Como é possível impactar com uvas internacionais e vinificações por métodos conhecidos e usados a toda hora, quando seu atrativo não está nada mais do que na origem exótica? Está em curso no Brasil de hoje, um circulo virtuoso no processo de inovação agro-industrial do vinho de qualidade internacional, que invade as fronteiras do público e do privado, dificultando definir quem inicia o processo e quem o finaliza. O estado mostra-se capaz de ajudar com ações que vão da simples divulgação de determinado produto, dentro do país, em regiões detectadas como eventuais consumidores daquele item e fora dele, no pacote comercial diplomático que costuma acompanhar iniciativas mundo afora. Para surpresa daqueles que só encontram defeito e falcatruas nos governos recentes, ele está demonstrando capacitar-se a esforços que resultam em ampliação de mercado agrícola e industrial, fomentando exportações, que resultam maior montante de divisas.
O Estado ajuda, criando e aprofundando a qualidade da pesquisa e do controle na produção, criando mecanismos de punição fiscal e criminal para aqueles que pretendem ludibriar o consumidor com produtos que prometem e não cumprem; criando linhas de crédito, subsídios e incentivos para determinada produção. Ajuda também, reformulando os impostos sobre a produção e circulação de determinados produtos. O contexto é de forte ebulição na área da formação teórica, multiplicando-se os cursos práticos por vários centros, não apenas no Rio Grande do Sul, a partir da UCS, não apenas em São Paulo com o Senac e a Anhembi Morumbi, mas também em escolas técnicas espalhadas pelo país, como em Jundiaí e na Cândido Mendes no Rio de Janeiro.
O intercâmbio não pára de crescer e os doutores em vinho vão se multiplicando, formados por aqui, com especialização na França, na Itália e na Argentina, como se vê nos centros de estudo em Florianópolis, onde a presença de professores vindos de Bordeaux é constante e como se percebe através das parcerias realizadas entre universidades brasileiras e centros de conhecimento e divulgação como são as italianas FISAR (Fed.Italiana Sommeliers, Albergatori, ristauratori) e AIS (Assoziazzione Italiana Somelier).
Mas as contradições inerentes ao prêmio por mérito em eficiência, este mesmo Brasil que continua patinando na hora de taxar quem produz em muitas áreas, inclusive nesta. Isso já foi dito de modo exaustivo, já se lutou com todas as armas, mas não custa repetir – Enquanto os vinhos finos dos países vizinhos visitam nossas gôndolas por pouco mais do que nada, os produzidos no Brasil passam pelos espinhos da dupla taxação referente a bebidas alcoólicas e a produtos de luxo. O privado, visto aqui como o poder proprietário, parece estar fazendo sua parte, aportando capital de outros departamentos da economia, como são patentes os casos famosos da Villa Francioni e da Pericó. Há uma procura importante de descentralização da produção de uvas no país, que acaba determinando a produção em terras mais apropriadas para isto, que analisam desde as características dos subsolos até o gradiente térmico e climático, seguindo recomendações de técnicos particulares e de entidades do Estado para todos os estágios da produção, driblando finalmente dificuldades enológicas que pareciam definitivas e que carimbavam o vinho brasileiro como um produto definitivamente medíocre.
Tudo dito, os dilemas que se aplicam ao produtor brasileiro de vinho tinto estão em que tipo de vinho aplicar o capital investido, qual é o melhor plano para atingir a maturidade produtiva, como reproduzir a rota de sucesso já trilhada pelos espumantes brasileiros, identificados como produtos de alta qualidade. O vinhateiro de vinho tinto fino brasileiro tem nesta etapa de implantação, os olhos voltados para o exterior, visto que no mercado interno não se vê em condições de competir com o produto dos vizinhos; Chile, Argentina e mesmo Uruguai, na relação Qualidade X Preço, por mais que promova campanhas publicitárias e promocionais esporádicas, chamando o consumidor a uma duvidosa opção cívica a favor do produto feito por aqui.
Parece que a dicotomia que sempre se apresenta no confronto de interesses que regem a economia do País se expressa de modo transparente na forma de implantar inovações. A gaveta dos produtos criados para exportar são tratados a pão de ló, com direito a plano de expansão, estratégias de exposição de produtos, incentivos fiscais, linhas de crédito etc. enquanto que os produtos criados para o mercado interno ficam à mercê das antigas leis do mercado, onde o mais forte – e nem sempre o melhor – é o que já está consagrado. Neste contexto, os produtos de origem brasileira parecem estar sempre fora de lugar – ou se alinham, envergonhados, nas prateleiras reservadas aos produtos de baixa qualidade ou se perfilam, como um blefe de curto fôlego, junto aos produtos mais caros, com o custo totalmente descompassado.
Como parêntesis, pergunte a qualquer importador de vinho como se trata este mercado de consumo interno e ele responderá que traz os vinhos já consolidados acrescidos dos vinhos que caíram nas graças do consumidor brasileiro! Considerando que – apesar do enorme crescimento de oferta – não chegamos aos 3 litros de consumo anual per capita, o que é pífio em volume, falamos que existe um “paladar do consumidor brasileiro”… Ou seja, nada mais conservador, nada mais irritante para quem procura fomentar a diversidade e não reproduzir ad nauseum as mesmas condições de sempre.
Portanto, incapaz de ver brechas reais no mercado interno e para não mexer demais na lógica já constituída, o capital recente na área tem os olhos naturalmente voltados para os mercados internacionais, não apenas por todo o incentivo que se obtém, mas também porque se trata de mercados ávidos de novidades, que dragam todo e qualquer produto desconhecido, numa ânsia pantagruélica por novidades. Evidentemente, o consumidor alemão, inglês, americano e japonês – além de outros tantos consumidores de outros tantos mercados secundários que se abrem, como os da Europa do leste e da Ásia ocidentalizada a partir da Coréia – têm referências de qualidade e preço de tantos outros pontos do mundo e já experimentaram tantas outras ondas novidadeiras bem antes desta que estamos pretendendo criar. São curiosos, recebem novos produtos de braços abertos. Mas seguem a cruel verdade, por demais conhecida de todo profissional de marketing – experimentam uma primeira vez, querem sentir o gosto daquele produto, e simplesmente, deixam de comprar a segunda vez, se não houver sedução.
É aí, então que se descortina o último e o mais verdadeiro dos dilemas: como é possível impactar com uvas internacionais e vinificações por métodos conhecidos e usados a toda hora, quando seu atrativo não está nada mais do que na origem exótica? É um grande mérito fazer um merlot de qualidade, um cabernet sauvignon comparável a alguns dos melhores do novo mundo. Mas na hora que até os portugueses estão fazendo vinhos fantásticos com Shiraz, que os australianos não param de inovar, que os italianos despejam novidades com suas uvas do sul e também a partir de novos tratamentos com as grandes do Piemonte; no momento em que Israel e Líbano entram com as mesmas vinificações, com as mesmas uvas; que a França amplia seu parque produtivo no sul, baseando a produção em velhas conhecidas como a Grenache e a Espanha não para de produzir novidades, qual é o nicho que saberemos ocupar?
Mais um inteligente texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias