Há muitos anos atrás, quando ainda tomava vinhos da garrafa azul e alguns vinhos nacionais de qualidade duvidosa, mas que cabiam no meu bolso, fui introduzido ao mundo dos vinhos finos de qualidade por um tio de minha esposa. De origem italiana e abastado, me lembro que em seu belo apartamento nos jardins abriu uma garrafa de um suculento e delicioso vinho Italiano. Era um Barbera d’Alba da Fontanafreda absolutamente macio e cativante. Quis repetir a experiência com o mesmo vinho, com outra sabedoria e litragem na bagagem, mas ainda não me foi possível, porém o momento ficou registrado. Depois, voltei à mediocridade que meu bolso permitia há época. Na ânsia de repetir a dose e com total ignorância, tentei alguns vinhos italianos baratos tipo Valpolicella e Chianti, tendo me dado mal. De lá para cá muita coisa mudou e muita água rolou, porém até pouco tempo atrás a visão que tinha dos vinhos Italianos seguia sendo de que, ou os vinhos eram bons e custavam os olhos da cara, ou eram baratos e muito ruins, muito rústicos, grosseiros e desiquilibrados.
O que descobri, é que não estava sózinho nessa minha percepção, muita gente compartilhava dessa mesma visão que, conclui não ser totalmente verdadeira. Apesar da má fama em função da importação desacerbada e sem critérios de vinhos de mesa sem qualidade, existem sim, como em todas as regiões produtoras, algumas ótimas opções de bons vinhos a preços bons que necessitam ser divulgados, coisa que tentarei fazer ao longo do mês nos diversos posts publicados. Certo, grandes vinhos têm sim grandes preços, mas conhecendo melhor as regiões, suas principais cepas, sua regulamentação e uma série de vinhos, podemos melhor entender essa relação e mudar, pelo menos parcialmente, essa percepção.
A Itália é um emaranhado de 20 regióes produtoras com cerca de 37 sub-regiões produzindo vinho com mais, ou menos qualidade, com diversos estilos usando uma boa parte de seu rico acerco de cerca de 2000 cepas autóctones. Destas, cerca de 350 possuem autorização dos órgãos regulamentadores para a produção de vinhos finos, mas cerca de 500 outras são usadas em vinhos mais caseiros. São um total de cerca de 900 mil vinhedos registrados, produzindo cerca de 18 a 20% da produção mundial, em algo próximo a 715 mil hectares. Da produção total de cerca de 41 milhões de hectolitros (cerca de 5 bilhões e meio de garrafas) em 2007, redução de cerca de 13% com relação a 2006 de acordo com dados do Istat – instituto oficial de dados estatísticos, 46% é de vinhos brancos e o saldo de tintos e rosados. Deste volume, cerca de 37% é exportado, fazendo da Itália o maior exportador mundial, sendo os Estados Unidos e Alemanha seus maiores mercados.
Enotria, ou “Terra do Vinho” nome dado pelos Gregos da antiguidade a terras italianas quando aportaram na região hoje conhecida como Calábria, foi uma premonição do que a Itália significaria para nossa vinosfera. Foi por volta do século IV a.c., que o vinho foi inicialmente introduzido nas regiões da Sicília, Puglia e Toscana, mas foram os romanos, todavia, que o disseminaram pela Europa. Mil anos de rivalidade feroz entre as cidades-estados com uma enorme profusão de bandeiras até 1861, quando da unificação da Itália, gerou a forma da viticultura atual com toda a sua enorme diversidade. Cada uma dessas bandeiras protegia sua cultura, tradição e produção locais, gerando uma grandiosa diversidade de cepas e estilos com pouquíssim intercambio entre regiões. A região de Chianti, por exemplo, está virtualmente intacta desde o século XIV. Após a segunda guerra mundial, começa uma pressão e demanda por vinhos de maior qualidade forçando a industria vinícola italiana a investir fortemente numa mudança de rumos que culminou na 1ª regulamentação em 1963 e no surgimento dos famosos Supertoscanos.
O que faz a legislação que regulamenta a produção dos vinhos? Bem, o objetivo principal é tentar equacionar a situação existente e desenvolver uma série de regras visando uma uniformidade de parâmetros na produção. Desta forma regulamenta; áreas de produção, cepas permitidas, rendimento por hectare, grau mínimo de álcool, tempo de envelhecimento, práticas nos vinhedos, etc. Vejamos a história da regulamentação Italiana:
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Em 1963, a primeira regulamentação cria a classificação Vini di Tavola e a DOC (Denominazione di Origine Controllata).
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Em 1980 se criam as regiões DOCG (Denominazione di Origine Controllata i Garatizata)
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Em 1992 se cria as IGT (Indicazione Geográfica Tipica)
Teríamos então, a seguinte classificação; na base da piramide os Vinis di Tavola, depois os IGT, mais alto um pouco os DOC e no topo os DOCG. Vejamos as classificações com porcentuais de participação aproximados (mais ou menos 5%) em 2007:
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Vini di Tavola, os vinhos mais simples elaborados sobre regras e controles menos rígidos. Quase uma liberdade total com cada um fazendo o que bem entende. Na sua grande maioria são vinhos de baixa qualidade, insípidos, rústicos, muito daquilo que denigre a imagem do vinho italiano no exterior. Existem, todavia, grandes vinhos classificados como Vini di Tavola elaborados por produtores muito conceituados. Nestes casos se enquadram os vinhos elaborados em regiões DOC ou DOCG porém fora das normas estipuladas. O fantástico Tignanello de Antinori, é um claro exemplo disto.
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IGT – Criado, como a VdP Francesa, para dar mais liberdade de ação e experimentação aos vinicultores. Muito desta criação se deve á pressão criada pelos supertoscanos, dos quais falaremos em post separado. São mais de 200 nos dias de hoje com uma regulamentação quanto às cepas a serem usadas, mas no resto é bastante livre e liberal para poder atender á experimentação e criação inovadora dos bons produtores em cada região. Vinhos que anteriormente cairiam na denominação de Vini di Tavola, agora podem encontrar abrigo nesta classificação.
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DOC – Regras mais restritas, maior exigência de controles, regiões pré definidas, limitação de cepas e rendimento por hectare. A maioria dos bons vinhos italianos levam o selo DOC, porém não é uma garantia de qualidade e, sim, indicação como na maior parte dos países. São mais de 300 as zonas, normalmente comunas, com classificação DOC.
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DOCG – Não só as regras são ainda mais rígidas com especial ênfase na redução de rendimento por hectare, mas os vinhos também passam por uma câmara de avaliação especial, que garante a qualidade antes do engarrafamento. A ascenção de uma zona a DOCG é bastante difícil, havendo somente umas 24 a 29 (cada fonte dá um numero e não consegui dados oficiais, ainda) com esta classificação. Nestes casos, é comum o nome da comuna e do vinhedo no rótulo.
Mapa gentilmente cedido pelo site Academia do Vinho, com link aqui do lado. Na semana que vêm veremos as principais regiões com suas cepas e suas principais zonas DOC e DOCG. Salute e Kanimambo