeto que pretende diminuir custos e popularizar o vinho, que pode chegar às taças dos restaurante a menos de R$5,00 com a qualidade Geisse, produto de excelência como já demonstrou com todos os outros que faz.

Mas o Mario continua lembrando o Idalêncio Angheben, depois de tudo isso. Eles se assemelham pela quantidade de coisas que fizeram para o vinho brasileiro ganhar qualidade. Pois não bastasse Idalêncio ter seu nome ligado à história da Chandon, foi ele o principal professor formador desta geração de enólogos que começam a aparecer atrás de todas as vinhas Brasil afora. Não bastasse sua ação acadêmica, foi o técnico explorador que com seu filho Eduardo – doutor em enologia, formado pela primeira turma do Brasil, com especialização em Bordeaux – descobriu para o vinho a Campanha, particularmente a Encruzilhada da Serra, onde mantém sua plantação, muito antes de Lidio Carraro sequer pensar em plantar por lá. Foi ele também responsável pela realização do Vale do Vinhedo, dando condições para que aquela produção passasse do vinho de mesa a vinho fino entrando para uma rota de qualidade. O cara é sério. Fora do meio, seus produtos são conhecidos apenas alguns de seus vinhos de muita qualidade, como estes Gewurtzraminer e  Touriga Nacional que tive oportunidade de provar e colocá-los entre as melhores surpresas que experimentei nesta semana (veja abaixo).

Geisse e Angheben. Uma dupla que merece um olhar atento, porque quando parece que eles estão deitando em berço esplêndido, mostram que se levantam, só para surpreender. 

remuage 

  • Palmas para um produtor como o Geisse, que decide comercializar seus vinhos tinto e rosado reservas, em caixinhas de papelão, incentivando o mercado para superar a pecha de produto de carregação colados às caixinhas, que não deixam o ar entrar conforme o vinho vai saindo, uma solução ideal para vender vinho em taça em restaurantes de bom movimento.
  • Palmas para a Angheben por estes Touriga Nacional e Gewurtzraminer, ambos traduções locais, sem muitas concessões aos modelos europeus.
  • Palmas dobradas ao elegante brinde que os jornalistas receberam do Juarez Valduga: uma grappa de chardonnay embalado como se fosse perfume com spray. Ótimo para pulverizar um embutido fatiado ou uma salada ou sei lá o quê, provando que a Valduga atingiu a maturidade em comunicação.
  • Palmas para os chardonnay tranqüilos da Guerini, Salton e da Valduga. Competem com outros grandes como os da Cordilheira de Sant’Ana, do Bettù e do Villa Francione. O Valduga tem quase tanta manteiga quanto o da Villa Francione e até arrisco dizer que pode ser mais equilibrado que o prestigiado concorrente. Palmas para os espumantes em geral, o que não é mais surpresa. Surpresa neste quesito é o da Dal Pizzol, finalmente um moscatel que não exagera no açúcar.
  • Palmas para o Elo da Lidio Carraro, que usa o malbec em 20% para equilibrar o cabernet sauvignon e fazer do vinho um retorno gastronômico à vocação autóctone em Cahor da uva ícone argentina. Finalmente, nada daquela gosma enjoativa de compota de açúcar que tanto caracteriza o ataque na boca.
  • Palmas (?!) para o Series: Cabernet Franc da Salton. Palmas pela qualidade, mas pena pela descontinuidade, pois o produto saiu da linha de produção.
  • Palmas para a propriedade do Dal Pizzol. Palmas para a sua adega de vinhos de mais de 30 anos. Palmas por nos conceder uma degustação com um deles, polêmico na avaliação, agradando mais um do que outros.
  • Palmas para aqueles que procuram sua identidade porque parece ter chegado a hora de não apenas servir o que se espera, mas surpreender e educar com a qualidade.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

 

Reflexões do Fundo do Copo – Salsicha, Linguiça, Cerveja e Vinho.

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

Para aqueles que pensam em cerveja no mesmo momento que pensam em salsichas, aviso: não há nada de estranho ou fora de lugar, pensar em vinho. Entre a França e a Alemanha, naquele lugar do mundo onde a cultura gastronômica saxônica se encontra em pororoca constante com a latina, produz-se vinhos brancos de primeira, vinhos cuja genética é voltada naturalmente para a charcutaria. Vinhos brancos conhecidos na fronteira, à base das nobres Riesling e Gewurzstraminer, mas também à base de Silvaner e Pinot Gris, freqüentam os bares dos dois lados do Reno, mesmo quando estes bares levam o nome de cervejaria.

Vinhos brancos, cervejas e espumantes, fazem rodízio no preparo do prato regional mais disputado, onde o chucrute se prepara com repolho refogado com carne de porco, umas dessas bebidas e zimbro, como tempero típico.Mas não dá para esquecer o vinho tinto, mesmo nesta disputa, pois o pinot noir alsaciano, pouco divulgado, entra na dança fazendo sucesso como poucos, vinho de primeira qualidade que é.

A não ser que se fale de um tipo de específico de salsicha, ah bom: a bierwurst da Baixa Saxônia, é exemplo de salsicha que leva cerveja em seu interior. Ponto para quem pensa em cerveja! Mas o vinho tem seus contrapontos, no interior de tantas lingüiças secas, de tantas origens peninsulares. A Grande Enciclopédia Ilustrada da Gastronomia do Reader’s Digest nos conta que é comum na culinária do norte da Itália, condimentar com vinho branco a lingüiça fresca, aquele tipo que se come nos churrascos e é feita para grelhar ou fritar. Ponto para o vinho!

No fim, quem sabe, a associação que fazemos naturalmente é a do embutido cozido com cerveja e a do embutido cru, fresco ou curado, com o vinho, certo? Errado, porque as posições se misturam muitas vezes pelo caminho da confecção e do uso, até porque estamos falando de produtos que o homem (e também a mulher, por que não?) bebem e comem, antes mesmo que a palavra “comemorar” tivesse sido criada para melhor justificar a comilança!

Nesta disputa, entra as mortadelas, nada mais que embutidos cozidos, como as salsichas e salsichões, consumidas historicamente com vinho, de preferência, em Bolonha – onde a mortadela foi consagrada com Denominação de Origem Controlada – com vinho Lambrusco tinto e seco. Meio ponto para o vinho, porque nem sempre é de bom alvitre aceitar que o Lambrusco seja coisa que se tome, apesar da grande massa de admiradores que este suco de uva fermentado tem ao redor do mundo, a ponto de colocá-lo entre os maiores produtos de exportação da Itália …

Em Portugal e na Espanha, brancos, tintos e cervejas disputam mesa-a-mesa a preferência, quando se trata de acompanhar seus excelentes embutidos. Na mesa da feijoada nossa de cada sábado, dificilmente o vinho entra, mais por tradição que por “mariaje”. Pois está provado que um bom vinho verde tinto acompanha o nosso prato nacional com muita galhardia, apesar de que estas provas sempre foram feitas com a “turma dos bebedores de vinho”, com nenhum grande bebedor de cerveja à mesa. Portanto ponto para esta última.

O que não se pode dizer sobre tantas outras tradições que misturam um ou mais vegetais com embutidos de carne. Os grandes cozidos italianos, espanhóis, portugueses, franceses etc. são comumente preparados com vinho e embutidos, como é o clássico molho à bolonhesa que em uma de suas receitas mais aceitável mistura carne de lingüiça moída com carne bovina e vinho. Ponto para o vinho, mas a contrapartida vem rápida, quando lembramos de vários embutidos ingleses, verdadeiras refeições completas – às vezes com queijo, aveia e frutas, misturadas com carnes moídas – que comumente levam cerveja no preparo. E eles lá sabem cozinhar, aqueles britânicos que cozinham carneiro na água para depois temperar na mesa com os molhos que roubaram das colônias, como o ketchup e chutney indianos?

 Injustiça com ingleses feita, de ponto pra cá e ponto pra lá, pergunto por fim: e alguém ainda se interessa por coisas desse tipo, salsichas, lingüiças, salames, vinho e cerveja? Pode ser bom, diz nosso paladar, mas tem muito médico nutricionista que diz – pode ser ruim. Ponto para todos!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Literatura e o Vinho

breno3Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

         “O Vinho Mais Caro da História” de Benjamim Wallace (editora Zahar)foi meu livro de cabeceira, nos últimos dias. Apesar de ser chato, ele me pegou e só larguei depois que acabei de ler suas 252 páginas mal escritas. Por que fui até o fim, eu que sou conhecido como um impiedoso larga-livros, que jamais leio até o fim coisas que não me prendem a atenção? Perguntem para o Joyce se li seu Ulisses até o fim, perguntem para o Guimarães Rosa quantas vezes tentei ler sua história sobre Diadorim até finalmente conseguir…

Pois bem, li este Benjamim Wallace porque, talvez tenha sido a fonte mais precisa do porque vinho custa o que custa… Este absurdo disparatado que concorre diretamente com os preços das relíquias mais valiosas, quando – mesmo nos mais caros e cuidadosos processos – não custa sequer 1/20 do preço que tem nas prateleiras. Descubro pelo livro, que jamais um vinho tinha superado os US$500,00 até 1970 ou próximo disso.

Descubro então, que o vinho vira moda e que torna interessante a sua entrada no mundo dos leilões, o que vai alimentar uma espiral de preços que levou, em 1985, aos tais US$150.000,00, que justificam o título do livro. Em menos de 10 anos, mais de 30.000% de valorização, números que nem os bancos brasileiros conseguem atingir em termos de lucro! Os ricaços americanos e alemães, alguns até interessados em vinho e não apenas em aparecer, principiaram um processo de degustações infindável, consumindo, como se fosse água, vinhos da era pré-filoxera, ou seja, vinhos anteriores ao fim do século XIX, já que a praga exterminou praticamente toda produção mundial de uvas ditas apropriadas para o vinho, exceção feita às vinhas do Chile.

Gente importante como Jancis Robison e Robert Parker, entraram de bocós neste processo de valorização sem medidas e sem respaldo na realidade. O livro trata das dificuldades em determinar o falso, mas deixe entender que falso mesmo não são garrafas e conteúdo, mas as motivações, pois a relação que cria com Thomas Jeferson – embaixador da novíssima república americana em solo francês – nada mais faz do que conduzir o fio da meada, que leva à prova de falsificação de uma parte importante de vinhos neste período.

O que mais incomoda é que aquela gente esbaldou-se de beber os grandes vinhos anteriores à II Grande Guerra, mas quem paga a conta, até hoje, somos nós!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Tensão das Taças

breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

A bateria é composta de seis vinhos tintos, todos servidos em ordem desconhecida, de cepas desconhecidas,de processos desconhecidos, de origem desconhecida, tendo apenas como norte, o hemisfério sul. As taças são do tipo ISO, todas numeradas, do mesmo modo que as fichas respectivas. Os vinhos foram servidos cobertos por folha de alumínio, com dosador.

A água à disposição está em jarra, servindo em média, cada quatro degustadores. O pão cortado em cubinhos está acabando. As notas devem variar de um a cinco, sendo que os primeiros quatro pontos são referentes às avaliações sensoriais dos olhos, do nariz e da boca, sendo que o último ponto é livre para o nada técnico – mas decisivo – “gosto-não-gosto” absolutamente subjetivo.

A degustação vai se encaminhando para o fim.Treze pares de olhos, voltam-se famintos para o veredicto do mestre. Ele sabe mais, ele é o grande líder de grupo, com uma longa tradição em degustações. Além disso, ele conhece as fichas técnicas, foi ele que escolheu os vinhos que participaram da bateria.

 

A jovem funcionária da enoteca sabe que depende daquela avaliação para manter o seu emprego e o prestígio dentro do grupo.

 

O senhor, especialista em turismo de aventura, disfarça a ansiedade com tiradas de bom humor.

 

A grande maioria apenas espera, depois de entregar sua ficha de avaliação.

 

O mestre dá suas notas. A jovem abre um largo sorriso, o sommelier orgulhoso vira-se para o vizinho e arrisca um “eu não disse?”.

 

A senhora, proprietária de um bufê de festa de crianças acerta todas.

 

O grande sommelier erra a metade.

 

Dois dos degustadores discutem com o mestre, justificam suas notas divergentes.

Um deles, um vendedor de uma famosa importadora, sai da sala revoltado.

A jovem funcionária despede-se de todos, mantendo ainda aceso o seu largo sorriso.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Atenção, Batata Crua Estraga o Vinho!

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

 

             Sempre é melhor um vinho bom do que um vinho ruim, principalmente quando a comida não sai do jeito que você esperava. Porque nada harmoniza com um prato mal feito, bacalhau ao forno com batatas cruas, por exemplo. Evidentemente, esta é uma referência para vinhos que se toma em casamento com a comida, que, como em quase todo casamento, alguém desequilibra, apesar de ser ele, o equilíbrio, a melhor medida. Mas ele ou ela, sempre ou quase sempre, desequilibram, tendo que um carregar um pouco mais de peso do que o outro. O ideal é servir grandes vinhos com grandes refeições, vinhos médios em refeições medianas, vinhos simples em refeições despretensiosas, mas a vida não é assim tão equilibradinha.

Imagine-se abrindo o melhor vinho que jamais teve coragem de comprar, para servir seu chefe, que vem jantar com a mulher em sua casa pela primeira vez. É a sua oportunidade para finalmente pedir um novo equipamento, uma mesa com vista para o jardim, uma sexta feira livre por mês ou até – coisa antiquada – um aumentozinho no salário! De repente o prato de resistência, o bacalhau que você fez com tomates, batata e cebola não está de todo ruim, mas a batata está dura, tão dura que parece crua! Aí não dá, não há papo que esconda o erro, não há vinho que perdoe batata dura.

 

nunca-mais

 

Copos de cristal, talheres pesados e louça de qualidade podem atenuar. Atenuaria bastante se os convidados tiverem pouco gosto culinário a ponto de confundirem o prato mal feito com alguma novidade da Nova Cozinha, com seus vegetais crocantes e carnes mal passadas, argumento que definitivamente não se presta a dois elementos, no mínimo – frango e batata.

Servir o vinho logo que as pessoas chegam ajuda também, principalmente se ele for daqueles acima do bem e do mal, o que normalmente que dizer vinho acima de US50$00. Servir logo de entrada uma tábua de queijos salgados e gordurosos como parmesão, brie, camembert é pecorino é bastante usual, pois estes laticínios têm a incrível propriedade de esconder qualquer defeito do seu vinho!

Ao contrário, quando o prato de resistência sai do jeito – um bacalhau com batatas, cebola e tomate no forno, por exemplo, servido na temperatura certa, no ponto certo do sal, no balanço correto dos elementos – o peso sai do ombro do vinho! Significa que ele pode ser mais simples, como os que o João Felipe Clemente vem insistentemente listando neste Falando de Vinhos, pode ser um dos Best buys que a Wine Spectator e a Gamberosso elencam, como o imperdível Alamos ou pode até ser um vinho em oferta, daqueles que já apagaram as velinhas dos cinco anos e, por isso mesmo, tornam-se mais difíceis de vender restaurantes e entrepostos, mas nem por isso estão fadados a ir para a panela.

Às vezes são como o Praepositus Gewurzstraminer da Abazia de Novacella 1998 que me custou quase nada e estava absolutamente perfeito, sem saber que era fruto de uma produtora fundada em 1142 no Alto Adige italiano,presente no famoso catálogo “1001 vinhos para beber antes de morrer” editado por Neil Beckett e prefaciado por Hugh Johnson! Pensando bem, um vinho daquela qualidade, salva qualquer jantar, mesmo que este seja um bacalhau ao forno com batatas duras, quase cruas!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Aprendendo A Beber Com Quem Ensina

brenoMais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Se o Saul Galvão passou com Bollinger e Vega Sicília eu não fiquei muito atrás, passei com Chandon e Cabernet Sauvignon Família Bettù.  Se o Jorge Carrara passou com Catena e Achaval Ferrer, o Jorge Lucki passou com um Supertoscano e um Franciacorta, e o João Filipe Clemente passou com um Pera Manca e um Alvarinho… Que bom para eles, o que mais posso dizer?

Sei por fontes fidedignas, que a Jancis Robison pretendia passar com um Grange 1978, enquanto que o R.Parker teria escolhido um Montrachet e um Chambolle. O Michel Roland parece ter ficado num Montes Alpha e num Casa Marin branco, não souberam especificar qual deles.

A Alexandra Corvo preferiu um Cava, que melhor acompanha sua formação acadêmica, enquanto que o Aguinaldo Záquia foi de Barbaresco e Soave, a mesma escolha tinta do Marcelo Copello, que ficou no Chardonnay do Pio Cesare, em matéria de branco. O Lilla pai exibiu-se entre os gregos em público, mas com os melhores de Pomerol, na privacidade. O Jacques Troigros, dizem, quis surpreender com um Cornas e um Chateauneuf du Pape branco, mas não foi tão longe quanto o Álvaro César que decidiu por um Ernie Els do começo ao fim, brindando apenas com o Moscato espumante da Chandon. O Pagliari estava inspirado, parece ter mantido sereno a pose brasilianista, e foi de Marson Brut e Cordilheira de Sant’Ana, mostrando a todos suas paixões pelos brancos.

O Luiz Horta pegou pesado e passou a noite entre rosados da Península Hispânica.  A Carina não quis saber de misturar, começou bebericando Sauternes, transgrediu na harmonização e foi até o fim. Quanto ao Archemboim, ao Didu, ao Quartim e tantos outros, não pude recolher a tempo suas impressões, portanto fico devendo. Borbulhantes ou não, todos seguiram o rumo da história e passaram o ano de copo na mão!

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

 

PS.  nenhuma das afirmações acima foram confirmada, nem mesmo as que me dizem respeito, exceção feita á do Saul Galvão que afirmou suas escolhas em entrevista para a Rádio Eldorado e que me inspirou a escrever esta crônica!”

Reflexões do Fundo do Copo – Degustando Brasileiros

breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias. Oops, mas hoje não é Sábado! Não mesmo, só corrigindo uma falha de comunicação no ultimo Sábado em que o post não foi publicado e depois, coisa boa não tem hora nem dia!!

 

Na lousa ao lado da cozinha traço um quadriculado para avaliação de 20 vinhos, 6 de até R$50,00, 8 entre R$50,00 e R$90,00, 6 de mais de R$90,00. Somos 14 degustadores, pagamos nossa experiência de vida com calvície aparente ou cabelo agrisalhado entre o sal e a pimenta do reino; todos somos bebedores de vinho desde criancinha, todos com experiências de vida internacionais, sendo que o mais bobinho passou um ano nas européias, e os menos bobinhos viveram algo como 6 anos fora daqui. Todos se mantêm em contato com o mundo, seja por atividades comerciais, seja por atividades acadêmicas ou de consultoria. Apenas 3 mulheres estão presentes nesta maratona de copos, uma falha machista, deste que convocou a reunião. Pretendemos passar algumas horas decidindo, na taça, o rumo do vinho tinto brasileiro – se ele finalmente se acomoda na sua faixa que vai do totalmente medíocre até o bonzinho ou se ele pode pretender mais e atingir a superação desta percepção generalizada.

Faço as honras da casa, mostro que – no mínimo – muita coisa acontece nos últimos anos no mundo do vinho brasileiro. Começo por dizer que até pouco tempo compartilhava da mesma sensação de que o vinho brasileiro teria vocação para ser um produto de segunda, seja por causa das chuvas de Janeiro/Fevereiro, seja porque o bom vinho brasileiro é e sempre será o espumante, seja porque o Vale do Vinhedo está interessado mesmo em produzir suco de uva e destilado… Sei lá o porquê! Digo que a percepção está mudando e estamos começando a nos entusiasmar com nosso potencial. Formadores de opinião importantes como a Jancis Robison e outros começam a falar com simpatia deles. Aponto para uma lista de prêmios internacionais que estes vinhos brasileiros têm recebido em todas as partes do mundo, diante de todos os públicos, inclusive na França, Itália e Argentina.

Nosso vinho não é mais somente advindo de novas gerações das velhas vinhas de sempre, no Vale do Vinhedo. Aliás, estas já são formadas pelos netos e bisnetos dos primeiros imigrantes, gente formada em enologia, em engenharia agrícola, muito distante da romântica imagem dos colonos do Vale, apenas trabalhadores da terra em geral, imigrantes sem cultura. Chamo a atenção para o que acontece nas bordas do Vale, para os lados de Flores da Cunha e para outros cantos inesperados, como Garibaldi, tradicionalmente ligado aos espumantes. Apresento a diversificação do vinho tinto nacional, que pulula agora nas promissoras regiões da Campanha, em Sta. Catarina e Paraná, além do surpreendente Vale do São Francisco. Diversificação que começa pela origem de capital, nada a ver com o mundo do vinho… Origem esta que se mescla entre gente da construção civil, gente do negócio da distribuição de gasolina, enólogos que investem em novas dinâmicas produtiva; diversificação nos objetivos financeiros, mas igual procura pela excelência. Digo dos simpósios sobre o negócio do vinho no Estado de Santa Catarina, com a presença de gente formada em Bordeaux. Falo dos profissionais do defeito do vinho, que fiscalizam com mais rigor as falcatruas de antão. Digo que o vinho – a partir do crescimento de mercado entre a moçada urbana – vai se tornando o principal acompanhamento dos jantares em restaurantes, como é em tantos outros países e que isso incentiva demais o espírito de competição capitalista de quem está neste negócio, apesar dos custos ainda serem altos demais. Tudo muito distante do consumidor dos produtos de garrafão, nos tempos áureos das cepas americanas Santa Isabel e Bordô, quando o Sangue de Boi reinava.

Falo para incrédulos, a grande maioria do universo da degustação, gente acostumada a beber vinho de R$50,00 a garrafa para cima. Gente que sempre quer saber o que há de novo no mundo do vinho, mas que pouco olha para o que se faz aqui. A degustação nem começa e alguém contesta o método, diz que não vai conseguir chegar nos melhores e mais caros, ficará bêbado e sem critério, não é profissional. A choradeira então se espalha, todos querem menos para terem um melhor resultado. Decido sacrificar uns tantos pelos seguintes critérios – facilidades de mercado e distribuição e preço: os menos conhecidos e mais caros ficam.

Do primeiro grupo, dentre os mais baratos, o Fabian Assemblage ganha na boca e o Cordilheira de Sant’Ana Cabernet Sauvignon, ganha no buquê. Do segundo grupo, nenhum decepciona totalmente, mas nenhum empolga, talvez pela ansiedade de atacar os grandes reservas. Aqui, vale o comentário de que os incrédulos param de resistir na medida em que sirvo o “Castas Portuguesas” do Miolo, em parte porque a novidade em ver um vinho português feito (e bem feito) no Brasil surpreende muito. Em parte também – é possível notar – os apreciadores de vinho com uvas do tipo Touriga Nacional são muitos entre nós. Mas principalmente porque o desfile de Cabernets Sauvignons varietais ou no máximo cortados com merlots medianos é um pouco tedioso e a novidade nas uvas salta, cria destaque.

Lamento não ter trazido vinhos como o Tempranillo do Lidio Carraro, o Angheben com Teróldego, o Pinot Noir do Mauricio Ribeiro de Flores da Cunha, o Marselan do Bettù, o Nebbiolo dele e de outros, diversificações na pesquisa de produção e aceitação de mercado. Lamento não ter eleito os Tanat como o da Cordilheira de Sant’Ana, uma casa que foi extremamente bem avaliada, até porque, servi, antes de começar a degustação o seu surpreendente Gewurstraminer, vinho que foi comentado por muitos até as despedidas do fim do encontro. 

No grande final estão o Top do Boscato (enquanto ele não põe o seu Anima Vitis nas ruas), o Miolo Merlot de cepas escolhidas (que impressiona até pelo porte da garrafa), o orgulhoso Argenta Merlot, os cortes da Vila Francioni – o Francesco e o Família – para finalmente chegarmos no artesanal Bordalês C.

As opiniões se dividem, mas o ambiente, as honras do casal que nos acolhe maravilhosamente deixam qualquer debate atenuado e amistoso. O pesquisador da inovação prefere os cortados e vai embora impressionado com a qualidade dos vinhos que provou, convencido que há vinhos de qualidade no Brasil e que vale influenciar os mais influentes políticos que conhece para a causa do vinho tinto. O empresário da pesquisa, divide as atenções com o jogo São Paulo X Fluminense que desclassificaria o tricolor paulista para a “Libertadores da América”, mas sai bem impressionado com as novidades. O consultor fala entusiasmado do que experimentou e promete agir para contribuir com a melhora da imagem do vinho tinto nacional. Os três chefs de cozinha presentes, discutem a cepa que haverá de se tornar o nosso emblema de mercado. O empresário-músico profissional pergunta mais detalhes sobre os da primeira turma, surpreso pela relação custo-benefício que apresentou. O responsável pela telefonia digital de uma multinacional, está um pouco pasmo, sem conseguir finalizar uma impressão de qualidade, pois até o meio da degustação – como boa parte dos presentes – não trocaria seus bons argentinos por qualquer um daqueles que haviam sido provados. O ex-diretor financeiro de um dos maiores grupos de supermercado do país – talvez o mais experiente degustador de toda da turma – lamenta a ausência da uva mais significativa entre as mundiais, no seu entender, a Syrah.

No fim, uma salva de palmas pela minha iniciativa. No fim, uma salva de palmas para o vinho tinto nacional.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Causadores de Inveja

breno1Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Consta nos anais jurídicos e policiais* da cidade de Nancy, norte da França, que, em 1949, determinado empregado – responsável pelos cuidados da secreta e magnífica adega da nobre família de seus patrões, durante o período da ocupação nazista – matou a machadadas seu patrão, que insistia, desde a Libertação – 4 anos antes – servir os melhores da Borgonha e do Médoc em jantares regulares, deixando para ele e outros serviçais nunca nada mais do que garrafas vazias, jamais um pequeno gole sequer para experimentar. Compadecidos, apesar do crime ter sido flagrado e confessado, jurados e juiz imputaram-lhe pena extremamente branda, considerando que fora ele vítima de crueldade e tortura mental quase insuportável!

Todos nós queremos consumir aqueles vinhos de preços astronômicos, apesar de não termos o brilho dos reis, nem termos sido coroados presidentes desta nossa República ou até mesmo compartilharmos da amizade de gente como o Duda Mendonça ou o Maluf. Como escrevi em artigo publicado na revista Menu, nem tudo é tão duro assim na vida – O Martin Berasategui sensibilizou-se com a extrema contradição que existe entre a nossa vontade e o nosso bolso e criou o primeiro restaurante de comida contemporânea com assinatura nobre ao alcance de gente menos aquinhoada!

Por €60, um casal come maravilhosamente bem em seu MB Kursaal GastroPub em Donostia (San Sebastian), com direito a coquetel que lembra um Kir Royal e uma garrafa de um jovem vinho Rioja, muito bem escolhido (WWW.restaurantekursaal.com). Nesta linha de raciocínio, sugiro que o criador e proprietário do Chateau Ausone de St Emilion, dá uma dica meio involuntária neste fim de ano. Nem tão boa de preço, mas não deixa de haver um alento no ar.

É assim: o Chateau Ausone é o mais valorizado dos vinhos de St emilion, no nível do seu colega de rótulo, o Cheval Blanc – de acordo com a revista nº 12 – 2008/9 da WorldWine, o exemplar de 2004 custa R$8.883,00. Seu irmão imediatamente mais novo, o Chapelle Ausone, do mesmo ano 2004, custa €198 no negociante da cidade, o que faz com que ele chegue pelas importadoras a algo em torno de R$3000,00. O Moulin St George 2003, um chateau vizinho, que acaba de ser incorporado e leva agora a mesma marca do proprietário Ausone, custa € 82,77 para quem se aventurar a comprar direto da fonte! Ou seja, custa para nós algo em torno de R$1200,00 em nossas gôndolas… Nem pensar, não é?

Pois bem, estas reflexões iniciais, parecem justificar a entrevista que forjei e que se segue. A idéia nasceu quando experimentei um vinho espanhol, o Cuvée Palomar, que custa muitas vezes menos do que os tais R$1200,00 citados acima! 

-Sr. Pascal, tomando o Cuvée Palomar 2004 Abadia Retuerta me veio a idéia de perguntar ao senhor – ao criar este vinho o senhor estava com muitas saudades de casa?

-Por que a pergunta?

-Sr. Pascal, este vinho que senhor criou é um clone de um importante vinho francês, o Chateau Ausone, o melhor vinho que jamais tomei!

-Ora, como alguém pode dizer isso?

-Sim eu sei, vinho é oportunidade é situação, é surpresa. Mas é também qualidade, nuances de paladar, firmeza e delicadeza etc. e tal

-Bom, eu criei o Cuvée Palomar, numa mistura de tempranillo e cabernet sauvignon, portanto, nada a ver com um Saint Emilion.

-Sr. Pascal, com todo respeito, por acaso um Supertoscano como o Tignanello não é um bordolês, apesar da presença marcante da Sangiovese, uva que mal-e-mal saiu da Itália Central?

-(longa pausa) Sim, é verdade, que o cabernet sauvignon em corte, cria uma lembrança característica, apresenta os tons que permeiam alguns bons vinhos de guarda de Bordeaux.

-Então?

– Foi porque criei o Chateaux Ausone, que o pessoal da Novartis me contratou para fazer os vinhos da Abadia Retuerta.

-Ah bom, parece que começamos a nos entender…

– Não quis falar de pronto, mas não por vergonha, muito pelo contrário, pois meus vinhos em Saint Emilion são muito respeitados.

-O Chateau Ausone é o único que se equivale ao Cheval Blanc em toda a região! E o Chateau Belair, parece que vai pelo mesmo caminho…

– Não posso dizer, mas, diga-me, fiz tantos outros na Espanha, por que o Cuvée?

-Fale-me sobre ele…

– Ele encalha. Alguma coisa não está certo, parece até que não atende o mercado… Em vários países do mundo, ele encalha. Enquanto os da linha Abadia vendem muito bem, enquanto os Pago são aclamados em todas as degustações, enquanto o Petit Verdot e o Syrah não páram de ganhar fila de admiradores, incluindo gente como o Robert Parker… os Cuvée ficam nas prateleiras.

-Talvez porque sejam menos modernos e modernosos, o que não se espera de uma Bodega como a Abadia Retuerta, sempre tão à frente do que se faz na região. Por isso pergunto de novo, era em Bordeaux que estava pensando?

-Não posso deixar de pensar na minha origem no meu Porto Seguro, em Saint Emilion. Você tem razão, ao menos em parte, porque estou seguro da nobreza da Tempranillo e já fizemos experiências suficientes com ela para saber que se dá perfeitamente bem junto a uvas como a Cabernet Sauvignon. Angel Anocibar me fez a cabeça, mas minha cabeça continua sendo Saint Emilion. Sou criativo, mas meu limite é minha origem!

Despedimo-nos em nossa entrevista imaginária. Vou pra casa decidido a fechar os olhos e pensar que numa ocasião muito especial poderei conter a minha inveja por muito menos!.

*Si non è vero è bem trovato!!!

Reflexões do Fundo do Copo – Os Mal Amados

brenoMais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Suspeito ter uma queda pelos mal amados em geral. Gosto do peixe diabo, da passarinha – um órgão bovino meio que desprezado – gosto de jiló… Só falta agora dizer que gosto de Beaujolais!

No início do século, 7 anos atrás, Miolo e Cave de Pedra faziam Gamay que poderiam ser considerados de boa qualidade, com tipicidade no olhar e no nariz, muito agradáveis na boca. Por que será que os projetos com esta uva não se multiplicaram? Ingenuidade minha, por um momento pensei que ela seria a nossa Malbec, a nossa Tannat, o nosso ícone do futuro, nossa bandeira marqueteira no mercado internacional.

Assim como toda a torcida do Flamengo, na época, eu não apostaria um tostão na produção de grandes vinhos tintos feitos no Brasil, porque ainda pareciam eternas as dificuldades climáticas que insistiam em aguar as uvas na hora da colheita, assim como parecia eterna a baixa tecnologia empregada e o solo pouco conhecido. O todo produtivo, em suma, inibia grandes investimentos no quesito. Aqueles Gamay me fizeram esquecer as dificuldades e pensar grande, foram incentivos mais poderosos do que os Lote 43 da Miolo, o Don Laurindo Cabernet Sauvignon e os outros Valdugas feitos de uva internacional, porque desses havia uma pá de rótulos chilenos e argentinos para comparar e a produção nacional mal conseguia se equiparar a vinhos que chegavam ao mercado muito mais baratos.

Além disso, Gamay seria uma ótima alternativa para o consumo interno, para quem vive num país tropical e que resiste fortemente a migrar do consumo de outras bebidas para o vinho. Distante daquele tempo, o vinho tinto brasileiro vive um momento de afirmação internacional e está direcionado para outras cepas que não a Gamay. Parece se preocupar muito mais com aquelas mais aceitas pelo mercado, tendo como retribuição grande aceitação dos enófilos e sommeliers em todos os concursos internacionais em que participa, conquistando espaços importantes apesar de ainda conviver com forte desconfiança sobre sua capacidade. Argenta, Boscato, Cordilheira de Sant’Ana, Angheben, Villa Francioni, R.A.R. e Familia Bettù, Lydio Carraro entre outros, estão se afirmando com seus Merlot e Cabernet Sauvignon, além de uvas pouco conhecidas entre o consumidor brasileiro.  O Millèsime Cabernet Sauvignon da Aurora, o Storia da Valduga, os reservas Merlot e Cabernet Sauvignon da Casa Miolo, superam as barreiras de qualidade que pareciam intransponíveis para os tintos nacionais.

É evidente que nestes 7 anos o vinho tinto viveu uma surpreendente evolução, os capitalistas de outras áreas decidiram investir no negócio, as plantações se deram de modo muito mais objetivo, consolidando outros centros de produção vitivinícola, muito além do Vale do Vinhedo, o que não quer dizer que este não venha dando fortes sinais de vigor. Gamay ou outras uvas que podem render vinhos com as características que defendi ficaram para trás nos esforços das vinícolas, até onde vai minha limitada informação, exceção feita à Pinot Noir que continua sendo pesquisada por conta de sua presença em espumantes e que produz vinhos de qualidade como o recente e muito bem vindo Blanc de Noir da Aurora ou o quase secreto trabalho do Maurício Ribeiro, que vem sendo realizado em Flores da Cunha.

Com Gamay produz-se uma categoria de vinho extremamente gastronômico, feita para ser consumido a uma temperatura abaixo dos 16ºC. Vinhos bons e ruins, alguns dos quais excepcionais como os Borgonhas, outros de qualidade extremamente duvidosa como os Lambruscos. Sem serem excepcionais, mas longe de serem descartáveis, há uma plêiade interminável de vinhos e uvas como as Primitivo da Puglia e de Salento e seus netos californianos, Zinfandel; os Grignolinos piemonteses e os vinhos verdes tintos portugueses, inevitáveis quando se trata de comer bacalhau na terrinha; os vinhos do Loire produzidos com Cabernet Franc e que mereceram da Jancis Robison, no Atlas Mundial do Vinho que escreveu com Hugh Johnson, um comentário indignado contra o desprezo do mercado mundial com vinhos como estes, deliciosos, mas que “pecam” por serem feitos com “menos corpo e vigor”.

O Beaujolais do Bem e do Mal

gamay-grapeGamay é a cepa responsável tanto pelo Beaujolais Nouveau, quanto pelos Beaujolais genéricos, Beaujolais Village e finalmente pelos Cru Beaujolais. O primeiro é o mais conhecido e que lhe deu (má) fama internacional, e que se presta a uma bebemoração festiva global, de São Paulo e São Francisco a Tókio, no mesmo dia. É quase um “não vinho”, feito através de um processo de vinificação estrambólico, a partir de maceração semi-carbônica, onde os cachos inteiros são enfurnados em câmaras lacradas até que se dê a fermentação de parte desta uva, tendo como resultado um meio vinho, meio suco de uva, que, no fim da 2ª Guerra Mundial, fez fama e sucesso entre os sedentos soldados aliados que entraram em Lyon para libertar os franceses do jugo alemão e cair na merecida gandaia por alguns dias, ao menos. Conheceram e aprovaram a beberagem nos bistrôs da cidade libertada e fizeram seu nome internacionalmente.

Se o Vinho Fosse Coxinha

Este é o Beaujolais Nouveau, muito distante em pretensões da denominação “Cru Beaujolais”, a mais nobre da região, restrita à produção de apenas 10 comunas. Ambos são feitos das mesmas uvas, mas, se fossem coxinhas de frango em vez de um vinho, o primeiro seria aquela que você encontra ressecada no bar da esquina, feita de manhã com sobras de frango e consumida só no fim do dia; enquanto que aquele que leva o nome “Cru” é equivalente à coxinha premiada da Regina Preta, por exemplo, feita com os melhores ingredientes, frita e servida crocante e sem excessos de gordura, ainda cálida da primeira e única passagem por uma fonte de calor.

Se o Beaujolais Nouveau merece mesmo pouca consideração, os Beaujolais Village e Cru não têm escapado da ignorância deste mercado que privilegia a potência alcoólica, o ataque adocicado e o tanino da madeira; um mercado que parece ter medo da diversidade. São mal tratados pela mídia especializada, que confunde um determinado paladar com vinho mal feito. Como se, ao contrário, um vinho qualquer oriundo de uma uva nobre e reconhecida por todos como a Cabernet Sauvignon fosse – em si – um atestado de boa qualidade!

Abrir um vinho feito no Brasil, similar ao daqueles cujo rótulo vem registrado com o controle de qualidade regional Cru Beaujolais – Saint Amour, Fleury, Julienás, Chenás, Chiroubles, Morgon, Brouilly, Côtes de Broully e particularmente os Moulin a Vent –, tornou-se um desejo meu de consumo. Queria mesmo encontrar aquela boa complexidade, a presença de taninos sofisticados e até a perspectiva de envelhecimento como a que se dá com os grandes nomes citados neste parágrafo, que crescem dentro da garrafa e encontram seu ápice muitas vezes além dos dez anos! Não são geniais como os grandes da Borgonha, mas, em compensação, custam muitas vezes menos! Coloquei alguma dúvida no seu copo? Você promete dar mais uma chance para o jiló?

Reflexões do Fundo do Copo – Grande Mito, Grande Decepção!

 breno4Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

Descobri, na mesa, que meu comportamento tende a se alterar perante um mito. Atendi ao convite do amigo para jantar, levando um Haut Smith 92 debaixo do braço, meu passe para contrabalançar a presença anunciada de um La Lagune Grand Cru 96, o astro-mor da noite, Cinquième Grand Cru Classé. Todos estávamos lá para reverenciá-lo, inclusive a galinha d’Angola, escolhida a dedo para servir de contraponto sólido ao líquido, que deveria ser divino, por definição. Ele era o único sujeito da sala, nós, os provadores, modestos veículos de seus predicados. Nenhum de nós já o havíamos provado e a hora seria aquela. Eu, na humilde condição de um ser sempre meio fora de lugar (filósofo demais para ser publicitário, publicitário demais para ser militante de esquerda, militante demais para…), não quis dar vexame, principalmente porque estava cercado de acadêmicos da mesa, nobre estirpe que se forma e se desfaz desde os tempos de Robespierre.

Cumpri com perfeição e decoro todos os salamaleques rituais exigidos – cheirei a rolha, la-lagunereparei no seu leve vazamento, fiz o líquido circular pelas paredes baixas do copo de formato apropriado, medi sua coloração contra o branco da toalha, dei um gole mínimo, concentrei-me no que fazia e não abri a boca, a não ser para provar. A esta altura, servido ao lado de um Montesquieu 1999, meu réles Haut Smith já tinha sido dragado como mero cover de aquecimento e, para falar a verdade, nem o papel secundário lhe coube bem, visto que apresentou aquele vergonhoso gosto de pêlo de raposa, que determinados vinhos passam a carregar quando envelhecem mal; um bom rótulo, um cru intermediário, um vinho com pouco para mostrar… Pouco ou nada.

O que houve com o astro? Afinal não é todo dia que um Grand Cru Classé chega até nós. Seus taninos bordoleses se fizeram presentes na proporção de 55% Cabernet Sauvignon, 20% Merlot, 15% Cabernet Franc e10% Petit Verdot. Pensei comigo mesmo: são os 10% do Petit Verdot, maldita uva autóctone invejosa do sucesso que suas irmãs andam fazendo mundo afora… Não, ele deveria ser salvaguardado. Alguém merecia pagar o pato, a galinha, por exemplo. Ela decididamente não rendeu, civilizada demais para a ocasião, que exigia o seu lado mais caça, mais forte de gosto, mais selvagem. Parecia apenas uma bela e delicada ave destrinchada, impotente para contracenar com alguém de qualidades tão poderosas. Fulano preferiu defender a galinha e centrar o ataque nos queijos e nos vinhos brancos da entrada, muito saborosos demais; outros optaram por criticar nossa inépcia ao deixar faltar oxigenação necessária para que o grande e nobre francês nos desse tudo que tinha para dar. Todos foram dormir com uma sensação de frustração na boca.

Coitados de nós. Um bando de mitômanos procurando firmar às apalpadelas os velhos paradigmas, enquanto novos são criados aos borbotões pela mídia especializada norte-americana e pelos produtores do novo mundo. Sempre pretendo ser espontâneo quando manda o paladar, porque nada menos analítico, nada menos mediatizado pelo conhecimento intelectual do que o “gostei…hummm, não gostei”. O intelectual vem depois à moda do Gramsci, teorizando os predicados depois de tê-los conhecido na prática. Não sabemos mais qual é o principal objeto do desejo engarrafado. Será ainda o Romanée Conti, o Pétrus, o Lafitte. Ou é agora um australiano, um chileno, um californiano? A decadência de um mito faz isso com a gente, tira o rumo. Não liga não.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR