Amigos do Vinho

Reflexões do Fundo do Copo – Vinho, um investimento líquido e certo

       breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Uma coisa que pouca gente sabe é que fui conselheiro para assuntos comerciais da rainha Vitória I, de acordo – ao menos – com as cartas jogadas por uma cigana. Teria sido minha a idéia revolucionária de comprar a burguesia industrial que se formava nos Países Baixos, vinte e tantas famílias responsáveis pela industria tecelã já florescente, além de tantas outras. Já nos anos de inflação sem freio em torno de 1990, tornei-me consultor informal dos meus amigos que ganhavam salários além do que podiam gastar, ajudando-os inclusive na árdua tarefa de garantir o futuro de suas adegas para as próximas gerações.

Era possível, na época recomendar investimentos nas grandes marcas, nos grandes de referência mundial. Com uma inflação galopante, o dólar era patrimônio estável e crescente, o que permitia sugerir Investimentos sem risco para grandes investidores como os grandes bordeaux (premier grand cru classée), os Tokay 5 pontos, os grandes Porto, e as champagnes mais longevas e reconhecidas. Hoje em dia, o mundo do vinho mudou. As grandes marcas, além de continuarem sua valorização constante, estão cercadas de falsificadores por todos os lados, particularmente chineses. Quem dita tendências do mercado são os compradores americanos, mais impositivos do que os respeitadores ingleses, japoneses e alemães que sempre estiveram liderando as importações da França e Itália, os principais produtores de ícones na área. Significa uma mudança de gosto, que influencia diretamente o olhar do mercado. Grandes nomes estão sendo contestados, muitas vezes. Vinhos de grande prestígio, como Vega Sicilia, Barca Velha, Barolos e Barbarescos e Brunellos saíram do primeiro grupo de preferências, talvez por não serem vinhos de restaurante… Afinal, não se abre um Barolo para tomar imediatamente, é preciso um descanso de uma hora no mínimo. Mesmo os mágicos vinhos tintos da Cote D’Or da Borgonha perdem mercado e não são tão desejados como já foram, apesar da recente alta que tiveram com o filminho “Sideways”.

Apesar disso, continuo recomendando vinhos de excelência para aqueles que querem sair da Petrobrás e investir numa adega climatizada. Não há investimentos mais seguros do que um lote de Grange australiano ou Amarone vêneto. São produtos quase tão consensuais quanto um Margaux ou Petrus, ninguém contesta, ninguém duvida da qualidade e da longevidade. Neste mesmo plano, recomendo Hermitage e Cornas, os dois maiores ícones da uva Syrah, igualmente acima do bem e do mal.

Não é bom negócio investir neste momento em Brunello di Montalcino, apesar de historicamente ser um vinho de grande prestigio, pois está sob judice DOCG, acusado de satisfazer a demanda crescente de modo não autorizado, ampliando a produção com a adição de uvas francesas em volumes não autorizados. Mas é sim, grande negócio comprar Supertoscanos, grandes vinhos do Duero, do Douro e do Priorato, mesmo sabendo que o dólar não está tão favorável, porque são investimentos sólidos de retorno garantido por mais de cinco anos.

Não recomendo os grandes americanos da histórica disputa de 1976, quando bateram – em blind test – os melhores de Bordeaux, porque estão supervalorizados, mantidos com preços astronômicos por eficiente trabalho de marketing. O Novo Mundo tem sua coleção de ícones a investir, começando pelo Opus One, Don Melchor, Almaviva e Catena Zapata, mas não me entusiasmo na recomendação, acho que fazem muito barulho por pouco, diria Shakespeare. Mas meu gosto não conta, conta o valor de mercado, não é?

Vinhos considerados ultrapassados no gosto atual, apesar de continuarem perfeitos em sua vinificação, de madeira excessiva para os padrões atuais, mas que se mantêm prestigiados com vários fãs-clubes ao redor do mundo – Barca Velha, Vega Sicilia, Barolos e mesmo Barbarescos encabeçam o grupo dos Investimentos que já foram totalmente seguros. Vão durar muito tempo, protegidos pelos taninos de carvalho, envolvidos numa aura de qualidade, mas desfavorecidos pelas tendências de mercado. Os investidores têm dúvidas quanto ao esforço de renovação que se nota em seus territórios, pois – como sempre acontece nesses casos – a mudança não é aclamada nem pelos conservadores nem pelos conjuntos dos inovadores…

Sou entusiasta dos Investimentos mais agressivos para grandes e médios investidores. São altamente recomendáveis os destaques dos vinhos do Piemonte que apesar de não serem classificados em DOC, são apostas dos produtores mais qualificados, como o Angelo Gaja, que reproduz, em parte, o movimento que culminou nos supertoscanos. O mesmo se pode afirmar para os grandes produtores de Franciacorta, não apenas restritos aos excepcionais espumantes, mas também aos tintos de uva francesa. Ainda na Italia, é possível apostar nos vinhos Farnese da Umbria, nos vinhos como o Graticciaia da Puglia e nos grandes da Sicilia como o Dona Fugatta. Os vinhos modernos de toda a Espanha estão em alta no mercado mundial; Ribera Del Duero como Abadia Retuerta e Pesus, Rioja como o 890 Rioja Alta, Priorato, Rueda, Navarra. O mesmo se pode dizer para os garrafeiras de Portugal inteira, a começar pelos tintos do Douro, com uvas autóctones de grande futuro além dos Touriga e Baga. Na Argentina, destaca-se a produção da Achaval Ferrer, no Chile a da Casa Carmen, ambos cotados para ícones nos próximos 3 anos.

Mas meus olhos brilham mais quando indico Investimentos mais agressivos para grandes, médios e pequenos investidores. Neste momento, é recomendável investir de olho no futuro muito promissor dos vinhos tintos brasileiros, que superaram os limites da chaptalização criminosa (adição de açúcar depois da vinificação concluída, para compensar o baixo teor alcoólico). Há produtores que trabalham de acordo com a mais alta tecnologia, com as melhores mudas vitiviníferas, com acompanhamento enológico que não deve nada às melhores produtoras californianas. Estão neste padrão, além das reconhecidas Miolo, Valduga, Salton e Aurora, vinícolas menores como Argenta, Boscato, Villa Francione, Lidio Carrara, Família Bettù, Cordilheira de Sant’Ana entre outras. Esta é a minha caravana. Do alto dela, observo sereno o latido desesperado dos cães pelo caminho.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – Car Wash

breno1 Mais uma deliciosa crônica do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias.

 

Está pronto?

– Prontinho, senhor

Saiu todo o cheiro?

– Saiu, senhor, o material antibacteriano que usamos é aprovado pela USP e copiado em toda América

– Falando em América, o senhor é americano?

– Estou no Brasil há mais de seis anos, mas o sotaque não me deixa mentir

Veio por quê?

– Briguei com meu pai, muito mandão, acha que tem o único nariz precioso do mundo

Como assim?

– Ele é degustador de vinho muito famoso, mas erra bastante e não tem coragem de admitir 

É, parece que o cheiro saiu mesmo… Por um momento, achei que ia ter que vender o carro

– Nossa, só por conta de um caldo derrubado?

É que cheiro de peixe vai impregnando, dominando o ar, conquistando todos os espaços por osmose, sabe como é?

– A propósito, senhor, desculpe a pergunta, foi o senhor que preparou?

Preparou o quê?

– O caldo derramado

Sim, fui eu

– Devia estar muito bom!

Ué, como é que o senhor pode saber?

– Não digo com toda certeza, mas a gente se acostuma com cheiros, não é? Achei muito bom fazer um caldo com dois ou três tipos de conchas, misturado com o caldo de polvo.

Como é que é? O senhor reconheceu a presença dos caldos do marisco de casca preta, do vôngole e do marisco de mangue?

– O senhor preparou com um vinho branco nada especial…E ainda completou com algum creme de leite… Era fresco ou de lata?

Não acredito que por conta do cheiro de algumas gotas de caldo derramados no porta-malas do carro, depositados no compartimento do estepe, o senhor tenha condições de identificar tudo isso! O senhor entende de qualquer cheiro?

– Acho que sim. Sou um especialista em identificar, de metabolizar perfumes e sabores.

Algo mais?

– Bom, não tenho certeza, mas acho que o senhor acabou usando uma mistura de azeite e manteiga, fritou um pouquinho com alho-porò, não foi?

Era manteiga.

Fui embora espantado, pensando em como usar o filho do Robert Parker nas minhas experiências enogastronômicas.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Reflexões do Fundo do Copo – A Trufa Branca e o Vinho

brenoNum Outubro de alguns anos atrás, escrevi que a trufa branca italiana é o investimento mais perigoso que alguém pode fazer na vida, mais perigoso do que caçar diamantes na África do Sul, mais ainda do que comercializar cocaína*. Tudo porque, a trufa branca vale em torno de €4000 o kg e se esvai em água, murchando, não apenas a aparência mas principalmente em perfume, 10% ao dia. Em cinco dias, não vale nem a diária do hotel em Alba ou em Volterra. Ou seja, quem joga na Bolsa de Valores nos dias de hoje, é muito mais conservador do que quem aposta suas fichas na trufa branca In Natura.

Diante de tal produto, valoroso e polêmico quanto o mais fino caviar, o mais delicado pistilo de açafrão, não dá medo indicar o vinho que o acompanha? Trufa branca fresca se come em lâminas com macarrão, polenta, ovo estalado na frigideira e não muito mais, pelo mesmo medo que dá ao escolher o vinho, pois um prato desses pode ser tão caro, que ai daquele molho que bancar o engraçadinho e desvirtuar a personalidade do dito cujo.

Em termos de harmonia conceitual, um elemento gastronômico desses é um perigo, adorado por uns tantos e odiado por multidões. Afirmo que não deve ser compartilhado por um vinho cinzento, sem personalidade. Mas não pode também ser daquele tipo de vinho que quer mandar no pedaço, jogar para escanteio todos os outros componentes presentes. Portanto, antes de considerar as características da trufa, noves fora, excluímos mais ou menos 80% dos vinhos do mercado; os pesados demais, que estão cheios de madeira para dar, os que estão cheios de fruta em compota para dominar, os onanísticos, que se bastam e os sem personalidade, aqueles que você não sabe nada sobre eles e jamais vai saber, porque eles são filhos de misturas solteiras e grandes produções.

O Juscelino do Piselli, no seu festival de trufas deste ano, faz o que muitos fazem – botou logo um Barolo no casamento, que é para garantir uma saraivada de expressões de admiração, no prato e na taça! A acreditar no site italiano www.vinoinrete.it , o cliente dele corre o risco de pagar um mico – aliás bem caro, por conta do preço do sólido e do líquido. Para este site, a sugestão de harmonização é clara e transparente, tem que ser um vinho que tenha buquê intenso e persistente, porém pouca estrutura, o que não é o caso.

Depois de passear por uns vinhos como um Rosso Conero, um Dolcetto delle Langhe, acaba caindo nos braços de um espumante seco da Franciacorta. Grandes vinhos tintos, estruturados e de guarda, vão bem apenas quando a trufa é acompanhada de um esconde-defeitos, como são os queijos de ralar…Os amigos Mauro Maia e Marcelo Copello, comprovaram isso, ao tentar harmonizar trufas no Supra, como relata artigo sobre o assunto, na revista Adega. 4 vinhos potentes e caros, Borgonha, Barbaresco, Rioja, e um excelente vinho andino para arrematar. Salvaram-se todos mas só na hora do queijo!

Minha ousadia cresce quando, no site http://www.nove.firenze.it,  leio o resultado de uma disputa que houve em San Giovani D’Asso, no ano de 2006, entre 7 DOCG toscanos para saber qual deles harmonizava melhor com o dito nobre tubérculo subterrâneo. Brunello de C.Banfi, Carmignano Tenuta di Capezzana, chianti Donatella Colombini, Podere Terreno, Vernaccia di San Gimignano… “A Dama Branca dá Xeque Mate na Rainha Tinta e chega ao trono da sua majestade, a trufa branca (que em italiano é tartufo – ou seja – masculino). É a Vernaccia o seu melhor acompanhamento.”

Quinze caras votaram, com certeza interessados em garantir a sempre presente supremacia dos tintos. E quem ganhou foi um branco gastronômico. E qual é a moral da história? É a mesma de sempre, siga a sua vontade, não tenha medo de errar e parta de qualquer lugar, menos daquele chamado “preconceito”.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Vinoteca e Muito Mais no Empório Santa Maria!

Muito já foi falado e mostrado sobre um novo brinquedo, Enomatic,no mais recente parque de diversões para os amantes do vinho em São Paulo, a Vinoteca Santa Maria. Um equipamento que tem a capacidade manter garrafas de vinho na temperatura adequada e em boas condições depois de abertas por prazos de até 30 dias, apesar de isso muito raramente ocorrer! Desenvolvida para o serviço de vinho e taças em restaurantes, vinotecas, wine bars e estabelecimentos similares, o equipamento está sendo trazido ao Brasil, com exclusividade, pelo pessoal da Saint Marche, novos proprietários do Empório Santa Maria aqui nos jardins, em São Paulo. Da forma com que o novo espaço da Vinoteca Santa Maria foi montado, existe uma disponibilidade para oito rótulos brancos e 40 de tintos o que faz a festa de qualquer apreciador de bons vinhos. Insere-se um cartão magnético no equipamento e, automaticamente ele fornece o preço de cada vinho por tamanho de dose. Existe a dose degustação de 30ml, a de 60ml e a tradicional de 120ml, o bastante para matar a vontade sem grandes rombos no orçamento. Conforme se vai consumindo o cartão vai somando a despesa e totalizando, existindo, desta forma, um total controle dos gastos. Pelo que me foi passado, no futuro existirá também uma versão de cartão pré-pago para os mais descontrolados. rsrs

Tem de tudo, vinhos novos, vinhos de guarda, do novo mundo, do velho, clássicos, enfim um pouco de cada estilo de vinhos disponível no mercado. Dá para curtir alguns vinhos interessantes sem gastar muito, até porque os preços são bem comedidos devido a uma política de margens bastante honesta e justa, podendo matar nossa vontade de grandes vinhos por uma pequena parcela do preço de uma garrafa. Veja só esta lista como referência e uma idéia do que se poderá encontrar por lá, lembrando que os rótulos podem, e certamente irão, variar um pouco. Tem Barolo, Brunello, Chablis, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Malbec, Bordeaux, Pinot Noir, uma seleção de belos vinhos a escolher, veja só algumas dicas indicativas lembrando que preços e rótulos podem diferir, até em função das eventuais altas de preço em função do Dólar, porém a qualidade dos vinhos disponíveis será sempre nesse patamar;

 

Vinho e Safra

País

30ml R$

60ml R$

120ml R$

Pêra Manca 06 Branco

Portugal

7

14

28

Cloudy Bay 04 Branco

Nova Zelândia

5

10

20

Peter Lehman Riesling 06 Branco

Austrália

4

8

15

Achaval Ferrer Malbec 06

Argentina

4

8

15

Don Melchor 04

Chile

13

26

52

Tabali Reserva Especial 06

Chile

3

6

12

Marques de Murrieta Res. 02

Espanha

6

11

23

Chateau La Nerthe Chateauneuf du Pape 02

França

9

18

36

Il Bruciato 05

Itália

5

10

20

Casanova di Neri Brunello di Montalcino 02

Itália

13

26

52

Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas 05

Portugal

6

12

24

 

Se em qualquer restaurantezinho, vinho a taça tipo Gato Preto é servido fora de temperatura, em taças duvidosas e custa entre R$8 a 14, dá para entender o quão excelente é essa relação de qualidade x preço x prazer! Veja como usar:

 emporio-st-maria0002

 

A Vinoteca tem um buffet muito bom no almoço, a la carte no jantar, o que faz com que a diversão aumente de intensidade com a possibilidade de se brincar de harmonizar de uma forma dez, sem gastar muito só usando doses de 30ml e combinando com os vários deliciosos pratos disponíveis. Mais, se for em mais de uma pessoa, cada um pode brincar do seu jeito! Por isso chamo este local de um verdadeiro playground, não é só a maquina, é o que ela proporciona de opções. Mas o lugar não é só a Vinoteca e a Enomatic. Tem uma incrível loja da Expand com uma vasta coleção de rótulos e grande diversidade tanto de produtos como de preços, tem um supermercado gourmet de primeira, totalmente reformulado, bonito e repleto de gostosuras, tem um café, tem uma padaria genial, um setor de frios e queijos excepcional, mais um setor de vinhos de boa diversidade e bons preços, enfim, uma “armadilha” enogastrônomica de lamber os beiços sem contar o serviço de primeira, gentil e eficiente com valet service gratuito.

Estive lá há alguns dias e olhem só o que descobri na gôndola de vinhos: Espumante Marson Brut por R$28,00 muito bom e imperdível pelo preço / Tribu Pinot Noir R$23,00 da Trivento, mais uma vinícola do grupo Concha Y Toro, surpreendente pelo preço / Norton Malbec DOC 05 por míseros R$28,50 / Amado Sur um inusitado corte argentino de Malbec, Bonarda e Syrah de médio corpo e muito saboroso por apenas R$45,00 e um magnífico Chateau La Nerthe Chateauneuf-du-Pape de R$209,00 por 167,20 um achado  e uma ótima compra para quem tem o bolso um pouco mais recheado.

Com esta disponibilidade, preços e diversidade de produtos e rótulos, tinha que o incluir em nossa categoria de “Amigos do Vinho”. Enfim, um ótimo lugar que recomendo aos amigos e, quem sabe, não nos encontramos por lá uma hora dessas? Salute e kanimambo.

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Reflexões do Fundo do Copo II – Presente Certo Na Hora Errada

              Foi na pizzaria Bráz. Que triste estar lá com o amigo aniversariante e sua mulher, mais os amigos do amigo e os amigos de sua mulher. Como fui infeliz… Levei um Chianti Clássico Giorgio I (Primo)1994, um vinho que adquiri ainda na época em que o Jorge Lucki era sócio de uma importadora, quando o Real havia emparelhado com o Dólar, num efêmero momento maravilhoso para quem gosta de vinho! Certamente uma prova de apreço e consideração pelo aniversariante e também orgulho para quem presenteia por saber escolher tão bem!

             Apesar de levar a fama de SuperToscano, o Giorgio I é um vinho que leva a tarja com o galinho preto exclusivo dos DOCG Chianti Classico*, um espécime com excelente pedigree**. Não se tratava de nenhum ilustre desconhecido, fazia parte daquele lote que a gente se entusiasma faz um esforço e divide a caixa com amigos, 3 garrafas para cada um. E uma das minhas 3, tinha me representado com muita classe em uma degustação de vinhos toscanos, cujo “pingo” era dispor de uma garrafa para participar. 20 comensais torcendo para seus 20 vinhos.

            Pois o tal Giorgio I chegou entre os melhores, concorrendo contra vinhos muito mais conhecidos no Brasil, como os chiantis das grandes importadoras, os SuperToscanos e até 3 Brunellos. O comandante em chefe daquela degustação, o Vincenzo Venitucci, proprietário do Familia Venitucci, polêmico restauraurador de consagrada competência (anos e anos com duas estrelas do Guia Quatro Rodas), um filho pródigo de Lucca, Toscana, vaticinou para que os 20 participantes bem ouvissem – Os melhores foram os chiantis, não foram? Grandes chiantis são previsíveis ano a ano… Quem sabe uma de suas principais características. Diferente dos seus irmãos de pele grossa e grossa pretensão, os instáveis Brunello di Montalcino!

           Presente dado, o presenteado não sabia da importância do vinho que acabava de ganhar, um produto 7 vezes “3 bichieri” para o Gamberorosso**. Agradeceu sem prestar muita atenção, e foi logo pedindo ao garçom que abrisse a tal garrafa que ele comemoraria lá mesmo, com aqueles 8 amigos, com aquela comida. Afinal, em sua memória tudo estava de acordo, nada melhor do que um chianti clássico numa pizzaria para comemorar! Tentei usar de toda a minha autoridade (?) de grande conhecedor (?) de vinhos, em vão, dizendo que em tese ele tinha toda a razão do mundo, mas que aqui estávamos falando de um vinho muito importante, exigente. Todos me chamaram de pretensioso, metido, enochato e outras coisas que o editor desta prestigiosa revista virtual não permite publicar. Apesar de não ter a típica e ultrapassada garrafa gorda revestida de palhinha, que por muitos e muitos anos foi marca registrada deste vinho tão aclamado pela colônia italiana ultramar, tratava-se mesmo de um chianti, vinho de cantina, vinho de pizzaria, vinho de mesa, melhor companhia líquida para a sólida macarronada da mama, aos domingos!

           O Giorgio I é um chianti, mas pouquíssimos chianti são como um Giorgio I. Balbuciei que não era vinho para ir se abrindo assim e tomando como se fosse Coca-Cola… Tarde demais. O mau resultado não se fez esperar. Fui ouvindo reclamações de todos, que de bocas cheias de pizza calabresa e mussarela, pediam para que eu fosse imediatamente destituído do cargo honorário de “Entendido em Vinhos” da turma! Envergonhado e ofendido com tanta imprecaução, mas tranqüilo – como devem permanecer os que são mártires das boas causas – mantive-me impávido colosso, bebericando quieto, não o grande vinho que trouxe, mas um outro que pedi, um vinho simples e camarada, um chianti jovem servido em taça, feito para acompanhar o pedaço de pizza quente. Ao meu lado mantive protegido o motivo desta reflexão numa outra taça, intacto, à espera do momento certo para ser devidamente apreciado, uma hora depois!

Por Breno Raigorodsky

* Não está entre os seguidores do Antinori que, com seu Tignanello abriu a porteira daqueles que querem usar o terroir toscano para fazer vinhos com uvas internacionais. O DOCG cedeu hoje em dia e até aceita 20% de uvas autóctones menos importantes ou Cabernet sauvignon e merlot, mas mantém 80% de uva Sangiovese, com um mínimo de 12,5º de álcool para o vinho reserva contra apenas 12º para o vinho jovem, com um descanso de 24 meses, dos quais ao menos 3 em madeira, com as vinhas no território delimitado entre Sangiminiano e Siena.

**um dos mais sérios certificadores de vinho da Itália, co-autor do Slowfood

 

 

 

 

 

Reflexões do Fundo do Copo – Harmonização

Este é o primeiro texto do amigo, Breno Raigorodsky, filósofo, publicitário, sommelier, juiz de vinho internacional FISAR e companheiro de degustações. A partir de hoje e todo o Sábado, caso ele não esqueça de enviar o texto a tempo, o Breno estará conosco neste projeto por decifrar e democratizar o vinho, compartilhando suas experiências conosco. A divulgação de eventos, noticias dos parceiros, etc. que normalmente apareciam neste dia, passam agora para Domingo, ok? Agora, porquê a ressalva do esquecimento? Pensem comigo; filósofo e publicitário com umas taças na cabeça ……..precisa falar mais?! Breno, bem-vindo mon ami e salute!

 

Amigos servem para nos colocar problemas. Alguns eu soube resolver, não saberia mais, como aquela amiga que me pediu, nos idos de 1967, para dançar agarradinho com ela, para que o noivo morresse de ciúmes e parasse de traí-la, o que me custou um belo olho roxo. Este tipo de problema não tento mais resolver. Mas quando me cobram uma harmonização com filet au poivre vert… faço o possível para ajudar.

Em primeiro lugar, digo steack au poivre e não filet, no máximo o rumsteack, porque francês que se preza, despreza o filé. Em segundo lugar sempre corto a pressa dos leitores de email que de tão apressados comem cru e começo dizendo que tem gente séria que acha esta história de harmonização quase uma besteira, por conta da dificuldade de dominar as ditas determinações.

Carne vai bem com tinto e vinagre? Peixe vai bem com branco e pimenta? Gordura vai bem com vinhos alcoólicos, mas você come a gordura que vem na carne? E queijo, queijo não costuma esconder os defeitos de cada vinho? Como faz com um macarrão polvilhado de parmesão fresco?

Nada diferente do vinho que acompanha os filés com pimenta preta quebrada, a mostarda e mistura de pimentas. As pimentas são sempre as mesmas, apenas num estágio diferente da “vida”, uma ainda verde, outra mais madura e a branca sem a casca. Pimenta sempre exige um vinho que não brigue com ela, principalmente os chamados vinhos de degustação do Novo Mundo, vinhos cujo sweet point é maior do que a maioria dos pontos G que se encontra por aí, uma aberração.

Não caia no conto dos marqueteiros do Malbec que insistem em dizer que esta uva produz vinhos especiais para servir com carne em geral, não é verdade. Harmonização não é apenas o prazer na mesa, é também – e talvez principalmente – o prazer depois da mesa! Vinho é saúde quando se contrapõe aos excessos de sua companhia. Um vinho muito untuoso com comida gordurosa demais? Estou fora, busco rapidamente algo que me dê prazer na mesa, mas que me facilite a digestão.

Muito melhor é seguir as determinações do sommelier bicampeão mundial, Roberto Rabachino, legítimo seguidor do decano Veronelli, que sugere a harmonização cautelosa, uma coisa de muita experimentação entre o responsável pela carta de vinho do restaurante e o chef deste mesmo local. Mas é legal apostar na harmonização escolhida pelo uso, quando você não tem nem o sommelier, nem o chef por perto para ajudar você. Digamos assim, o steack, por mais que tenha origem desconhecida, é um típico prato de bistrô parisiense, onde se consome prioritariamente com vinhos da vizinha Loire, vinhos à base da uva Cabernet Franc como o Chinon, legítimo troféu gaulês da luta de resistência contra as pretensões inglesas desde a Guerra dos 100 anos.

No caso do Steak au Poivre, tudo importa, além da carne. É carne mais ou menos salgada? Quanto de cognac para flambar? Quanto de manteiga para grelhar? É manteiga clareada? Em casa, servimos com ervilhas e batata frita…Mas é o creme de leite, que manda. Ele é capaz de brigar de frente com qualquer vinho com adstringência e madeira excessivas fazendo com que o vinho pareça estragado. Por exemplo um velho campeão como o Gran Coronas da casa Torres, que se mostrou Tempranillo demais para uma só garrafa.

Os livros da Academie de La Gastronomie Française ficam em cima do muro entre os dois grandes ícones do Hexágono, mas fica com o St Emillion ou Nuits de Saint Georges. Eu apostaria em vinhos menos importantes, vinhos com alguma juventude, um Beaujolais village, um Barbera, um Saint Amour… Um piemontês Grignolino 2006, um jovem Primitivo da Puglia, um Chinon, um rosado Tavel.

Aliás, falando em rosado, quanto maior for sua dúvida, mais caia nos braços de um belo rosado, seco, alcoólico, firme no sabor. Fuja dos preconceitos em nome do prazer.