Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias
Você que faz viagens turísticas pensando no que vai comer e beber, está esperando o quê para conhecer Bolonha? Porque Bolonha é uma cidade maravilhosa muito antes de se sentar à mesa. É formada de uma classe de italianos que parecem terem nascidos todos na Inglaterra vitoriana, pois falam baixo, são extremamente solícitos e têm causas sociais a defender. Foi em Bolonha que se criou a primeira universidade do ocidente. É em Bolonha que se anda quilômetros de calçadas cobertas por arcos, que protegem o transeunte do sol escaldante do verão, das chuvas que caem entre estações, da neve e do vento frio cortante do inverno.
É na Emilia Romagna, província do centro da Itália cuja capital é Bolonha, que por cinco décadas houve um experimento de gestão socialista, fruto da participação da sociedade emiliana na resistência ao fascismo. A gestão parecia eterna, tão bem sucedida era – com seus meios de transporte gratuitos para trabalhadores e estudantes em hora de rush, com seus sistemas de apoio ao agronegócio, ao pequeno estabelecimento produtivo, ao estudante sem posses exemplo para todos os administradores da coisa pública no mundo inteiro. Sucumbiu à onda direitista que assola a Bota e o resto da Europa, mas não se apaga compromissos de tantos anos em pouco tempo. O povo de lá é mais vigilante do que o de acolá.
Ao sentar-se à mesa, até o seu vinho mais famoso e medíocre – o lambrusco – mostra as suas qualidades. À mesa, Bolonha La Grassa mostra porque foi chamada assim pelos italianos de outras partes. Em pesquisa informal sobre gastronomia, os italianos foram chamados a se pronunciar sobre um concurso para eleger a melhor comida italiana. Espertamente, a pergunta básica era “fora a comida de sua terra, qual é a melhor da Itália?” Resposta da esmagadora maioria – Bolonha. São especialidades reconhecidas como bolonhesas a mortadela, tortelini, a lasanha e o molho dito à bolonhesa, o ragu. Além da mortadela, o embutido cozido mais conhecido do mundo e um dos mais consumidos, com produção anual acima dos 18 bilhões de kg*, Bolonha é a capital da província mais famosa pelos seus embutidos, a Emilia Romagna. E lá que se produz o inigualável Culatello di Zibello, a copa piacentina, o salame de felino, presente em dicionários gastronômicos desde 1905, os presuntos de Modena e Parma, símbolo gastronômico da região, a medieval salama da sugo de Ferrara e os zampone e cotechinos de Modena. http://www.emmeti.it/Cucina/Emilia_Romagna/Prodotti/Emilia_Romagna.PRO.184.it.html
É possível especular sobre esta fama de boa de mesa, quando pensamos que a fartura opulenta saiu da mesa aristocrática e esteve acessível ao cidadão comum antes de qualquer lugar, como atesta uma carta dos últimos anos do século XVII, escrita por uma inglesa de nome Anne Miller Riggs, reproduzida num artigo de Angelo Varni “Bologna La ‘grassa’: uma storia tra mito e realtà” – http://www.storiaefuturo.com/it/numero_5/articoli/1_bologna-la-grassa~69.html, em 11 de Março de 2009 e traduzido livremente por mim: O almoço de hoje começou com uma sopa branca com macarrãozinho e parmesão finamente ralado na superfície, meia cabeça de porco bolonhês, muito bem assado e temperado, superior à qualquer carne de porco que tenha comido em nosso país; uma fritura muito bem feita, uma torta à moda francesa, um fricandè em navette, uma galinha deliciosa, a melhor que jamais comi, um quarto de carneiro assado, espinafre temperado à francesa, couve flor em trufa, temperado na manteiga e no aliche, um prato de mortadela; como sobremesa, a melhor uva branca que se pode imaginar, peras, nozes de tamanho e suavidade totalmente fora de costume.
Esta mesma especulação, nos leva a uma outra constatação: o ambiente universitário precoce, reunia estudantes e professores de muitos lugares da Europa, propiciando um caldeirão criativo inédito. Ele nos dá a pista de que a fama foi construída através de séculos de fartura e variedade, construída por elementos da agricultura, dos rebanhos e do mar. Localiza a fama por conta de acontecimentos que acompanham a história da cidade desde os primeiros anos do século XI. Como capital de uma região extremamente fértil desde então, já centralizava mercadorias de todo cinturão agrícola das margens do rio Pò, responsável por vasta produção de trigo, verdura, azeite, uva, ervas medicinais, e peixe que chegava à capital por Ferrara desde o Delta do Pò. Vinham marinados em vinho como a enguia ou fresco como o esturjão, os camarões e caranguejos, como as lulas e as ostras.
Diz ainda o autor que carnes bovinas e suínas freqüentavam com surpreendente freqüência até a mesa dos menos favorecidos, para não falar da quintessência da culinária bolonhesa – os embutidos, considerados os melhores – “linguicinhas cruas ou cozidas, melhores do que qualquer outra do mundo, aguçam o apetite a toda hora” comenta um viajante francês do século XV. Há comentários por toda parte nos séculos XVI e XVII, feitos por viajantes franceses, ingleses e alemães. Portanto, maravilhas embutidas, massas excelentes, frutos do mar especiais, frutas, verduras, queijos, recebem você de braços abertos.
Evidentemente, quem vai a Bolonha não é obrigado a ficar tomando Lambrusco só porque está lá. Em Bolonha, entre dezenas de osterias e enotecas, tem uma em funcionamento desde 1465, a Osteria Del Sole, onde você é lembrado por centenas de garrafas de vinho, que a Emilia faz fronteira com algumas ilustres regiões como o Piemonte, a Toscana, a Lombardia e o Veneto, com seus Barolo, Chianti, espumantes de Franciacorta, e Amarone respectivamente, alguns dos melhores vinhos do mundo.
Enoteca Del Sole – Bolonha
Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR