Ao celebrar seis anos da Confraria Enoladies, a qual tenho a honra de hospedar na Vino & Sapore, decidimos “brincar” de harmonização. Sempre que fazemos esse experimento, escolhemos um prato e servimos três vinhos diferentes entre si para provocar o sensorial dos presentes!
Primeiro provamos os três vinhos e elegemos um como o melhor. Depois repetimos a prova só que desta vez devidamente acompanhado, comendo. Invariavelmente a coisa muda e o resultado desta feita não poderia ser diferente.
O prato escolhido foi Caldeirada de Lulas que o nosso chef preferido aqui da Granja (Ney Laux) preparou especialmente para nós. O cheirinho da panela ao chegar me remeteu à minha juventude, minha mãe era mestre nesse prato!! Para tentar harmonizar, sim são sempre tentativas por mais que haja uma certa técnica aplicada, umas vezes acertamos outras não, parte da “brincadeira”! rs Escolhi três vinhos sendo que para um deles tive que consultar meu amigo Pingus (Pingas no Copo) lá em Portugal, um mestre da escrita e do copo. Me faltou um encruzado (uva autóctone do Dão) que era minha primeira escolha e meu Soalheiro Alvarinho estava novo demais, então o terceiro vinho foi difícil de definir, mas queria que fosse luso e, obviamente, tinha que ter em estoque! Minha memória olfativa não é aquelas coisas, mas minha memória gustativa é ótima, mesmo assim estava faltando aquela centelha de inspiração que casasse os sabores na minha mente, mas o papo com o Pingus ajudou a clarear!
Os três vinhos escolhidos foram o Clos la Neuve um delicioso rosé de Provence, o Kiké um vibrante e super aromático Traminer da Sicilia que leva um toque de Sauvignon Blanc e ……. Herdade do Sobroso Branco elaborado com 100% da uva Antão Vaz, uma casta regional alentejana. Como melhor vinho solo, sem duvida o Kiké foi o que produziu o maior número de uaus e suspiros, um vinho realmente marcante, intensamente aromático, fresco, vibrante marcado final de boca com especiarias e de muito boa persistência. O segundo nesse quesito foi o Clos la Neuve, um belo exemplar de rosé de Provence, um vinho sedutor e marcante, sutil.
A forra veio quando acompanhamos o vinho com o prato! O Kiké se mostrou demasiado, cheio de arestas, simplesmente não deu liga com o prato, um puxava para um lado e o outro para o lado oposto. O Clos la Neuve mostrou predicados, porém não me satisfez totalmente mesmo que para algumas das ladies tenha sido o escolhido, creio que um camarão na moranga daria mais liga. O Herdade do Sobroso Branco, no entanto, nadou de braçada, um bom vinho que explodiu com o casamento com o prato mostrando que uma boa harmonização pode sim fazer uma baita diferença. Como já disse antes, não precisamos fazer disso uma religião, mas não tem como negar que quando conseguimos fazer uma harmonização dar certo o nirvana pode sim ser alcançado numa refeição! rs Essa combinação deu muito certo mostrando que 2 + 2 podem sim dar 5! Mais uma vez ganhou a harmonização por origem e fiquei feliz com o resultado porque as outras partes da equação de harmonização já estavam lá presentes, boa companhia e razão para estarmos reunidos, o momento! A maioria, e eu acompanho, achou essa a melhor harmonização com a Lula.
Falando rapidamente do Herdade do Sobroso Branco, o vinho é fermentado em tanques de inox para preservar a fruta e fica cerca de três meses “sur lie“, sendo finalizado com uma passagem curta por barrica o que lhe dá bastante complexidade sem perder o frescor. Muito rico meio de boca, nariz mais sutil, boa acidez que se contrapôs à untuosidade do prato, corpo médio e final que pede bis, um vinho que prima pelo equilíbrio.
Para finalizar ainda tivemos como sobremesa Crostata de Figo, nozes e maçã caramelizada sobre o qual o nosso chef derramou uma calda de laranja dando um contraponto à massa da crostata, divino toque. Por falar em divino, difícil explicar as sensações ao ser harmonizado com uma taça de Henrique & Henriques Bual 15 anos, um vinho madeira para lá de especial! Uma grande finalização para uma deliciosa noite enogastronômica.
Noite maravilhosa, mais uma, e um deleite para o paladar, o olfato e a alma! Me sinto um felizardo por poder participar de momentos como este com gente tão especial. Um tremendo privilégio, uma honra e, porquê não, também uma tremenda responsa! Meu kanimambo especial de hoje, pós feriado, vai para todas as Enoladies que já passaram por este grupo ao longo dos seis anos de vida da confraria. Algumas são fundadoras e estas, ao longo de cerca de 65 encontros realizados no período, já provaram mais de 390 rótulos diferentes de vinhos tranquilos e uns 60 espumantes, certamente um marco!
Antes ainda provamos dois Champagnes Vollereaux, mas destes falarei em outro post, por agora é isso e seguimos nos vendo por aqui ou em qualquer canto desta nossa diversa e grande vinosfera, saúde!
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